Roland Barthes, em seu A preparação do romance, escreve isto: "Minha vida é, de certo modo, consagrada ao escrever, estou constantemente preocupado com ter tempo e forças para fazê-lo; preocupado = desejoso e culpado, se não consigo fazê-lo. Ora, tenho frequentemente este sentimento monstruoso (esquizoide): vendo, à minha volta, outros seres, muitos dos quais meus amigos (que, por profissão, teriam tempo para escrever), vagar, entretanto, em ocupações, lazeres, em suma, passar o tempo, e muito bem, sem escrever, sem pensar nisso, ou ainda não terem ainda posto o escrever em sua pertinência de vida, eu fico mais do que espantado: perplexo; não compreendo como eles podem passar o tempo, para qual tempo eles podem se voltar ".
Há muito me é recorrente um pensamento análogo ao do escritor francês no que diz respeito à leitura. Num momento de autocrítica, pergunto-me pela vantagem de ter lido tanto e de continuar lendo, quando não me beneficio dela (se é que existe) diante de meus semelhantes que não leem desde que foram alfabetizados. Quantas horas, dias, meses e anos da minha vida debruçados sobre os livros!
Não entro em parafuso com a autocrítica, a ponto de "dar um tempo" na relação bibliófila. Logo racionalizo (a razão é minha tábua): a leitura sustenta minha escrita. Ler não me faz diferente dos outros, mas escrever me faz. Por isso continuo um leitor incansável, a ponto de sentir um orgulho (como o confessado por J. L. Borges).
Em página anterior, Barthes responde a Por que escrevo?: "Poderia ser, entre outras coisas, por dever: por exemplo, para servir a uma causa, uma finalidade social, moral, instruir, edificar, militar ou distrair. Essas razões não são negligenciáveis; mas eu as vivo um pouco como justificativas, álibis, na medida em que elas fazem com que o escrever dependa de uma demanda social, ou moral. [...] Só posso dizer que o desejo de escrever tem um ponto de partida, que posso localizar. Esse ponto de partida é o prazer, o sentimento de alegria, de júbilo, de satisfação, que me dá a leitura de certos textos, escritos por outros. Escrevo porque li".
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