domingo, 30 de novembro de 2008

AUDITÓRIO MULTICULTURAL

Santiago necessita (entre muitas coisas) de um centro gastronômico e de um grande auditório. Iniciativa privada e pública, respectivamente. Lendo a postagem do Márcio Brasil, sobre a idéia de transformar a casa ao lado da Câmara de Vereadores num auditório multicultural, resolvi expressar minha opinião. A localização não poderia ser mais adequada. Não conheço o espaço que estaria disponível, interna e externamente, para estruturar outras dependências, como a própria sede do Departamento de Cultura (ou secretaria, desvinculada da Educação). A priori, a idéia me parece muito boa, que vem ao encontro de uma política do governo municipal, de incentivo à cultura. Se a crise que abala o mercado financeiro chegar (e está chegando), esses projetos ficam relegados ao campo dos sonhos.

NOVO BLOG

RUY GESSINGER
Agronegócio, política e direito

Novo blogueiro vem enriquecer nossa relação dialógica: http://blog.gessinger.com.br/ Com o cabeçalho acima, o Dr. Ruy Gessinger acaba de criar seu blog. Seja bem-vindo!

sábado, 29 de novembro de 2008

ENSINO A DISTÂNCIA

Santiago passa a ser o sítio do sul do país mais disputado pelas universidades a distância. Para os leitores que ainda não sabem, ou para os que não se deram conta, relaciono algumas: UNOPAR, ULBRA, UNINTER, UNISUL, UNIDERP. A última, Universidade para o Desenvolvimento do Estado do Mato Grosso do Sul e da Região do Pantanal, tentou vender seu ensino interativo em 2007, mas não encontrou interessado. Os santiaguenses perderam a oportunidade de fazer, por exemplo, o Curso Superior de Enfermagem via satélite. A UNINTER não tomou conhecimento desse insucesso: chegou ontem, organiza-se hoje e fará vestibular amanhã.
Feita a constatação, descrito o fenômeno (dessa disputa pelo ensino superior a distância em nossa cidade), faz-se necessário saber por quê. Toda filosofia e toda ciência nasceram com uma simples pergunta. A resposta é que complica, dando origem às diversas teorias, aos mais complexos sistemas. Por que Santiago desperta o interesse dessas instituições? Por que não temos campus de universidades públicas (como as circunvizinhas Santa Maria, Alegrete e São Borja)? A URI está ou não está pensando em criar seu EAD? Por que as universidades a distância enfatizam a presencialidade de suas quatro aulas semanais e as universidades presenciais escondem o distanciamento entre professor e aluno, entre aluno e sala de aula? Por que a relevância de cursos na área de gestão (pública, comercial, financeira etc.)? Como diferenciar novidade científica e enrolation? O ensino a distância representa uma evolução na qualidade da educação superior no Brasil, ou constitui um sintoma de declínio?
Em breve, Santiago ganhará um novo epíteto (para concorrer com o de Terra dos Poetas): Centro Meridional de Ensino a Distância.

LEMBRANÇA DE BLUMENAU


Dentro das Forças Armadas, a distinção entre "civil" e "militar" é bastante evidenciada, principalmente para auxiliar no processo de internalização dos valores que caracterizam o soldado, entre os quais se sobressai a (auto)disciplina. Para se tornar um militar, o civil necessita de um período de adestramento, quando lhe são ministradas as mais diversas instruções. Há doze anos, para falar com conhecimento de causa, dou aulas para a formação de motorista ou para a adaptação às viaturas militares (àqueles que já possuem a CNH). Mesmo que se resumisse a essa função, meu trabalho dentro da Força já estaria plenamente justificado. Em favor de todos os militares, é interessante frisar que o soldado (do general ao recruta) não perde sua condição civil. Somos militares e somos civis. Isso representa um ganho individual e coletivo. As missões de paz são a prova disso. Da mesma forma, a participação assídua e indispensável para fazer frente às catástrofes naturais, como a que vivem os habitantes do litoral norte de Santa Catarina. Por conhecer muito bem aquela região, justifico uma mudança no enfoque da presente postagem para escrever sobre minha passagem por Blumenau, uma amizade em Itajaí, um poema em Itapoá. Como mecânico, participei de uma equipe que se deslocou de Curitiba para prestar auxílio aos quartéis de Joinville e Blumenau. Em 1986, as viaturas envolvidas no trabalho para debelar os efeitos da grande enchente que ocorrera no Vale do Itajaí em 1983, encontravam-se em péssimo estado. No 23º BIMtz, por exemplo, fizemos a manutenção de 8 caixas de mudança Willys (entre outros serviços). Depois do trabalho, no final de tarde, saíamos para conhecer uma das cidades mais bonitas do Brasil. Ainda havia a marca da água em muitas casas, onde não imaginávamos tão alto o alcance do rio. A Oktoberfest, a maior festa do chope do país, foi criada em 1984, para levantar a moral dos blumenauenses. Há alguns dias, meu amigo Ruy vem me mandando mensagens eletrônicas, apavorado com a catástrofe deste ano. Disse-me que chovia há 17 fins de semana em Itajaí. Nos últimos dias, vi pela televisão o estrago causado na cidade de Itapoá, pequena cidade de veraneio, com uma bela praia, localizada na divisa com o Estado do Paraná. Nessa situação, sou mais humanista: não posso culpar os homens por habitarem um vale que, de tempo em tempo, sofre um violento arrastão das águas (canalizadas naturalmente). Requião, quando prefeito de Curitiba, discursou que não poderia fazer muita coisa pelos flagelados de uma cheia do rio Iguaçu: os moradores é que invadiram o leito do rio, não o inverso. Certos ecologistas adoram discursar numa hora dessas, como se comprovassem suas teorias catastrofistas. Tragédias ambientais ocorrem freqüentemente nos mais diversos lugares do planeta, desde o dilúvio narrado no Livro de Gilgamesh (e mais tarde incluído na Bíblia pelos escribas do Rei Josias, como uma história dos hebreus). Em todas as reportagens televisivas, para retomar o assunto do início desta postagem, aparecem militares envolvidos no atendimento às pessoas atingidas pela cheia. Certamente, eles estão lá cumprindo ordens superiores, mas com uma consciência altamente evoluída, com um espírito de solidariedade humana a toda prova. Gostaria muito de participar dessa missão de apoio aos habitantes do Vale do Itajaí. Talvez visite meu amigo Ruy nas próximas férias.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

COMADRINHA





Esse é um dos melhores trabalhos de Arno Gieseler. Homenagem do artista a uma das figuras mais populares de Santiago, a Comadrinha. Esculpida em madeira de timbaúva, em 1970, foi adquirida pelo Dr. Antônio Renato Medeiros (simpático senhor que permitiu que tirássemos as fotos acima). Segundo ele, esse patrimônio cultural pertence a nossa cidade.
Por muito menos, artistas de outras regiões do país são mais valorizados, estão na mídia. Penso que isso ocorre porque seus concidadãos o valorizaram no princípio, no âmbito das comunidades a que pertenciam. Santiago, com o projeto da Rua dos Poetas, passa a dar o merecido destaque aos seus filhos naturais ou adotivos (não há diferença na afeição).

