terça-feira, 30 de junho de 2020

UFOLOGIA: UMA RELIGIÃO CONTRA AS RELIGIÕES


       Toda imagem no céu (geralmente de luzes) é logo classificada como Objeto Voador Não Identificado. Ato contínuo, as fake News se disseminam na velocidade da luz. A “crença” em OVNIs conta com uma legião de seguidores, mais numerosa que as estrelas visíveis à noite.
        Os ufólogos sustentam a não identificação do objeto visto como discurso que protege sua “religião” de evidências indesejáveis. O verdadeiro objeto da crença ufológica é a vinda de seres alienígenas.
        Ao invés de contradizê-los, todavia, imagino que eles estejam certos com a seguinte argumentação: para realizar a viagem até a Terra, a tripular uma nave espacial, o visitante é muito mais inteligente que o homem (ainda com dificuldade para chegar a Marte). Essa maior inteligência constitui o primeiro impacto nos preconceitos e nas vaidades homocêntricos.
        A imaginação (por mais fértil) não é suficiente para elencar os efeitos reais sobre os humanos. Um dos maiores construtos imateriais da humanidade, os deuses seriam volatizados por atacado com a comprovação de vida extraterrestre.
        Infelizmente, os alienígenas não aparecem, para resolver de vez o Paradoxo de Fermi* – como creem já resolvido os ufólogos.
        
* Paradoxo de Fermi é a aparente contradição entre as altas estimativas de probabilidade de existência de civilizações extraterrestres e a falta de evidências para, ou contato com, tais civilizações. (WIKIPÉDIA)

terça-feira, 23 de junho de 2020

UMA MUDANÇA POSSÍVEL


A pandemia determina algumas mudanças em nossos hábitos, o que não ocorria há muito (desde que passamos a tomar esses hábitos como a expressão inconteste de nossa autonomia).
       Entre os hábitos impostos pela necessidade de isolamento, o de ficar em casa é o de menor aceitabilidade, a gerar certo incômodo físico e psicológico. Esse mal-estar não se deve ao tempo ampliado de convivência familiar, senão ao espaço limitado de ir e vir.
       Para alguns, a falta de contato interpessoal cede vez a um voltar-se a si mesmo, a uma introspecção. Nesse aspecto, sustenta-se o argumento de que o mundo pós-pandemia será outro, mais intersubjetivo, mais relacional.
       O autoconhecimento é condição para o conhecimento do outro. Conhecer a si mesmo transcende o pré-conceito que está na base de todo julgamento apressado, de toda culpa (ou de toda inocência) autoatribuída. Essa introspecção pode voltar-se para fora, para a relação com o outro, então não mais enquadrado em estereótipos pré-concebidos.
       Caso essa evolução aconteça, certamente o mundo pós-pandemia será melhor, a partir de novos hábitos menos individualistas. 

quarta-feira, 17 de junho de 2020

LITERATURA E SABER


         A mais clara influência roseana em Mia Couto é o provérbio curto e seco. Na linha de “viver é muito perigoso” de Grande sertão: veredas, destaco alguns exemplos abaixo:
         “Melhor sentinela é não ter portas”;
         “A fome quando ferra nos faz fera”;
         “A dor é uma janela por onde a morte nos espreita”;
“A felicidade só cabe no vazio da mão fechada”;
“O homem é como a casa: deve ser visto por dentro”;
“A riqueza é como o sal: só serve para temperar”;
“Em terra de cego quem tem um olho fica sem ele”;
“As paredes têm mais orelhas que o elefante”;
“As raças são fardas que vestimos”;
“São as esperas que fazem envelhecer”;
“Os mortos não morrem quando deixam de viver, mas quando os votamos ao esquecimento”;
“Quem quer vestir-se de lobo fica sem a pele”;
“A guerra fere mesmo os que nunca saíram em batalha”;
“Quem quer a eternidade olha o céu, que quer o momento olha as nuvens”;
“A mulher não transporta água; ela traz os rios todos dentro”;
“O demônio mora sempre entre os vizinhos”;
“O boi sem cauda pode passar pelo capim em chamas”;
“Feridas da boca se curam com a própria saliva”;
“O silêncio é a língua de Deus”;
No charco onde a noite se espelha, o sapo acredita voar entre as estrelas”.

