sexta-feira, 23 de agosto de 2019

FILOSOFAR


A filosofia sofre a pecha de ser uma atividade intelectual sem resultados positivos, para não dizer inútil de cara. Essa visão do senso comum prepondera na Academia, ainda dominada pelo conhecimento técnico e científico.
         Em seu último romance, Hereges (p. 24), Leonardo Padura assim descreve o personagem Mario Conde:

Conde começou a viver uma fase de prosperidade econômica que durou vários anos e que lhe permitiu dedicar-se, até com certo desregramento, às atividades que mais lhe agradavam na vida: ler um bom livro e comer, beber, ouvir música e filosofar (falar merda, para ser claro) com seus mais velhos e encarniçados amigos.

         A transcrição desse excerto do ficcionista cubano me serve de mote para dizer que, na realidade, as pessoas não leem bons livros e filosofam tampouco. A maioria delas vive a comer, a beber e a ouvir música.
         Não posso perguntar que tipo de música mais se ouve em nosso país, qual a sua qualidade artística, ou que bem efetivo propicia a seus ouvintes, sob pena de receber comentários desaforados por intermédio das redes.
         Essa pergunta e tantas outras que povoam o meu, o nosso dia a dia, não são em vão, na medida em que vêm imediatamente antes de uma escolha, de um sim ou de um não. O pensar sobre as próprias escolhas, antes de fazê-las de uma forma inconsequente, significa filosofar (tão necessário à existencialidade humana).

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

FOGO PARA ILUMINAR


       O fogo foi descoberto por uma espécie anterior ao homo sapiens. Provavelmente, a nossa espécie foi obrigada a fazer a mesma descoberta em algum momento de sua evolução, para a própria sobrevivência. Numa ordem apenas imaginada para as funções múltiplas desse elemento natural, a de iluminar o ambiente se coloca em primeiro grau de importância.
         Ontem, ao visitar o museu da Colônia Witmarsum, no município de Palmeira (PR), chamou-me a atenção os tipos de lamparinas, lampiões e lanternas reunidos sobre um mesmo móvel. Os modelos vários aumentavam em simpleza e rusticidade assim que recuavam no tempo, talvez um século, um milênio talvez. Todos foram de uso cotidiano em épocas pretéritas, desde muito antes da eletricidade.
         A coleção me fez lembrar o candeeiro que fazíamos no Rincão dos Machado, cuja simplicidade era tanta que já caiu no esquecimento de seus usuários idosos. A luminária consistia numa mecha de pano retorcido, geralmente o resto de lençol de algodão, uma vasilha de lata ou alouçada (um prato inservível) e banha como combustível. Seu uso ocorria nas horas de escassez extrema, quando o querosene era produto de luxo.
         A Colônia Witmarsum, todavia, não conheceu o candeeiro rústico do rincão, ou seus moradores antigos não acharam conveniente transformá-lo em peça de museu.
         O advento da eletricidade decretou o fim de todas as luminárias, que diminuíam a escuridão de noites remotas em círculos concêntricos cada vez mais amplos – à medida que um modelo melhor era desenvolvido para conter e controlar o fogo.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

NOTÍCIA TRISTE

A notícia da morte de Fábio Barcelos Paiva me deixou triste no dia de ontem. (Ainda que tardiamente, expresso meu sentimento de pesar à família enlutada.)
Penso o homem como um ser trágico, nem tanto porque está fadado a morrer um dia, mas principalmente porque sabe de sua morte inexorável e nada pode fazer para evitá-la.
A tragédia é maior, quando Moira se antecipa, no momento em que a pessoa menos a espera, distraída com as alegrias da vida.
Ao ler sobre o asfixiamento sofrido pelo Fábio no interior de um silo de soja, recordei-me de outros dois trabalhadores que morreram da mesma forma, nos silos da já extinta Cooperativa Tritícola Santiaguense (bairro Belizário). Salvo engano, foi no ano de 1978.
Como morava na rua Padre Artur, bem próximo dos silos, pude acompanhar o resgate dos dois corpos do interior da montanha de grãos (em que o secador criava um ponto de sucção).
Esses fatos trágicos deveriam servir de "start" para uma nova postura dos empregadores públicos ou privados, que tornasse prioridade a instrução, o conhecimento que previne o acidente.
O empregado precisa lidar com as máquinas depois de muito bem instruído, obviamente, mas necessita saber um pouco mais sobre si mesmo. As empresas dispõem de tempo e espaço para envolver seus "colaboradores" em atividades pensadas para esse fim.
A razão humana, mais que estar a serviço do capital, da produção de riqueza, tem a função de ampliar a vida em todas as suas dimensões, malgrado a finitude trágica que sabemos demarcá-la no tempo e no espaço.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

IMPOSIBLE NO LLORAR



A Argentina, imposible no llorar, passa por uma crise econômica, cujo precedente remonta à década de 1990. (Para a Carta Capital, todavia, o problema se deve ao governo de Mauricio Macri.) O atual presidente assumiu em dezembro de 2015, inicialmente a cortar os gastos públicos (uma herança dos doze anos kircheneristas). Em maio de 2016, quando estive em Buenos Aires, La Nación publicava que, depois de um arrocho tremendo, “la Casa Rosada decidió abrir la caja”. O ajuste fiscal não foi suficiente para assegurar a inflação e consequente desvalorização do dinheiro argentino, o que forçou o governo a pedir socorro ao FMI. O resultado desse fracasso em recuperar a economia é a volta quase certa de Cristina Kirchner (como vice). Buenos Aires, a cada ano que passa, perde um pouco de sua beleza e de sua altivez cultural. Imposible no llorar!

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

terça-feira, 6 de agosto de 2019

A RAZÃO: AQUÉM DE TODO DOMÍNIO


          A Revolução Francesa, ainda pensam os últimos idealistas, representou a primeira e grande oportunidade para instituir o reino da razão. O feito chancelaria uma nova idade histórica para o mundo ocidental, em que os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade tornar-se-iam realidade finalmente.
         Ressentimento, ódio e vingança foram sentimentos e atos que dominava o indivíduo envolvido na Revolução, cuja razão era incapaz de qualquer controle sobre ele. Em meio ao furor revolucionário, qualquer expressão de racionalidade (independentemente de sua amplitude) corria o risco de sofrer o corte inventado pelo doutor Guillotin.
         Confúcio ensinava que o homem, para pôr em ordem sua sociedade, deve pôr em ordem a si mesmo primeiramente. Esse sábio viveu há mais de dois milênios. Todas as revoluções, ao contrário, intentam uma transformação social de grande alcance sem mudar o indivíduo.
       Uma das poucas cabeças dominadas pela razão na França era sustentada por Antoine Lavoisier na época da Revolução. Por sua influência, a Academia de Ciência rejeitara um aparelho que detectava a emissão de ondas de calor, invenção apresentada por um médico nascido na Prússia. Seu nome era Jean-Paul Marat.
Marat jamais esqueceria essa recusa e, quando elevado pelo povo à condição de líder (ao lado de Danton e Robespierre), prendeu e decapitou Lavoisier.