POEMA & POESIA

A Secretaria de Cultura de uma cidade vizinha de Santiago criou um concurso literário em três modalidades: redação, poema e poesia.
Há poucos dias, postei sobre o universo lexical que caracteriza cada usuário de uma língua. O número de palavras que compõem esse universo se amplia constantemente, num ritmo que depende das leituras e consultas metalingüísticas. O dicionário é indispensável.
Como se destinava a alunos da rede de ensino, penso que o concurso foi idealizado por professores que trabalham com a produção de texto. Apenas por isso, as modalidades acima me chamaram atenção.
O senso comum (incluindo suas crisálidas mais desenvolvidas literariamente) sempre confundiu “poema” e “poesia” como sinônimos. Com muita freqüência, li e ouvi indistintamente a frase “escrevi um poema”, “escrevi uma poesia”.
Pela primeira vez, encontro uma distinção categórica entre os dois vocábulos, definindo gêneros textuais característicos. Até o século passado, alguns dos nossos filólogos ainda definiam “poema” como uma composição poética de certa extensão e “poesia” como uma composição poética de pouca extensão. Reflexos de um paradigma cartesiano.
Ainda bem que a língua possui dinamicidade, muda com o tempo. O uso é um dos principais critérios de mudança. Basta ler o histórico do nosso Português, cuja origem remonta ao latim vulgar.
Modernamente, poema é um gênero textual, escrito em versos, independentemente da extensão. O Poema do beco, de Manoel Bandeira, não passa de um dístico (dois versos):
oo
Poema do Becooo
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco.oo
Poesia é uma soma de vários elementos fônicos, morfológicos, sintáticos e semânticos que distinguem o texto literário, dotando-o de literariedade (seja um poema, uma crônica etc.). O poema é corpo que dança com o ritmo. A poesia é alma que encanta com a beleza das metáforas.
Redação também não é gênero, mas a ação de escrever, de produzir textualmente.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

INEGÁVEL SEMELHANÇA

MANOEL DE BARROS

FABRÍCIO CARPINEJAR
oo
Esses dois poetas se parecem inegavelmente. A mesma forma de quebrar a semântica, com a inserção de frames estranhos ao discurso. Basta comparar os excertos abaixos, retirados de O livro das ignorãças (azul), do mato-grossense, e de Biografia de uma árvore (laranja), do gaúcho, filho de Carlos Nejar e de Maria Carpi.

"Poesia é quando a tarde está competente para dálias. É quando ao lado de um pardal o dia dorme antes. Quando o homem faz a sua primeira lagartixa. É quando um trevo assume a noite E um sapo engole auroras"
oo
"O fogo é uma noz que não se quebra com as mãos"
oo
"Para entrar em estado de árvore é preciso partir de um torpor animal de lagarto às três horas da tarde"
oo
"A literatura não prestou para me entender.
Como uma árvore à beira da maré,
estou comovido de espuma."
oo
"Ontem choveu no futuro"
oo
"Meus pais estão no futuro"
oo
"Bernardo é quase árvore.
Silêncio dele é tão alto que os passarinhos ouvem
de longe"
oo
"Legendar a conversa dos pássaros ao amanhecer,
esticar o arame do violino,
restaurar o som dos peixes com o veludo dos pés"
oo
"Conheço de palma os dementes do rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte"
oo
(Essa dos pregos é extraordinária)
oo
"Gritar nos ouvidos da claridade até surgir relâmpagos"
oo
Não tenho razão? Essa semelhança merece um estudo.

A MÁ QUALIDADE DA EDUCAÇÃO BÁSICA

A má qualidade da educação brasileira é tão evidente que os resultados catastróficos dos diferentes processos de avaliação já não nos espantam mais. Ainda rendem algumas manchetes, mas logo são incluídos nos bancos de dados, sem finalidade alguma, uma vez que não servem de base para orientar estudos extremamente necessários. O ENEM, por exemplo, ano após ano, vem apresentando notas mais baixas, com a média vergonhosa de 37% de acertos em 2008. Conquanto seja competência maior dos estados e municípios, a educação básica necessita de uma política de âmbito nacional que não se limite à aplicação de exames avaliativos, à distribuição de livros (para festa das editoras), a um programa que vige no esquecimento. O governo federal pretende resolver o problema da educação básica, assegurando 50% das vagas nas universidades aos alunos egressos da rede pública. A má qualidade diluída num processo osmótico, nivelando-se todo o sistema por baixo. As cotas, justificam seus apaixonados defensores, diminuirá distorções de outras naturezas, como a de má consciência. O Ministério da Educação personifica de vez a contradição e o descontrole, fechando 1.337 núcleos de ensino a distância por falta de qualidade. Intervenção política atrasada. No que concerne à Educação, não há Estado mínimo. Todavia, o que o Estado pode fazer para melhorar a educação? Valorizar o trabalho docente, aumentando o salário dos professores? Propiciar maior capacitação ao profissional (mesmo que isso represente seu provável afastamento das salas que necessitam de seu trabalho qualificado*)? Exigir dele efetiva participação no projeto da escola? Sim, sim, sim... Mas ainda é pouco ante o desinteresse epidêmico dos alunos.
oo
* Encontrei um artigo na Internet que argumenta o seguinte: "Mantidas as atuais condições de trabalho, quanto mais se capacita o professor da Escola Básica da rede pública, mais ele se afasta dessa, procurando outras ocupações, como o magistério na rede privada, ou o Ensino Superior, público ou privado, em busca de condições materiais mais condizentes".
oo
(Para a próxima edição do Expresso Ilustrado)

domingo, 23 de novembro de 2008

AMOR FATI VERSUS REVOLUÇÃO

Dois blogs me fizeram pensar hoje: o primeiro falava no amor, uma visão feliz da vida, tipo "amor fati"; o segundo, pode ser resumido com a transcrição da frase "Sinto asco de tudo", do próprio autor. Esse dois extremos, com certa freqüência, dividem meu eu. No lugar de "asco", coloco o sentimento de impotência. O pior, o mais paradoxal é que a motivação para escrever vem desse dualismo, entre a esperança de mudar o que está errado e o pessimismo de saber inútil toda idéia (por mais brilhante).

