quarta-feira, 19 de setembro de 2007

UM GAÚCHO AUTÊNTICO

Um gaúcho autêntico mora no interior, numa casa rodeada de arvoredo. Cinamomos na frente, para fazer sombra. Laranjeiras, pessegueiros, entre outras árvores frutíferas nos fundos. Para fora da cerca que delimita o pátio, o campo. Ele levanta antes de clarear o dia, acende o fogo, toma chimarrão, ouve rádio, ferve o café no bule, toma o café com pão e meio palmo de salame, encilha o cavalo e sai para a lida. Depois do meio-dia, tira uma "séstia" à sombra do cinamomo, sobre uma cadeira virada e pelegos. Qual a lida do gaúcho autêntico? Ou é na fazenda, como peão, ou na lavoura, com um gadinho para a própria subsistência. A maioria dos gaúchos que empobreceram (os romances de Cyro Martins são retratos pungentes desse drama rural) se foi pra cidade, deixou de ser autêntica. A minoria que enriqueceu, também foi morar nos centros urbanizados, também perdendo a autenticidade. Pobres e ricos, abandonaram o campo e hoje referenciam o passado, como uma forma de narcisismo tardio, saudosista e fantasioso. Ao longo de uma semana do ano, compram lenços, bombachas e botas, encilham cavalos, andam pelas ruas da cidade com uma garrafa etílica na mão e desfilam no último dia. De volta à realidade , devolvem o cavalo ao campo, penduram os arreios e não falam mais em tradição. Enquanto isso, o gaúcho autêntico continua sua vida de sempre. Há muitos anos, ele tropeava (até vir o asfalto e o caminhão boiadeiro). Seu gosto pela carne mal passada, quase crua, vem desse tempo. Nos domingos, vai jogar bocha ou carta no clube, a cavalito sempre, num assobio, repontando lembranças. Um gaúcho autêntico mora no Rincão dos Machado, antes do Rosário ser poluído pelo Pilão. Meu pai.

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