O título acima
é um dos tópicos do capítulo A lenda do humano imaterial, do livro Homo
biologicus, de Pier Vincenzo Piazza (2021). O livro é atraente desde a
primeira página, talvez porque remete o leitor ao paradigma da biologia, que
passou a dominar o mundo científico.
Piazza encanta
por sua ironia cavalheiresca, algo muito raro nestes dias em que prevalece a
grossura deslavada ou a sensibilidade excessiva. Eis a prova disso:
O ato de
fé [...] é a arma inelutável da metafísica religiosa que divide os homens em
duas categorias com capacidades diferentes. Um primeiro tipo de Homo sapiens
possui um sexto sentido que lhe possibilita ver e sentir coisas imateriais
completamente inacessíveis ao segundo tipo de ser humano, que só tem os cinco
sentidos clássicos. O problema é que esse sexto sentido tem a especificidade de
não ser comunicável aos que não o possuem (pp. 28-29).
O que os
humanos de seis sentidos veem (sentem e pensam) não é demonstrável aos de cinco
sentidos, tampouco o é refutável por meio da ciência. Por outro lado, os
humanos de cinco sentidos não conseguem demonstrar que o sexto sentido não
existe. O paradoxo assim se constitui em síntese.
Ante a
dificuldade de se chegar a um acordo, Piazza propõe uma outra formulação do
problema.
Tenho cinco
sentidos, meu amigo diz que tem seis. Se seu sexto sentido não existe, por que ele
está convencido, com toda boa-fé, de que o tem? A única explicação é que precisa
dele. Por quê? Simplesmente para explicar certo número de coisas que não são
possíveis de compreender de outra maneira. Visto assim, o homem de seis
sentidos poderia apenas ser alguém que sente medo ou ansiedade diante da
ignorância. Consequentemente, quando não conhece, ele inventa (p. 29).
A diferença entre
humanos de cinco e de seis sentidos pode significar que uns são pacientes e
outros, apressados. Esta é a grande sacada do autor, que é médico psiquiatra,
com estudo inovador sobre as bases neurofisiológicas da toxicodependência e da
psicopatologia.
Os apressados
respondem suas dúvidas com a imaginação. Os pacientes, ao contrário, admitem a própria
ignorância e vivem com as incertezas (que acabam ser respondidas um dia por
conhecimentos comprovados).
Piazza esclarece
que sua intenção não é negar a fé ou Deus, mas buscar uma resposta para a
origem da “lenda da alma”. Seu livro atende os pacientes, que esperam o
esclarecimento de suas dúvidas; bem como os apressados, que podem retificar o que
viram (sentiram e pensaram) cedo demais.