EDITORIAL DO CORREIO DO POVO

AJUSTES NO ENSINO DE LONGA DISTÂNCIA - O Ministério da Educação (MEC) determinou o fechamento de 1.337 pólos de cursos de graduação à distância. De acordo com a avaliação do ministério, essas instituições não estavam cumprindo os requisitos básicos para continuar operando e garantindo um mínimo de qualidade. Um deles, essencial, era estar registrado no órgão. Em muitos desses pólos, sequer havia laboratórios, bibliotecas e ou até mesmo coordenadores pedagógicos. De acordo com Carlos Eduardo Bielschowsky, secretário de Educação à Distância do MEC, a oferta estava muito desqualificada. É notório que os interesses comerciais estavam predominando sobre os aspectos educacionais. O secretário afirmou ainda que as instituições punidas terão o prazo de um ano para se adaptarem às regras ditadas pelo MEC. Nesse tempo, não poderão efetuar novas matrículas e o processo de enquadramento será todo acompanhado de perto pelas autoridades responsáveis pela fiscalização. Ele considera forte a medida de fechar mais de mil unidades de ensino de longa distância, mas que ela se mostrou imprescindível para preservar a qualidade do ensino e a imagem dessa modalidade de ensino ainda em evolução no país. O Brasil tem um território de dimensões continentais. Assim, é importante oferecer cursos e alternativas didáticas que incorporem as novas tecnologias e que possam suprir a carência de alunos que nem sempre podem cursar uma universidade de forma presencial. O desenvolvimento da Internet, por exemplo, permite interações entre alunos e destes com professores em tempo real estando eles distantes geograficamente. Essas ferramentas inovadoras, se bem usadas, poderão resultar em um aprendizado profícuo e numa qualificação real do educando. Não é demais, lembrar, contudo, que esse processo exige uma seriedade por parte da instituição e do aluno, com emprego real de dedicação e de disciplina. Do contrário, todos sairão perdendo. A universidade porque terá um abalo de credibilidade e o aluno porque não conseguirá fazer seu diploma no mercado, uma vez que sua capacitação não terá se dado de fato. Assim, fez bem o MEC ao agir preventivamente para impedir que a educação de longa distância possa ser alvo de uma deturpação em relação aos seus fins genuínos e legítimos.
oo
(Blogueiros santiaguenses já postaram sobre o assunto)

sábado, 22 de novembro de 2008

AURELIANO SONETISTA

Aureliano de Figueiredo Pinto é um dos homenageados na próxima quadra da Rua dos Poetas. Todos o conhecem como o autor de Romances de estância e querência, livro de poesia crioula, como esta estrofe de Chimarrão da madrugada:
oo
É um gosto olhar os brasidos
e os luxos das lavaredas
dançando rendas e sedas
para a ilusão dos sentidos.
E entre o amargo e a tragada
tranqueiam na madrugada
tantos recuerdos perdidos.
oo
Mas Aureliano escreveu sonetos (de amor), reunidos num livro publicado postumamente: Itinerário - Poemas de cada instante. Transcrevo o último parágrafo da apresentação feita por Carlos Jorge Appel:

Em Itinerário, o dia-a-dia da campanha cede lugar ao mundo interior, onde os temas são a transitoriedade do amor, a paixão, a perda da mulher amada, a desolação, a morte, os limites do ser humano. A linguagem acompanha a universalização dos temas e alcança uma dimensão clássica, ou seja, aquela dimensão que está para além de todos os modismos e circunstâncias e que expressam o essencial do homem de todos os tempos.

Eis um exemplo dessa outra face poética de Aureliano:

XIV
oo
Este encantado amor com que te quero
toma os aspectos de um estranho culto.
Sofro e me exalto! E, no martírio, exulto
na própria mágoa em que me desespero.

Cruzam-me, às vezes, no semblante austero,
revoadas de alegrias em tumulto.
Outras, amargo, ao suspeitar teu vulto
queimaria cidades como Nero...

Dualidade, de todos os minutos!
Dás-me a virtude da mais pura estima
e o instinto em raiva de cem faunos brutos.
oo
Nestas oscilações, hora por hora,
és toda a luz do céu que me sublima
e a fogueira infernal que me devora.

A RECOMPENSA

O Rio Grande do Sul teve a maior média do ENEM do país (que foi de apenas 37,27, no universo das escolas públicas). Isso foi amplamente noticiado. Parte desse destaque nacional se deve ainda aos professores gaúchos. A governadora Yeda promete uma recompensa: o corte nos ganhos salariais, o corte no plano de carreira, o corte no ponto dos grevistas, o corte na carne da classe. O governo está conseguindo zerar as dívidas do Estado. Os professores, em contrapartida, encalacrar-se-ão para o próximo ano.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

UNIVERSO LEXICAL


Cada pessoa dispõe de um número de palavras para se expressar através da fala ou da escrita. O universo lexical de cada um começa logo após o nascimento e aumenta continuamente até o final da vida. Cedo ou tarde, uma grande maioria passa por um processo de ampliação forçada, chamado de alfabetização. A leitura propicia um salto significativo no número de vocábulos conhecidos. Aqueles que continuam a ler, numa razão direta, aumentam a capacidade de variar sua locução, tornando-a mais precisa, mais elegante, mais original etc.

De minha parte, desde a alfabetização, aos seis anos de idade, não parei mais de ler. Aos 14 anos, tive o primeiro contato com uma biblioteca (no Colégio Polivalente, hoje Lucas Araújo de Oliveira). Esse encontro representou um salto considerável, tornando-me um grande leitor. Por conseguinte, um entusiasmado conhecedor de novas palavras. Elas eram desafiadoras para mim, exigindo-me um método para aprendê-las (ou apreendê-las). Logo me fiz acompanhar de um dicionário, mini no início, é verdade, mas que hoje é o maior: Dicionário Houaiss da língua portuguesa.

Meu universo lexical cresceu tanto, que senti a necessidade de escrever para contemplar melhor os substantivos e os adjetivos, principalmente. Lembro-me de que atravessei uma fase pedante, quando escolhia sinônimos menos empregados para as palavras comuns. As próprias leituras me ajudaram a superar essa fase. O trabalho num jornal, o curso de Letras, a Pós-Graduação me foram decisivos para compreender aspectos mais importantes na produção textual.

Para encerrar a presente postagem, cito uma frase paradigmática de J.L.Borges, um dos maiores escritores da literatura universal:

Que otros se jacten de las páginas que han escrito; a mi me enorgullecen las que he leído.

ÁGUIAS REIÚNAS


águias reiúnas
para amestrar
me fiz lonjuras
oo
sob a luz
dilucular
apanhei plumas
oo
nas pedras altas
armei espera
com os olhos
oo
inventariei
espólios
em seus nichos
oo
nenhum distante
crocitar
dos bichos
oo
nenhum bater
de asas
n'amplidão
.......................
oo
galinhas mansas
para cuidar
me faço chão
oo

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

EXCESSO DE SENSIBILIDADE

Nietzsche anteviu que a nossa civilização logo sofreria por excesso de sensibilidade. Já estamos vivendo esse excesso. No Brasil, mais evidente, graças à influência cristã e a sua constituição étnica ab origine.

