Ao ver as imagens nos sites e nos telejornais do tsunami que atingiu o Japão, lembrei de uma crônica de Rubem Braga (que lera há muitos anos). Para fazer esta postagem, fui obrigado a encontrar o tal texto. Não consegui por intermédio do Google, uma vez que não sabia o título e as palavras-chave que digitava me levavam a outras crônicos desse cronista proficiente. Antes de ir à feira, passei pela biblioteca pública e, num lance de muita sorte, fui direto ao Volume 2 de Para gostar de ler, onde encontrei A outra noite (que transcrevo abaixo):
Outro dia fui a São Paulo e resolvi voltar à noite, uma noite de vento sul e chuva, tanto lá como aqui. Quando vinha para casa de táxi, encontrei um amigo e o trouxe até Copacabana; e contei a ele que lá em cima, além das nuvens, estava um luar lindo, de Lua cheia; e que as nuvens feias que cobriam a cidade eram, vistas de cima, enluaradas, colchões de sonho, alvas, uma paisagem irreal.
Depois que o meu amigo desceu do carro, o chofer aproveitou um sinal fechado para voltar-se para mim:
- O senhor vai desculpar, eu estava aqui a ouvir sua conversa. Mas, tem mesmo luar lá em cima?
Confirmei: sim, acima da nossa noite preta e enlamaçada e torpe havia uma outra - pura, perfeita e linda.
- Mas, que coisa...
Ele chegou a pôr a cabeça fora do carro para olhar o céu fechado de chuva. Depois continuou guiando mais lentamente. Não sei se sonhava em ser aviador ou pensava em outra coisa.
- Ora, sim senhor...
E, quando saltei e paguei a corrida, ele me disse um "boa noite" e um "muito obrigado ao senhor" tão sinceros, tão veementes, como se eu lhe tivesse feito um presente de rei.
Mas o que tem a ver a crônica acima com o tsunami?
Quando via aquelas imagens de destruição, pensei que este mundo, feito de coisas boas e ruins, deixa de existir de um ponto qualquer do espaço, fora da atmosfera terrestre. Por um momento, me imaginei tão ignorante quanto o chofer que acabou sendo imortalizado por Rubem Braga. Ao invés de um táxi, uma nave interestelar. Ao invés de um terráqueo, um alienígena. Caso eu não fizesse ideia de que abaixo da camada azulada que envolve o planeta há um mundo de seres vivos que se debatem para sobreviver, certamente ficaria surpreso se outro tripulante mais inteligente me falasse desse mundo. Claro, eu poderia estar na pele desse tripulante, não do outro.
De uma perspectiva extraterrestre, tudo o que acontece aqui, inclusive as piores catástrofes naturais, não existe. Na melhor das hipóteses, o que existe não passa de um sistema limitado a um espaço e tempo exíguos.
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