quinta-feira, 22 de abril de 2021

CRÔNICA DA ILHA DO MEL

Uma ilha tem o inconveniente de estar isolada por água, pensa o senso comum do continente.

Esse pensamento me ocorreu ao ver uma ilha distante a primeira vez - com olhos de um interiorano.

O ilhéu, por sua vez, pode ter o mesmo ponto de vista, de se sentir isolado, sempre a depender de uma embarcação para sair da ilha, ao encontro da cidade grande (com suas benesses exclusivas). As dificuldades impostas pelo isolamento, não raro, justificam vontade e esforço no sentido de mudar da ilha.

Entretanto, há outra possibilidade, que é do domínio do insular, o isolamento, de sentir-se bem na sua ilha.

Na terceira vez que venho à Ilha do Mel, conheço quem não mais deseja voltar ao continente. Ele é feliz aqui, malgrado o modo de existência mais simples.

Ante a extensão de água (em torno de 4,5 km), que separa Ilha do Mel e Pontal do Sul, concluo pela variável em favor do ilhéu. Nesta terceira visita à ilha, percebo o quanto a vida aqui pode ser melhor.

ILHA DO MEL E OUTRAS ILHAS


As histórias de ilha me encantam desde menino, quando li uma adaptação de Robinson Crusoé, de Daniel Defoe. A literatura foi e continua sendo um caminho para meu espírito aventureiro.

Limitado pelo rio (norte e oeste), pela Serra (sul) e pelos coxilhões (leste), o Rincão dos Machado representa uma ilha, onde estabeleço um distanciamento voluntário.

De tempo em tempo, necessito do sossego do rincão, nem que seja para ouvir o vento ou o silêncio e ver o céu azul das manhãs ou estrelado das noites limpas.

Hoje contemplo a faixa de mar que separa a ilha do continente. As vagas se desfazem em espumas na areia ou chicoteiam os rochedos nos extremos da praia.

Esta é a terceira vez que venho à Ilha do Mel, em sua parte mais conhecida como Encantadas. O topônimo é derivado de uma lenda, mas expressa uma sensação real como um prazer indescritível de se estar fora do redemoinho incômodo da vida pós-moderna.

Na ilha, o distanciamento é visual, na medida em que o continente está lá, separado por milhas de água. O distanciamento também é auditivo, na medida em que a algaravia da cidade grande é silenciada pelo marulho das ondas.

Os dois sentidos acima, todavia, não determinam o que a insularidade oferece de melhor: a tranquilidade (estado isento de agitações, inquietações ou perturbações).

A literatura criou ilhas, para que o homem pudesse se aventurar utopicamente. Em sua criação, ela imitou a realidade, a seguir os passos de Safo, a poetisa grega que compunha para lira na ilha de Lesbos. A pintura se isolou no Taiti com Paul Gaugin, para se libertar da França civilizada. A ciência fez sua maior descoberta nas ilhas de Galápagos com Charles Darwin, longe do glamour da Inglaterra vitoriana.

A Ilha do Mel poderá se transformar em literatura, em poesia. Antes que isso aconteça, ela é real, lugar onde é possível um modo de existência simples.


quarta-feira, 14 de abril de 2021

AMOR EM TEMPOS DIFÍCEIS

 

        O amor em tempos difíceis continua a conjunção de astros, o ramalhete de flores, o amálgama de metais raros, a combinação de doces saborosíssimos, enfim, a soma de muitos sentimentos, qualidades ou atitudes que o constituem desde muito.

       Ao dizer “flor”, por exemplo, o poeta diz cherry blossom, cravo, gérbera, rosa, violeta... Esses nomes são hipônimos de flor, o hiperônimo. Ao dizer amor, o poeta diz cumplicidade, eroticidade, fidelidade, gentileza, reciprocidade... Essas flores compõem o grande ramalhete, cuja beleza e perfume excedem qualquer limitação temporal.

       A rosa que se quebra ou murcha compromete o ramalhete por inteiro. As outras flores são insuficientes para mantê-lo belo e fragrante. A fidelidade que se nega ao outro, ao ser amado, impossibilita o amor por inteiro.

       Aquele que ama verdadeiramente sabe o significado e a relevância de cada flor, de cada sentimento, qualidade ou atitude para o todo. O bom jardineiro não desiste de suas flores, simplesmente porque o tempo não é favorável a elas. O amante pega atalhos, quando a reta do tempo linear se entorta, ou quando o tempo circular vira rotina viciosa.

         O amor é a possibilidade de saltar para fora do tempo, seja este difícil ou não, sombrio (segundo uma denominação de Hannah Arendt) ou não, ao viver o instante – e sua eternidade.  

 

EMPREENDEDORISMO

 

        O termo “empreendedorismo” significa, stricto sensu, o processo de iniciativa empresarial nos diversos setores da economia. Num mundo dominado pela técnica e pelo mercado, faz muito sentido a figura do empreendedor.