A GRANDE CONTRADIÇÃO DO MEC

O ENEM 2008 É A PROVA CIENTÍFICA DE QUE A ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL ANDA MUITO MAL. SEUS ALUNOS CONSEGUIRAM UMA MÉDIA DE APENAS 37,27 NESSE EXAME. NOTA VERMELHA, PORTANTO. OS ALUNOS DA ESCOLA PARTICULAR ATINGIRAM UMA MÉDIA DE 56,12, NUMA ESCALA QUE VAI ATÉ 100. NOTA AZUL ESMAECIDO. POIS BEM, O MEC VAI ESTENDER ESSA FALTA DE QUALIDADE AO ENSINO SUPERIOR, DESTINANDO UMA PERCENTAGEM SIGNIFICATIVA DAS VAGAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS AOS PIORES ALUNOS. O CRITÉRIO DA QUALIDADE, EVOCADO PELO MEC EM RELAÇÃO AO ENSINO A DISTÂNCIA, É IGNORADO NO SISTEMA DE COTAS (TANTO PIOR QUANTO MAIOR A PERCENTAGEM). COM A PROPOSTA ESTAPAFÚRDIA DE CORRIGIR DISTORÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS, DE FAZER JUSTIÇA, ARRASTA PARA BAIXO NOSSAS UNIVERSIDADES, AO INVÉS DE MELHORAR O ENSINO BÁSICO. MUITA COISA RECENTE ESTÁ ME ENOJANDO NESTE PAÍS, COM A SUA FÁCIL LEGALIZAÇÃO.

ENSINO A DISTÂNCIA

Ao ler o blog do Júlio Prates, fiquei sabendo que o MEC desativa 1.337 centros de ensino a distância. Fui ler a matéria na fonte (indicada pelo blogueiro): jornal O Globo, edição de 18 de novembro de 2008. Entre as instituições que serão obrigadas a suspender os vestibulares, encontra-se a Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR). A justificativa dada pelo secretário de Educação a Distância do MEC, Carlos Bielschowsky é que elas cresceram rápido demais, necessitando de um freio, "com um choque de qualidade". Os cursos em andamento serão concluídos, com a posterior desativação (caso não sejam promovidas as melhorias necessárias, como biblioteca própria, laboratório, sala de estudo, acesso à Internet na proporção de, no máximo, três alunos por computador).

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

ODEIO, LOGO EXISTO

A revista Filosofia, nº 27, de novembro, traz como manchete principal de capa "Odeio, logo existo". A matéria foi elaborada por Marcelo Galli, jornalista e pós-graduando em Sociopsicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). O autor exagera um pouco no excerto em destaque: "O homem tem natural inclinação para a agressão e não para o amor. Num mundo marcado pelo terrorismo, o ódio está no topo da lista dos problemas filosóficos". Logo faz uma grande descoberta, apoiado a um truísmo freudiano: "Os atos terroristas exprimem, para entrar no campo da Psicanálise de Freud, a 'pulsão de morte' que todos os serem humanos alimentam no inconsciente". Exagera de novo. Tudo bem, a revista tem um público pré-definido: alunos do Ensino Médio.
Outras matérias: "Acabou o tempo das revoluções?"; "O homem: o ser tecnológico"; "Poder, constituição e voto!"; "As razões do inconsciente"; "Lispector e Sartre em Amor e A náusea - um caso de intertextualidade"; "O existencialismo em Jean-Paul Sartre"; "Suicídio: único problema filosófico realmente sério?"; "Merleau-Ponty, ciência cognitiva e neurociência"; "A genealogia da moral de Nietzsche - Ressentimento e vingança".
A novidade fica por conta de um Caderno de exercícios, o qual propõe estudos sobre "O belo em Platão" (1ª parte) e "Nietzsche, arte e estética: uma interpretação do belo" (2ª parte). Nietzsche, outra vez. Já o havia citado numa postagem abaixo, antes de comprar a revista.

ROMANCES DEPRESSIVOS

A interlocução com o Júlio me fez pensar nos romances depressivos (forçando um pouco a barra) que li. A relação a seguir é exclusivamente baseada na minha experiência de leitor: O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger (encontrado com o assassino de John Lennon); Extensão do Domínio da Luta, de Michel Houellebecq; Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; O estrangeiro, de Albert Camus; Admirável mundo novo, de Aldous Huxley; Todo verdor perecerá, Eduardo Mallea; O processo, de F. Kafka...

ESCREVER SOBRE SI

A genealogia do blog está intimamente ligada com o que Fabiana Cristina Komesu (doutora em Lingüística da UNICAMP) chama de "ferramenta de auto-expressão". Em poucos anos, no entanto, verificou-se um salto qualitativo na publicação de outros gêneros já consagrados pelo uso.
Postar sobre si mesmo é arriscado, exigindo-se do escrevente, ou humildade a toda prova, ou autoconhecimento. Fora dessas condições, o melhor é o silêncio. Há um enorme risco de se mostrar ignorante ou presunçoso. Talvez tenha sido isso o que Dayana Pessota Leite expressou com outras palavras sobre a autobiogafia.
A última postagem do Júlio Prates, não sem razão o blogueiro mais lido de Santiago, é um exemplo luminoso (para me apoiar na alegoria de Diógenes) de como não é feio nem antiético escrever sobre si. Em poucas linhas de A lanterna santiaguense, ele consegue sintetizar toda sua angústia existencial. De uma forma bela e pungente ao mesmo tempo, ao mesmo tempo referencial e poética. Ele deve editar um livro com essas crônicas pessoais (se é que posso denominá-las assim).
P.S.: Dificilmente, o Júlio encontrará alguém que tenha lido Émile Zola, o maior representante da escola naturalista da literatura universal. No Brasil, seu maior discípulo é Aloísio Azevedo, que escreveu O cortiço, Casa de pensão, O mulato, entre outros. Como o paradigmático Germinal, são romances que descrevem e narram a realidade nua e crua, instintiva e sofrida, preconceituosa e miserável das camadas sociais menos favorecidas pela sorte. Já lí esses romances, mas prefiro o realismo mágico dos latinos-americanos. Nestes há a alternativa estética (que, segundo Nietzsche, torna o mundo mais suportável).

terça-feira, 18 de novembro de 2008

FRUTO AGRIDOCE

A partir das 15 horas, a expectativa agitava a estação. Os olhares, alegres uns, tristes outros, dirigiam-se para onde surgiria o trem, vindo de São Borja. Para quem deixava a terra-mãe, como este blogueiro, a viagem começava com um nó na garganta. Depois de vinte e muitos anos, penso que a poesia amadureceu em mim, como um fruto agridoce, nessas viagens de trem para Porto Alegre.
oo
Adélia Prado foi fantástica:
oo
Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica,
mas atravessa a noite,
a madrugada,
o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.

