quarta-feira, 28 de setembro de 2022
MEIO TERMO
sábado, 25 de junho de 2022
A ARTE DE ESCREVER
quarta-feira, 23 de março de 2022
O VENDEDOR DE LIVROS (CRÔNICA DE CURITIBA)
O homem vende livros na Feira do Largo da Ordem, que acontece
todos os domingos em Curitiba. Seu espaço fica a poucos metros do bebedouro
(onde os tropeiros davam água aos cavalos e mulas desde meados do século
XVIII).
Diferentemente de
outros feirantes, o livreiro não dispõe de uma barraca armada: vende ao sol.
Mesmo assim, ele é bem-humorado, a divertir seus clientes com algumas tiradas.
Todas as vezes que
vou à feira, dedico um tempo maior a conversar com o homem.
Dois
chistes de sua chancela transcrevo abaixo:
A mulher dá uma
olhada para tantos volumes e pergunta como eles estão organizados nas caixas de
madeira. A resposta é categórica: “Os livros estão organizados de uma forma
rigorosamente aleatória”.
Domingo último, ao
passear pelo Largo da Ordem, mais uma vez me detive em frente ao amigo vendedor
de livros. A chuva era iminente, por isso me preocupei com o acervo exposto.
Com um sorriso de tranquilidade, o homem apontou para uma lona enrolada:
“Tenho aqui o preservativo cultural.”
Infelizmente, a garoa caiu mais grossa, e o homem teve que
desenrolar o “preservativo cultural” e estendê-lo sobre os livros arrumados de
uma forma “rigorosamente aleatória”.
domingo, 6 de março de 2022
NÃO EMPODERAMENTO
Em 2020, escrevi o artigo
Rede social Facebook: o não empoderamento
do sujeito do enunciado, como avaliação no curso de Filosofia (FAE Centro Universitário,
Curitiba). No momento em que a mídia social possibilita a um grande número de
usuários criar uma página e se inserir no que pode ser considerado letramento
digital, ousei questionar diversos estudos acadêmicos que apontam certo
empoderamento pessoal.
Para tanto, desenvolvi meu argumento baseado em três referências:
Mikhail Bakhtin, Platão e Sigmund Freud. Da análise do gênero discursivo
recorrente, do conteúdo opinativo e narcisista da enunciação, sustentei que o
sujeito que a elabora não se efetiva como interlocutor dialógico, não contribui
para a verdade e tampouco cumpre um papel de relevância intersubjetiva. Ademais,
há de se considerar o poder de manipulação do Facebook, recentemente denunciado
por ex-colaboradores da startap.
A partir de Bakhtin, esclareci o que seja o enunciado dentro
do processo comunicativo. O sujeito é quem fala ou escreve para um ouvinte ou
leitor que dialoga com ele. Esse segundo componente da relação dialogal, por
sua vez, ocupa “uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda” do primeiro,
com o qual alterna o papel de enunciador. O enunciado é tudo o que produzido
durante a comunicação oral ou escrita. O linguista e filósofo russo classificou
os gêneros discursivos de primários (conversa, bilhete, e-mail etc.) e
secundários (crônica, conto, artigo etc.).
Da réplica do diálogo cotidiano ao comentário mais longo em
que se expressam ideias, apreciações e juízos de valor, a opinião constitui a
maioria dos enunciados no Facebook. Na linha segmentada proposta por Platão, a
opinião consiste numa forma primária de conhecimento, fundamentado em ilusões,
crenças e preconceitos. Nesse aspecto o filósofo rende tributo a Parmênides,
pré-socrático que opunha a opinião à verdade.
Em vista de sua subjetividade, de seu caráter íntimo, a
opinião visa a dar evidência ao sujeito que a enuncia. A imagem de si mesmo, na
percepção desse sujeito, merece o compartilhamento com o outro,
independentemente da concessão dialogal. Pari passu com outras semioses (a
exemplo do selfie), a enunciação é motivada pelo narcisismo, ou a necessidade
de investimento no Eu, segundo Freud. No âmbito hi-tech, o Facebook representa o lago que reflete a própria face piegas
do sujeito enunciador. Antes de comunicar algo, de exercer uma função social,
todo enunciado, acompanhado de imagem ou não, presta-se à afirmação de uma
identidade narcísica.
Em síntese, não há empoderamento no emprego de gêneros
primários (como a conversa cotidiana), não há na opinião e na expressão
narcisista. Para se tornar empoderado, o usuário deve produzir uma forma de
gênero digital que influencie seu interlocutor, que se aprofunde na busca da
verdade e que se caracterize pela alteridade. Não há empoderamento sem considerar
a relação com o outro.
quinta-feira, 3 de março de 2022
DRAMA PESSOAL
Hoje
levantei com a ideia de pintar meu autorretrato com vitiligo. Pictoricamente, estas
manchas mais claras na testa, acima da sobrancelha e no extremo direito da boca
darão ao quadro um aspecto interessante.
