quinta-feira, 24 de junho de 2021

A ALMA DA IMPACIÊNCIA

 

            O título acima é um dos tópicos do capítulo A lenda do humano imaterial, do livro Homo biologicus, de Pier Vincenzo Piazza (2021). O livro é atraente desde a primeira página, talvez porque remete o leitor ao paradigma da biologia, que passou a dominar o mundo científico.

            Piazza encanta por sua ironia cavalheiresca, algo muito raro nestes dias em que prevalece a grossura deslavada ou a sensibilidade excessiva. Eis a prova disso:

 

O ato de fé [...] é a arma inelutável da metafísica religiosa que divide os homens em duas categorias com capacidades diferentes. Um primeiro tipo de Homo sapiens possui um sexto sentido que lhe possibilita ver e sentir coisas imateriais completamente inacessíveis ao segundo tipo de ser humano, que só tem os cinco sentidos clássicos. O problema é que esse sexto sentido tem a especificidade de não ser comunicável aos que não o possuem (pp. 28-29).

 

            O que os humanos de seis sentidos veem (sentem e pensam) não é demonstrável aos de cinco sentidos, tampouco o é refutável por meio da ciência. Por outro lado, os humanos de cinco sentidos não conseguem demonstrar que o sexto sentido não existe. O paradoxo assim se constitui em síntese.

            Ante a dificuldade de se chegar a um acordo, Piazza propõe uma outra formulação do problema.

 

Tenho cinco sentidos, meu amigo diz que tem seis. Se seu sexto sentido não existe, por que ele está convencido, com toda boa-fé, de que o tem? A única explicação é que precisa dele. Por quê? Simplesmente para explicar certo número de coisas que não são possíveis de compreender de outra maneira. Visto assim, o homem de seis sentidos poderia apenas ser alguém que sente medo ou ansiedade diante da ignorância. Consequentemente, quando não conhece, ele inventa (p. 29).

 

            A diferença entre humanos de cinco e de seis sentidos pode significar que uns são pacientes e outros, apressados. Esta é a grande sacada do autor, que é médico psiquiatra, com estudo inovador sobre as bases neurofisiológicas da toxicodependência e da psicopatologia.

            Os apressados respondem suas dúvidas com a imaginação. Os pacientes, ao contrário, admitem a própria ignorância e vivem com as incertezas (que acabam ser respondidas um dia por conhecimentos comprovados).

         Piazza esclarece que sua intenção não é negar a fé ou Deus, mas buscar uma resposta para a origem da “lenda da alma”. Seu livro atende os pacientes, que esperam o esclarecimento de suas dúvidas; bem como os apressados, que podem retificar o que viram (sentiram e pensaram) cedo demais.

quarta-feira, 23 de junho de 2021

PANDEMIA: UMA REFLEXÃO

         A COVID ainda causará muito sofrimento no mundo, pela perda de pessoas vitimadas por ela. A existência daqueles que se defrontam com a morte de um parente não é mais a mesma doravante. Certamente, essa constitui a mais dolorosa consequência da pandemia.

          Outras constatações, que são leitura dos fatos, evidenciam-se cada vez mais, à medida que passam os dias. No indivíduo, o âmbito mais restrito, pode-se constatar o medo e a ansiedade. Ainda não é possível saber para que lado ele seguirá, ou para o isolamento em si mesmo, egocêntrico, ou para a alteridade, para uma abertura intersubjetiva.

         No âmbito mais abrangente, o das nações politicamente organizadas, ao mesmo tempo, observa-se o fechamento de fronteiras, por um lado, e a ajuda internacional, por outro. A regra tem sido o isolacionismo, com o fito de evitar o inevitável. A exceção é representada pelos Estados Unidos, com a distribuição gratuita de vacina.

         A pandemia coloca à prova a capacidade do indivíduo de se autocontrolar psicologicamente, sem negar o valor incomensurável da vida. Da mesma forma, testa a globalização, uma superestrutura idealizada por todos, mas que se instabiliza ante os interesses políticos e econômicos de estados nacionais.

           A consequência derivada da dor consiste no aprendizado que todos adquirimos verdadeiramente: a ciência como um bem humano, capaz de mitigar nossos sofrimentos e, principalmente, libertar-nos da ignorância.