SÃO JOSÉ DA BOA VISTA DOS FLORES

Preocupado com um possível equívoco, voltei a ler Santiago - Sua terra, sua gente, de Antero A. Simões. Antes disso, liguei para o Dr. Valdir para perguntar-lhe a denominação da Vila Florida no início do século passado. Lendo Simões, confirmei a informação do meu amigo historiador: a partir de 1905, o pequeno povoado que se originou da doação de Generoso Flores, passou a ser chamado de Vila Flores. Até então, denominava-se São José da Boa Vista dos Flores. Apenas em 1939, Vila Flores, Vila Flor para a maioria de seus habitantes, ganhou o nome definitivo de Vila Florida. Minha difícil empreitada é precisar o ano em que minha bisavó Fermina fugiu de casa (1907/08) e qual era o nome da vila.
Transcrevo o comentário que recebi de um amigo Ruy, de Itajaí:
Amigo! que vertente para um romance ou um ensaio. E me pergunto, quantas histórias parecidas não terão ocorrido, ocultas pelo passar inexorável do tempo. Sorte que alguém contou a ti, que sabes escrever, e muito bem.
18 de Novembro de 2008 07:57
Ruy me fez comparar Vila Florida, todas as suas histórias, com a Macondo garciamarquiana. A diferença é que uma é real e a outra, fictícia. Cem anos de solidão conta a história da família Buendía. Florida tem dezenas de famílias, centenas de acontecimentos ainda registrados na memória dos nonagenários e de seus filhos, netos e bisnetos que se interessam pelo passado. Muitos dos fatos narrados pelo Dr. Valdir, por exemplo, aproximam-se do realismo maravilhoso que faz de Cem anos de solidão um romance extraordinário. Quisera ter mais tempo para transfigurar esses fatos, transformá-los em literatura. Também quisera um pouco da imaginação e do estilo do escritor colombiano.

10:00H


lua – cuspida
semente
no lago
de claridade

afunda
para a corrente
no leito
baixo da tarde

dentro do cone
de sombra
a polpa
regenerada

lua – comida
de novo
por olhos
de madrugada
oo
(Mais ou menos às 10 h desta manhã, quando apanhava cerejas maduras, avistei a Lua desmaiada no meio de um céu absolutamente azul.)

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

os lados da cidade

a cidade existe
dentro
e fora

sob o cimento
as paixões latejam
com olhos

insones

na praça
as crianças brincam
no balanço

os pássaros e as estrelas
dividem o céu
em dias

e noites

a cidade
dentro e fora
é prisão
e liberdade


AMOR, ANTIGO AMOR

Há exatamente cem anos, minha bisavó Fermina fugiu de casa. Ela criou asas na ponta do coração (num tempo pouquíssimo favorável às mulheres). A história contada e recontada era de que um viajante a levara para longe, mas isso não passava de um subterfúgio, de uma racionalização para ocultar parte da verdade, muito desonrosa para a família. O homem era casado, residente no mesmo distrito de Vila Flores. Ambos deixaram para trás marido e mulher traídos vergonhosamente e atormentados por uma pergunta irrespondível ou por uma resposta inconfessável. Bisa abandonou minha avó Fran, com três anos, e Manuel ainda de berço (tio-avô muito admirado pelos descendentes e correligionários). No dia combinado para a fuga, após alimentar as crianças, ela pegou a estrada até onde seu novo amor a esperava com dois cavalos encilhados. Bisavô Antônio retornaria do trabalho ao pôr do sol, dando-lhes tempo suficiente para trotearem léguas e léguas em direção a Cruz Alta. A noite, talvez enluarada, não foi empecilho para alongarem a distância. Nunca foram seguidos, tampouco encontrados. Vinte anos depois, a bisavó veio passear na casa da filha, então casada com meu avô Fermino. Bisavô Antônio, que passara a morar com o genro, chegou do campo, desencilhou e, ao saber da visita, por intermédio da neta Celanira (tia Cela), encilhou o cavalo e voltou a camperear. Só retornou quando soube que a mulher partira outra vez.
Um século se passou. A história da fuga da bisavó Fermina continua com lacunas apenas preenchidas pela imaginação deste seu descendente indiscreto. Ainda não me decidi entre a biografia e o ensaio. Entre uma mescla dos dois e literatura. O tema é instigante, desafiador.

domingo, 16 de novembro de 2008

PRÊMIO FATO LITERÁRIO 2008


O Prêmio Fato Literário 2008 foi concedido ao escritor Luís Augusto Fischer. Ele venceu a disputa com Vitor Ramil e Zilá Bernd. Livros de Fischer: Dicionário de Porto-Alegrês; Contra o esquecimento; Rua desconhecida; De ponta com vento norte; Quatro negros; Bá, tchê!, entre outros.
Na categoria Projeto Literário, houve um caso inédito na história da premiação: dois projetos receberam o mesmo número de votos e dividiram o troféu e o prêmio de R$ 20 mil. O Centro de Estudos em Literatura e Psicanálise Cyro Martins, e o projeto Liberdade pela Escrita, da Penitenciária Feminina Madre Pelletier, receberam 29 votos cada. Também concorria ao prêmio o projeto Adote um Escritor – Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre e Câmara do Livro.
Para ler mais, acessar www.feiradolivro-poa.com.br