   O problema não é a definição do que seja empreendedor, empreendedorismo (conhecimento generalizado), todavia, as dificuldades que se interpõem entre o projeto empreendido e a sua realização concreta. Isso é expresso na proposta de Cléber Prigol.

         Ante a constatação empírica dos óbices por ele enfrentados, meu interlocutor queixa-se da quase impossibilidade de empreender no Brasil. Não encontro palavras para minimizar seu desencanto, pelo contrário, tenho a dizer-lhe coisas pouco agradáveis.

         Todo empreendimento, com algumas exceções, como no agronegócio e na construção civil, sofre absurdamente com a pandemia – fator que ultrapassa os entraves criados por uma política econômica incerta. Tais entraves preexistiam à COVID, determinados por uma crise não reconhecida, malgrado de espectro global.

         Ao contrário do agro e da construção (com financiamentos retornáveis), setores, como transporte e hotelaria, ficaram reféns do problema sanitário.

         Nosso país é incomparavelmente menor que os Estados Unidos. Não possuímos lastro para injetar trilhões na economia. Como recuperá-la se ainda persiste a causa maior que provoca sua queda inexorável?

         O empreendedor necessita destinar sua vontade mais resiliente num novo projeto. Para elaborá-lo, ele terá tempo de sobra (numa perspectiva, ora animadora, ora pessimista).   

SOBRE A MORTE

 

         Alana me sugere o tema mais perturbador entre os demais: a morte. A jovem me diz que tem refletido muito nos últimos dias, ante a perda de pessoa próxima para a pandemia. Nunca estamos preparados para “algo que é natural”, no entendimento correto da minha colega de filosofia.

         Três aspectos em relação à morte exigem uma distinção: a morte como experiência de cada um com seu ente querido; a morte como horizonte inexorável, fonte de angústia profunda; e, por último, a morte como catástrofe física e psicológica. A angústia, cujo âmbito é a consciência, regride para o instintual, que Freud chamou de Thanatos.

         Sobre o primeiro aspecto, a perda do pai, da mãe, do irmão ou do filho não encontra consolo nas palavras, tampouco é mitigada pela crença em uma vida-além. Quem está de fora não consegue empatizar com o outro, que se encontra preso ao círculo de sofrimento. Em tempo de pandemia, esse círculo ocorre com uma frequência nunca vivenciada anteriormente – o que poderá diminuir seu conteúdo de dor. Ademais, a vida continua com seus desejos, suas vontades, suas razões.

         O segundo aspecto está relacionado à condição do ser único que sabe de sua finitude: o homem. A morte pertence a sua existência, tem um sentido para ele (na contramão de tudo mais), que é autopreservação, autorrealização, Eros.

         A terceira consideração me remete à morte como um espectro antes de sua aparição. A morte ainda não chegou, malgrado o prazo a todos, a exemplo do protagonista do filme O sétimo selo (de Ingmar Bergman). Essa espera gera medo, pavor e doença, males que têm na fé e na razão meros paliativos.

         As três abordagens acima não esgotam o tema, uma análise demorada exigida pelo tema. Resumo-as pelo viés da relação social (afetiva), da consciência existencial e da patologia. Assim mesmo, espero ter tocado em alguns pontos axiais desse assunto delicado e (repito) perturbador.

O QUE É A VERDADE?


        A pergunta “o que é a verdade?” se tornou uma obsessão do intelecto humano. Nenhuma resposta o satisfez até o presente. Entre os sábios, há quem responda com o silêncio – o que torna a verdade mais enigmática, mais desejada.

           A pergunta em si pressupõe um atributo da verdade, um ser ela mesma. Antes de constituí-la ontologicamente, deve-se inverter a questão: a verdade é?

           A verdade é algo independente do homem e de sua linguagem?   

           A afirmação dessa independência não escancara uma forma de alienação? Parte do mal no mundo não se origina do sim, que personifica ou que deifica a verdade?

           Na antiguidade, a verdade foi atribuída à physis (natureza, cosmo). Na Idade Média (com domínio exclusivo da mítica judaico-cristã), a verdade foi elevada a Deus. Na Modernidade, ela foi atribuída à razão.

           A Modernidade, todavia, passa a olhos vistos, e a verdade se dilui (ou se liquidifica, segundo Bauman) com o niilismo contemporâneo, num novo período civilizacional caracterizado pela pós-verdade.

           Neste período, está em curso a desmitificação da verdade, ou de sua ideia, de seu valor pressuposto. Em Nietzsche, Para além de bem e mal, pode ser lido: “Por que não preferir a não verdade?”.

           Ademais, a crença na verdade não propiciou uma existência melhor, conforme prometiam seus avatares, filósofos, teólogos e cientistas.