Outra ideia me ocorreu nesta manhã: iniciar
a escrita de um romance. Depois que li Terra
sonâmbula (Mia Couto) e Torto arado
(Itamar Vieira Júnior), essa ideia se renova com frequência (sempre vencida
pela autocrítica).
Qual é a autocrítica?
Por um lado, reconheço que não estou
preparado para tão grande empreendimento criativo, que me exigiria muito suor,
muita queima de neurônio. Por outro, penso que o compromisso com a realidade é
mais urgente. O mundo não anda bem, a necessitar do meu engajamento filosófico.
Platão poderia estar certo em deixar os
poetas fora de sua república, porque eles perpetuam a ilusão, o estado sensível
do fundo da caverna. Para sair à luz, o homem o faz por intermédio da razão, do
conhecimento.
Assim dividido, adianto que não pintarei
meu autorretrato, tampouco iniciarei um romance. A arte fica para depois, não
obstante a perspectiva de que depois será tarde.
terça-feira, 1 de março de 2022
"GIGANTES DE RAZÃO CIENTÍFICA"
Muito antes de ler Charles Taylor, filósofo canadense, eu já chegara aos três grandes nomes da modernidade, que libertaram o homem ocidental do delírio religioso: Copérnico, Darwin e Freud. Tal libertação, ainda incompleta, não ocorre sem grandes frustrações.
O primeiro nome é Nicolau Copérnico,
monge polonês, que descobriu matematicamente que era a Terra que girava em
torno do Sol, e não o contrário (como sustentava todo o saber anterior). Sua
descoberta gerou um grande mal-estar em pleno apogeu do Cristianismo, quando a
Terra estava no centro do mundo, com o Deus sobre ela, sentado num “sólio de
nuvens” (no dizer de Will Durant). Com estudos posteriores, nosso planeta foi
perdendo cada vez a centralidade, reduzindo-se a um grão de poeira na imensidão
do espaço-tempo. Copérnico receoso de que seu estudo causaria uma indignação
muito grande, com consequências terríveis para ele, publicou-o um pouco antes
de morrer em 1543. Giordano Bruno, que defendeu mais tarde o heliocentrismo,
foi condenado e executado pela santa igreja de Roma.
O segundo nome e (reputo) o mais
importante é Charles Darwin. Outro que tardou para publicar seu A origem das espécies (1959), um
escândalo para a Era Vitoriana, de fundamentalismo moral e religioso. A
frustração causada por Copérnico foi superada com a crença de que o homem era
ainda uma criatura divina, diferente dos outros animais. Darwin explica
minuciosamente como ocorreu a evolução das espécies, como homem e chimpanzé
pertenciam a uma mesma espécie entre seis e sete milhões de anos antes do
presente. O criacionismo, tido como verdade absoluta, passa a ser relegado pela
ciência como um outro mito qualquer.
Sigmund Freud é o terceiro nome citado
por Taylor como um dos “gigantes da razão científica”. Com a frustração
propiciada pelo darwinismo, abandonou-se a crença no mito adâmico e se agarrou
à racionalidade, uma centelha de luz a distinguir o homem. Todavia, surge
Freud, que citara Copérnico e Darwin no ensaio Uma dificuldade da psicanálise como responsáveis por causar grandes
aborrecimentos à humanidade, com a sua descoberta do inconsciente. O terceiro
aborrecimento (frustração da razão que se pressupunha a essência humana). O
consciente é a ponta emersa do iceberg, tudo mais é instinto, pulsão,
inconsciente.
A SALVAÇÃO PELO AMOR
Luc Ferry é um filósofo
francês contemporâneo, autor de livros extraordinários, como O que é uma vida bem-sucedida, Aprender a
viver, A nova ordem ecológica, A revolução do amor, O homem-Deus, A mais bela história
da filosofia, entre outros. Malgrado os títulos acima, nada de autoajuda do
tipo senso comum.
Hoje destaco as cinco grandes respostas filosóficas para uma
vida boa, que Ferry disserta em seu A
mais bela história da filosofia. Essas cinco respostas foram dadas pela
filosofia ao longo de sua trajetória no Ocidente, nos últimos três milênios.
A primeira resposta surge na Antiguidade, “como pano de
fundo dos relatos mitológicos”, retomada mais tarde pelos filósofos clássicos
gregos. A ideia central dessa resposta se depreende da concepção de que o mundo
expressa uma ordem harmoniosa, o cosmos. “Uma vida boa”, escreve Ferry,
“consiste em adequar-se à ordem do mundo”. Ainda hoje, movimentos holísticos
voltam a ensinar uma prática que harmonize mente-corpo com a ordem do Universo.
A segunda resposta, na verdade, é apresentada pela religião
cristã, que substituiu a filosofia em franca decadência. Se a filosofia grega
remetia a “uma imortalidade muito parcial”, em que o indivíduo se dissolvia na
ordem cósmica, o cristianismo propõe a ideia de salvação pessoal, de
ressurreição do indivíduo para uma vida eterna e paradisíaca.