ALGUNS REGISTROS

Sexta-feira, eu, Erilaine e Márcio Brasil fomos à casa de Ilda Cortelini, viúva de Eurides Nunes. O objetivo dessa visita era fotografar a gaita ponto, mas anotamos dados para a biografia e pegamos emprestados os discos com a participação do artista. Mais tarde, na Komplementus, o Francisco Espenosse fez uma cópia do disco solo com doze músicas de Eurides Nunes. O homem era um grande compositor musical.
oo
O que está acontecendo com a Santiagonet? No feriado de ontem, neca. Até há algumas horas, neca. Telefone 3251-5000, neca. Celular de sobreaviso, neca. Um dia fora é muito para este blogueiro assíduo.
00
Poucos feriados foram mais respeitados em nossa cidade que o da Proclamação da República, na data de ontem. Observância da nova lei. Domingo, pelo jeito, perdeu a condição de feriado, isto é, dia de descanso. Prova da moderna laicização da nossa sociedade. O rádio informava ontem que o mercado da Tríticola (Bento Gonçalves) abriria hoje.
00
O Baile de Debutantes do Grêmio é, certamente, o evento mais bonito que se realiza em Santiago. O maior responsável pelo seu sucesso é o casal presidente, Sidinei Ouriques Lopes e Débora Santos. Este ano, a Mara Madalosso se superou na decoração. Até o teto do salão nobre foi coberto de tecido branco. O Cristian Souto substituiu dr. Carlos Alvin na apresentação do protocolo. A Erilaine escreveu a mensagem, e eu produzi os poemas de chamada das debutantes. Duas estrofes:
oo
No jeito (assim) de menina
já a mulher se revela.
Teus sonhos de cinderela,
cheios de tímidos "ais",
ganham contornos reais
para vivê-los - GRAZIELA!
oo
Os sonhos cantam a vida
dançante, numa ciranda.
A tua vida demanda
um canto feito de sonhos
que sonhas nestes risonhos
e vivos dias - FERNANDA!
oo
Os padrinhos foram Ruderson Mesquita Sobreira e Marisane Tolfo Sobreira. Animação da Banda Inovação. Meninas-moças que debutaram este ano: Laís Dapieve Guterres, Isadora Fiorenza Snovareski, Alana Estivalet Muccillo, Enduel Martins dos Santos, Gabriela Dalla Giacomassa Rocha Thomaz, Graziela Jardin Souto, Thais Minussi Salem de Freitas, Fernanda Siqueira Lemes e Gabriella Lavarda do Nascimento.
oo
Ainda não sei quem ganhou o Prêmio Fato Literário 2008. O resultado saiu hoje, às 18 horas. Os três indicados eram Luís Augusto Fischer, Vitor Ramil e Zilá Bernd. Fischer é professor, pesquisador, escritor, crítico literário. (Ele personifica o artista moderno, que produz e critica.) Ramil é cantor, compositor e romancista. Bernd é professora e pesquisadora da UFRGS na área de literatura comparada.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

HAROLDO FERREIRA

Na postagem abaixo, citei Haroldo Ferreira como um dos melhores poetas vivos do Rio Grande do Sul. Transcrevo alguns de seus poemas, do livro Metade pássaro.
oo
Esfinge
oo
Alta madrugada
te decifro
sob a luz
dos meus desejos
e mesmo assim
me devoras.
oo
oo
Eunuco
Escrevo
ooooooooooescravo
de dúvidas
espetado por metáforas
ooooenquanto o mundo
aconteceoooooooolá fora
oooooooodiáspora
que roça na vidraça
ooooooooocanal
que não consigo trocar
oo
oo
Afrodite
oo
Entre um beijo
e outro
me acertaste
em seios
oo
Há dois anos, fui à Biblioteca Pública de Porto Alegre para me encontrar com o Haroldo. Ele trabalha como restaurador de livros.

POETA MALDITO(?)


Na coluna do Correio do Povo de hoje, Juremir Machado da Silva escreve sobre aquele que, para seu gosto, constitui-se num poeta, por excelência: Luiz de Miranda.

Poeta tem de ser maldito. Poeta só é bom se alguém fala mal dele. Precisa gerar algum tipo de ruptura ou de choque perceptivo. Jean-Arthur Rimbaud revolucionou a poesia mundial com 18 anos de idade e abandonou a literatura. Foi ser traficante de armas na África. Eu adoraria ser comerciante de camelos no Saara. Charles Baudelaire passou a vida nos bordéis. Poeta é assim. Não segue as convenções sociais. Larga tudo pela poesia. No Rio Grande do Sul, poeta é Luiz de Miranda. Podia ser um publicitário ou um jornalista bem-sucedido. Não quis. Caiu fora. Decidiu viver para a sua poesia. Tem gente que não gosta do Miranda. Eu gosto. [...] Miranda é um dos poucos poetas que podem ser chamados de poeta. Daqueles que podem escrever na carteira de trabalho: poeta. Deve dar justamente um trabalho danado. Poesia não é o melhor negócio para se ganhar dinheiro. Há muitos anos que Luiz de Miranda é o meu candidato a patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. [...] Há quem não suporte Pablo Neruda. Já ouvi um crítico acusar Neruda de ser fácil, esparramado e pomposo. Eu acho o Neruda de 'Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada' genial. Vai direto ao coração. Fala a linguagem da vida. Poesia, em geral, não se faz com bons sentimentos nem com uma vida regrada. [...] Sei, vão me citar Drummond e João Cabral. Ou tantos outros. Pode ser. Contra-atacarei com Vinícius e, mais uma vez, Baudelaire e Rimbaud. Sei, vão dizer que tenho uma visão romântica e anacrônica da poesia. É isso mesmo. Quanto à forma, o romantismo já era. Como experiência de vida para instruir o poeta, continua sendo interessante. [...] A literatura virou um departamento do marketing. O resultado é uma ficção com cara de patricinha ordinária exibindo a marca da editora. Talvez por isso eu me encante mais ainda com os marginais. Sim, no sentido mais nobre dessa palavra, Miranda é um marginal. Vive à margem das instituições e das suas normas sufocantes e chatas. Escreve nas bordas do imaginário dominante e segue em frente. Encarna a poesia que escreve. Espero que Luiz de Miranda seja o patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, em 2009.

Gosto de ler Juremir, já transcrevi algumas de suas colunas neste blog. Em relação ao transcrito acima, não posso concordar inteiramente com ele. O poeta não tem de ser necessariamente maldito para ser bom. Juremir tenta manter coerência com o estilo impactante, tipo Diogo Mainardi, Michael Houellebecq (escritor francês que exerce um fascínio no gaúcho que nasceu em Palomas, Livramento), entre outros. Juremir cita Rimbaud e Baudelaire como exemplos de poetas malditos. Nenhum brasileiro, à exceção de Miranda. Vinícius de Moraes não pode ser considerado um poeta maldito. Augusto dos Anjos, sim. Os três maiores poetas brasileiros não apresentam o esteriótipo definido pelo colunista: Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Carlos Nejar. Pelo visto, ele não gosta da trindade moderno-contemporânea. Não gosto de Luiz de Miranda, até hoje não consegui ler um livro seu até o final. Diferente dos gaúchos José Eduardo Degrazia, Ademir Bacca, Armindo Trevisan (1ª fase), Haroldo Ferreira, Jaime Vaz Brasil, Nei Duclós, Carpinejar, entre outros. Todos vivos. Mesmo assim, não sou contra a prévia indicação de Luiz de Miranda para patrono da Feira do Livro de Porto Alegre. Destaco a crítica seguinte: Poesia não é o melhor negócio para se ganhar dinheiro. Os livros de poesia são os que menos vendem, basta perguntar ao livreiro.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

OUTRA IDÉIA

Muitas idéias e pouco acabamento. Falta imaginação. Ontem de manhã, escrevi
O tempo presente é o que importa – borboleta que esqueceu seu passado de larva. Nenhuma metamorfose é observada pelo homem, que ainda acredita na aparente imutabilidade do Universo. Como ele não vê espécies surgindo a todo momento, duvida que as elas evoluem umas das outras. Como ele não as vê desaparecendo, duvida da extinção daquelas que ainda sobrevivem. Como não observa meteoros caindo a todo momento (sobre a frágil superfície de Gaia), conclui que os impactos fizeram parte de um passado remoto. Sabe que os dinossauros desapareceram há 65 milhões de anos, como provável resultado de uma grande colisão. Sabe disso, mas é incapaz de conceber o que esses 65 milhões de anos representam. Nunca que esse tempo todo seja o intervalo entre um e outro meteoro. Outra coisa: resistente em aceitar a evolução, o homem tem certeza de que ele representa um estágio final, borboleta completa, nunca uma larva ainda, no máximo uma transição, uma metamorfose. Escrevi alguns versos sobre esse tema.

