Recém estou na centésima página de Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. A primeira impressão é que o autor eleva Kafka à quinta potência. De repente, as pessoas ficam cegas, de uma cegueira que contagia. Os primeiros cegos são trancafiados num manicômio vazio, com o mínimo de atendimento e vigiados por militares armado. Os personagens não têm nomes próprios, são designados simplesmente por "o primeiro cego", "a rapariga dos óculos escuros", "o médico", "a mulher do médico", "o rapazinho estrábico, "o ladrão". Os cegos são praticamente abandonados num alojamento, a comida é deixada do lado de fora. Entre os cegos, a mulher do médico continua a ver às escondidas (orientando os demais). O ladrão, ao meter a mão na rapariga dos óculos escuros, é ferido por esta com o salto do sapado, rasgando-lhe a perna. Com infecção, o cego se arrasta até a saída para pedir ajuda aos guardas e, sem mais nem menos, leva uma rajada de balas à queima-roupa. (Esse episódio da execução do cego é bem kafkiano.) Os outros cegos o enterram, auxiliados unicamente de uma enxada para abrir a cova. Em seguida, outros internados são mortos pelo motivo de estarem andando em lugar não permitido. O narrador, quando não onisciente, passa a observador, tomando emprestados os olhos da mulher do médico. Subtraídas do sentido da visão, as pessoas se transformam em quase animais. Penso que é por aí que se desenvolverá o tema saramaguiano.
Um comentário:
É um belo livro.
E agora saiu A Viagem do Elefante, que também é bom.
Gosto do cara.
Um grande abraço.
Helô
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