         Esses provérbios foram transcritos de Terra sonâmbula, Antes de nascer o mundo e Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, do romancista moçambicano.
         A propósito, para uma edição de João Guimarães Rosa no país africano, uma das falas mais conhecidas de Riobaldo sairia desta forma: “Diadorim é meu cacimbo”.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

A TEMÁTICA DO FÚNEBRE



Ontem comecei a leitura de Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, de Mia Couto. De posse de um lápis, sublinho o nome das personagens, as palavras crioulas já inseridas no português africano, as frases filosóficas ou poéticas.
A história tem início com o retorno de Marianinho à ilha Luar-do-Chão depois de muitos anos. Ele foi incumbido a comandar as cerimônias fúnebres de seu avô Dito Mariano. Na casa grande, encontram-se reunidos todos os seus parentes, entre os quais, Fulano Malta (pai), Dulcineusa (avó), Abstinêncio, Ultímio e Admirança (tios).
Não é a primeira vez que um funeral constitui o eixo da história. Pelo menos duas outras obras me vêm à lembrança, malgrado mais de três décadas da leitura: o romance Enquanto agonizo, de William Faulkner, e o conto Os funerais da Mamãe Grande, de Gabriel García Márquez.
Em Enquanto agonizo, quem morre é a matriarca da família Bundren, a envolver seus filhos no traslado do corpo numa carroça velha até Jefferson. O romance é composto por várias vozes, cada capítulo é narrado por um dos Bundren. Em Os funerais da Mamãe Grande, é narrada a “mais esplêndida ocasião funerária que registram os anais históricos”. Até o Papa veio a Macondo.
Mia Couto tem a reconhecida influência do realismo mágico latino-americano e do nosso João Guimarães Rosa. Salvo melhor análise, não há outras semelhanças entre Faulkner e o escritor moçambicano. A temática do romance constitui uma coincidência.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

AS QUATRO AMEAÇAS




     Quatro ameaças colocam em xeque a ilusão de permanência humana na Terra – o paraíso que se perderia finalmente: conflito nuclear, degradação ambiental, pandemia e queda de um meteoro.
       As duas primeiras denunciam a capacidade de autodestruição do homem, um paradoxo ante a ilusão referida acima. O fim da Guerra Fria preservou o aparelhamento bélico dos Estados envolvidos e não inibiu o desenvolvimento contínuo de outras potências emergentes. Basta uma pequena crise econômica para se retomar os testes nucleares.
                 Em relação ao meio ambiente, já é evidente a entropia prevista pelo discurso ecológico desde o século passado. A contribuição do homem é enorme no que concerne ao esgotamento crescente dos recursos naturais, à extinção de outras espécies (terrestres ou marinhas), à emissão de gases poluentes (responsável pelo aquecimento do planeta), a outros tantos males aos ecossistemas.
      A terceira desloca a causa de facticidade para outras criaturas, principalmente bactérias e vírus. Até o tempo presente, Yersinia Pestis, Vibrio Cholerae, Bacilo de Kock, Influenza, Oethopoxvírus, Morbillivírus, Ebola, Coronavírus, entre outros apresentaram um poder de letalidade mais ou menos controlável. A mutação de um desses agentes infecciosos ou o surgimento de outro ainda mais violento poderão dizimar a humanidade.
       A quarta ameaça, a queda de um meteoro gigantesco, não é menos provável. Há precedente, como o que ocorreu 65 milhões de anos atrás. Várias espécies de animais, denominadas genericamente de dinossauros, foram extintas para sempre do paraíso vital. Esse acaso escatológico para os grandes répteis permitiu o desenvolvimento dos mamíferos. O homem não sobreviverá às consequências de um impacto semelhante ao ocorrido no Golfo do México.
        O homem conseguirá reverter as duas ameaças em que ele é o responsável direto ou indireto? Sua permanência maior neste mundo dependerá (desde agora) de um sim como resposta a essa questão determinante.