INTERTEXTO POÉTICO

Hoje às 7 horas, descendo a Duque, ouvia os sabiás. (Neste momento, ouço um bem-te-vi, ou kitch-vi, para ser mais exato na transcrição do canto dessa ave passeriforme, Pitangus sulphuratus. Seu nome vulgar demonstra todo o antropocentrismo presente na linguagem.) Ouvindo os sabiás, ocorreu-me que o verbo "gorjear" caracterizou o universo romântico, por excelência. Modernamente, "cantar" é mais empregado. A Canção do exílio, de Gonçalves Dias, serviu de modelo para vários poetas, os quais lançaram mão do recurso da intertextualidade: Casimiro de Abreu, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Mário Quintana, Carlos Drummond de Andrade, José Paulo Paes, Afonso Romano de Sant'Anna, entre outros. Abri o bolso da gandola, puxei da minha caderneta e escrevi o que se segue:
oo
o sabiá
não mais gorjeia
como lá
oo
não há
palmeiras
aqui
oo
onde canta
o sabiá
nas pitangueiras
oo
De repente, ao ouvir um galo, me lembro de João Cabral de Melo Neto e emendo:
oo
o canto do sabiá
não tece uma manhã

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

LABOR(ATÓRIO) POÉTICO

O poeta necessita desafiar a própria imaginação, aventurar-se para fora da realidade que o aprisiona num contexto espácio-temporal. Não sou imaginativo, reconheço sem o menor constrangimento. Para superar essa limitação, exercito quase todos os dias. O conhecimento que já adquiri pouco me auxilia. Meus melhores poemas não resultaram do esforço racional, da técnica, mas de um estalo epifânico, que, exagerando um pouco, pode ser melhor definido como insight.
A lembrança de um reflexo do guarda-chuva que eu usava na quinta-feira passada, ao passar em frente ao Banco Sicredi, tornou-se a temática do que ainda não posso chamar de poema. A seguir, transcrevo o resultado inconcluso da minha aspiração poética:
oo
reflexos
de guarda-chuva
asas de nuvens
partidas

a praça flutua
barco
sem vela
rosto de santa
no mastro

(por trás
da cortina d’água)
uma porta
se entreabre
...
sapatos gastos
inchados
toda encharcada
a cidade.
...
Minha caderneta de bolso está cheia desses rascunhos.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

A VELHA MATRIZ


Dedico esta postagem à saudade,
de um temp(l)o que marcou a nossa gente.

OTELO RIBEIRO

Durante a 11ª Feira do Livro de Santiago, Otelo Ribeiro expôs junto ao estande da Secretaria de Educação e Cultura. Ele é conhecido por um traço original, inconfundível, como se pode ver nos quadros abaixo.



Luiz Coronel, admirado com os desenhos de Otelo, convidou-o para ilustrar alguns de seus poemas em futuras publicações. O artista plástico santiaguense já fez esse trabalho nos livros Crepúsculo vazio, de Antonio Carlos Machado, e Tropeiro de mulas, de Pedro Veríssimo da Fonseca.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O GÊNERO EM QUESTÃO

A blogosfera santiaguense se agita com uma postagem feita por Dayana Pessota Leite no Blog do Vulmar Leite. Dayana expressa sua posição - um tanto idiossincrática - contra o gênero autobiografia e conclui seu enunciado desta forma:
"Um dos meus desejos de Natal, portanto, é que as autobiografias fiquem restritas à biblioteca familiar e que desapareçam das livrarias, sebos e lançamentos de feiras de livro".
Fazendo uso de um chavão empregado por Jô Soares em seu programa de entrevistas na Rede Globo, não querendo me intrometer e já me intrometendo, arrisco algumas considerações.
Se fui piegas, citando o humorista global, corro o risco contrário em parecer pedante ao transcrever a tradução mais aproximada de uma frase de Voltaire:
"Posso não concordar com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-lo".
(A propósito, esse dito voltairiano já se transformou num clichê.)
Fundamentado no direito da livre expressão, sem incorrer nos crimes tipificados pela Carta Magna, penso que a jovem Dayana exerceu esse direito, posicionando-se contra a publicação do gênero autobiográfico. Infelizmente, seu Natal será incompleto, uma vez que o desejo acima manifestado não se realizará. As autobiografias continuarão a circular, a serem produzidas por muitas pessoas. A última que li, Confieso que he vivido, de Pablo Neruda, é simplesmente extraordinária. Seria um prazer a menos em minha vida de leitor, caso o poeta resolvesse guardar os originais nalguma gaveta secreta de Isla Negra.
O direito usufruído pelo chileno, Nobel de Literatura, não é exclusivo, pessoal. O direito de escrever sobre si é universal, embora seja cerceado em muitos países (quem sabe a partir de uma apreciação negativa de seus governantes).
...
(Continuo mais tarde)

MAIOR E MELHOR


A nossa cidade vivenciou (de 6 a 9 do corrente) a maior e melhor feira do livro de sua história. Com o referencial das três últimas edições, posso adiantar que a do próximo ano será ainda maior e melhor. O evento cultural de primeira magnitude vem crescendo continuamente, de modo especial na participação do público visitante. A mudança do local, do centro da praça para a Rua dos Poetas (quadra do Banrisul), foi um dos diferenciais de 2008. A esse lance de genialidade, soma-se o trabalho dos organizadores, coordenado pela sempre doce Denise Flório Cardoso, secretária de Educação e Cultura de Santiago. A feira ganhou novos coloridos com a realização de um evento paralelo: a Festa das Origens. O tempo foi generosíssimo ao longo dos quatro dias (à exceção de uma chuva mansa logo após a abertura). A oferta não frustrou as expectativas dos leitores mais exigentes: Livrarias Santiago, São Paulo, Colisa, Itinerante (meu amigo Clóvis é um bibliófilo), Espírita e Seicho-No-Iê. Outros livros foram lançados por autores da Terra dos Poetas e de fora (Lise Fank, Oracy Dornelles, Narlei Gindri Rigotti, Ayda Bochi Brum, Ellen Barboza Ramos, Nuraciara Friedriczewski, João Lemes, Rogério Madrid, Cácio Machado, Sheila Waligora, Lenira Heck, Auri Sudatti, Luiz Coronel, entre outros). Acima do mercado, diga-se de passagem, encontram-se as pessoas. A feira também foi um local oportuno para o (re)encontro. O mais elevado objetivo do conhecimento, atingido por aqueles que demonstram finesse, consiste em ser com o outro, para o outro. A amizade é, por excelência, alteridade. A cultura santiaguense necessita de uma maior aproximação entre as pessoas e entre as instituições que elas representam.