A terceira resposta é dada a partir do Renascimento, com sua
virada homocêntrica. Ela não mais se fundamenta no cosmos ou na divindade
supraterrena, mas na razão. Segundo Ferry, com o humanismo a filosofia permite
o surgimento de dois traços que passam a caracterizar a vida boa: a valorização
do conhecimento, a cultura, a civilidade; e a justificação da vida por um
exemplo, por uma contribuição à História, por uma obra, por algo que permaneça
na lembrança dos pósteros.
A quarta resposta resulta de um fracasso da razão iluminista
em dar um sentido à vida. Ela é instaurada pelos filósofos da desconstrução,
que passaram a considerar “as dimensões da existência até então esquecidas,
sufocadas ou reprimidas, como o inconsciente ou a animalidade”. Entre esses
pensadores, despontam Nietzsche, Heidegger e Derrida. Para o filósofo do
martelo, “todo ideal nega a vida”, de Platão à modernidade, constitui o que ele
denominou de niilismo. Sua proposta expressa no pensamento do eterno retorno é
de afirmação da vida.
A quinta resposta vem depois das “conquistas da
desconstrução” dos valores tradicionais (religiosos, morais, patrióticos),
época que Ferry designa como “humanismo do amor”. O amor possibilita uma experiência que dá um
sentido à vida, com maior alcance ao sair de nós mesmos. Amar e ser amado não é
metafísica, sentimento vivenciado na terra, e não no céu.
Ferry se declara um não nietzschiano, todavia, aproxima-se
do pensamento do eterno retorno, que propõe a afirmação da vida, o amor fati como salvação na imanência.
Como filósofo da desconstrução, por excelência, Nietzsche via no niilismo uma
catástrofe para nossa civilização, difícil de ser superada. Ferry é bem
otimista em relação à superação – pelo amor.
REFERÊNCIA
FERRY, Luc. A mais bela história da filosofia; tradução
de Clóvis Marques. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2018.
JAMES WEBB - O NOVO TELESCÓPIO
O
telescópio espacial James Webb foi lançado no dia 25 de dezembro de 2021, para
substituir Hubble, seu congênere anterior. A nova tecnologia foi desenvolvida
pela NASA, Agência Espacial Europeia e Agência Espacial Canadense. Os objetivos
principais de JW são captar a radiação infravermelha resultante do Universo
muito jovem e observar a formação de galáxias e estrelas.
Para entender
o primeiro objetivo é necessário aludir a Arno Penzias e Robert Wilson. Em
1965, esses dois cientistas descobriram uma radiação cósmica de fundo em
micro-ondas, emitida pelo Universo em expansão acelerada logo após o Big Bang. Noutras palavras, essa
radiação é resíduo ainda existente (e captável) da “grande explosão”, geradora
de muita luz e calor. Por essa descoberta, Penzias e Wilson foram laureados com
o Nobel de Física em 1978.
Para
entender o segundo objetivo, a observação de estrelas e galáxias bebês, é
necessário conhecimento prévio da relação entre espaço e tempo: quanto mais
distante no espaço (o novo telescópio consegue alcançar), mais distante no
tempo. A luz apresenta uma velocidade de 300.000 km/s. O Sol que observamos
neste exato instante é o Sol de 8 minutos atrás. Sírius, a estrela mais
brilhante do céu noturno (a olho nu), há 8,57 anos não se encontra mais lá onde
é observada. O JW será capaz de fotografar estrelas e galáxias a bilhões de
anos-luz, quando esses corpos celestes emergiam do caos primordial.
A Via
Láctea, a galáxia em que habitamos, tem um diâmetro de 100.000 luz. O Sistema
Solar se localiza a 27.000 anos-luz do centro galáctico, na borda de um dos
braços espiralados (a faixa de estrelas que atravessa o céu em noites limpas).
O Universo tem bilhões de galáxias, maiores e menores que a Via Láctea. O
telescópio James Webb buscará as galáxias mais distantes (no espaço e no
tempo).
"IMAGINAÇÃO DO DESASTRE"
O
futuro chega a passos largos.
O
que isso quer dizer? Noutras palavras, para que o mais ignorante entenda com
uma clareza meridiana.
Presentemente,
imagina-se um tempo em que as pessoas com dinheiro na mão não comprarão
alimento nos supermercados, em razão de inexistir o alimento. Também aumentará
o número de famélicos, que não terá dinheiro para comprar o alimento
disponível.
Esse
quadro não é exagero, embora se possa atribui-lo em parte à “imaginação do
desastre” (expressão cunhada por Henry James há mais de um século).
Uma
seca neste verão bastou para faltar verdura no comércio. Somente aqueles que se
levantam cedo conseguem comprar esse alimento indispensável. Mudanças
climáticas contundentes, provocadas por causas naturais ou humana, poderão
trazer carestias mais prolongadas.
Não bastasse o fator
climático desfavorável, temos o aumento populacional, cuja previsão crava 9,5
bilhões de indivíduos para 2050.
A frase acima (para concluir)
faz muito sentido, a despeito de toda a esperança depositada na tecnologia em
constante evolução.
Por favor, pensem nisso!