(Para a próxima coluna do Expresso Ilustrado.)

domingo, 9 de novembro de 2008

HERÁCLITO E SEU (DIS)CURSO

Esse foi o livro que mais me atraiu na feira. Donaldo Schüler é professor titular do Instituto de Letras da UFRGS. O autor escreve:
"De Heráclito (540-480 a.C) a nós algo se modificou. O mundo se distanciou, como sentiu Rilke. Somos prisioneiros de signos. Heráclito sentia o mundo uno, vivo e ativo, unido pelo Discurso, que fazia falar - o homem e o universo. O Discurso vive no discorrer, o todo repercute nas partes. Fluxos são também sons como os da lira, percursos como os da flecha, a flecha verbal que penetra na polpa viva das coisas, flecha em que já pensava Homero ao falar em palavras aladas. Flechas dircursivas ligam falante e universo, harmonia de ritmos e de sons. O ritmo do universo treme na fala, corpo sonoro, verbal, musical. A unidade no fluir, limites que abrem. Dados que rolam no rolar das águas, que ao rolar desvelam, jogo. Do jogo inaugurado por Heráclito participamos".

sábado, 8 de novembro de 2008

NURACIARA FRIEDRICZEWSKI

A tarde de autógrafos se iniciou com a Nuraciara Friedriczewski: Análise jurídica e psicossocial da ocorrência de bullying sob a ótica da doutrina da proteção integral. Prosseguiu com o Rogério Madrid: Olhos endiabrados. João Lemes: 20 anos de jornalismo. Ellen Barboza Ramos: Pra não te esquecer, meu Rio Grande. Professores da Rede Municipal: Caderno pedagógico. Luiz Coronel: Um querubim de Pantufas; Concerto de Cordas, O legado das Missões; Pampa gaúcho; O gato escarlate; entre outros.

LUIZ CORONEL



As fotos acima registram dois momentos do poeta na Feira do Livro de Santiago: (manhã) tomando um chimarrão no estande da Secretaria de Educação e Cultural; (tarde) fazendo um recital no palco de apresentações.

FEIRA DO LIVRO

Após a abertura da 11ª Feira do Livro de Santiago, na manhã de ontem, a patrona Lise Fank autografou seu Poetemas. Foi um prazer reencontrar o Cácio, autor do livro Dias de sol e vento. Conversamos sobre seu próximo Folhas de outono, sobre a Câmara dos Escritores de Fredrerico Westphalen (onde ele reside), sobre a feira e outros assuntos. Muitas pessoas encontrei ontem e hoje. Com freqüência, perguntavam-me o que estava achando da nossa feira. O melhor que pude responder foi mais ou menos que o evento também é importante para reunir as pessoas. As divergências que se avultam a distância, alimentadas por sujeitos que envenenam o diálogo, diminuem no face a face. A cultura santiaguense necessita de uma maior aproximação entre as pessoas e entre as instituições que elas representam.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

POETEMAS


Um novo enunciado na Terra dos Poetas

O fazer poético consiste numa constante interferência no discurso, comum da fala e da prosa, modificando-o fônica, gráfica e semanticamente, de maneira a qualificá-lo com os elementos que caracterizam a arte. O sujeito que interfere, o autor, constitui-se a partir da produção do enunciado e de seu aprestamento dialógico, quando se estabelece a relação com outro sujeito, o leitor.
Lise Fank cria um novo fato literário na Terra dos Poetas: Poetemas. Este seu livro vem ampliar o diálogo que preexistia entre os sujeitos envolvidos na interlocução poética. Lise já fazia parte da plêiade santiaguense, com estilo próprio, inconfundível.
A temática proposta em Poetemas parte de uma apreciação sofrida da existência contemporânea:

E ao grito de apelo
do homem perdido
...
o vazio lhe responde.

Continua em:


... o pobre menino
dos olhos tristes.


De repente, o eu-lírico não se sofre (onisciente da tragédia humana):

Quando chove,
tenho a impressão
de ouvir o pranto de Deus.


A catarse das dores ocorre com a enunciação do que vai na sua alma. O expurgo por intermédio da palavra, como ocorre na Psicanálise. A poeta aponta para a solução mística dos problemas existenciais: o silêncio. Para uma solução moral: a simplicidade. Isso é o que está explícito e implícito, respectivamente, nos poemas Sintonias e O Natal em nossa casa.

Na tessitura material de seu discurso, a autora imprime um ritmo admirável, “alma de toda expressão poética”, segundo Benedetto Croce. Seja na recorrência métrica:

Nunca seremos iguais,
dizia o raro diamante...


seja no emprego do paralelismo:

Folha seca,
que é da seiva?
Grão de trigo
que é do pão?


Dessa forma, Poetemas compõem-se de enunciados plenos de conteúdo, em que se destaca a harmonia entre significante e significado. Na elaboração dos mesmos, Lise Fank se utilizou com justa medida dos recursos que caracterizam a melhor poesia.

oooooooooooooooooooooooFroilam de Oliveira
oooooooooooooooooooooNovembro de 2008
OO
(Escrevi o texto acima para apresentar o livro da Lise Fank, lançado ontem na Feira do Livro de Santiago)

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

FEIRA DO LIVRO


O corpo da Feira do Livro está em pé: uma imensa lona sobre o asfalto. Ainda vazio, espera pela alma que o fará vibrar na manhã desta quinta-feira. A feira personifica a cultura santiaguense, cujos olhos começam a ver um novo horizonte, um novo paradigma.

ENFIM, NIETZSCHE


A revista Nova Escola do mês de novembro traz F. Nietzsche na seção Pensadores – olhares sobre o ensino. Título da matéria: O filósofo da afirmação da vida.
Enfim, a Filosofia volta à escola, na melhor das tradições humanísticas. Enfim, a mídia e o senso comum passam a se interessar por Nietzsche. Desde que me tornei nietzschiano, em 1984, esperava que tal acontecesse um dia.
Recortes da revista:
“Nietzsche se propôs a desmascarar as fundações da cultura ocidental, mostrando que há interesses e motivações ocultas, e não valores absolutos, em conceitos como verdade, bem e mal. Com isso, Nietzsche aplicou um golpe nos sistemas filosóficos, morais e religiosos. Sua frase mais conhecida (‘Deus está morto’) não trata apenas do ateísmo, mas da necessidade de romper a ‘moral de rebanho’ – as verdades tidas como inquestionáveis e o que é aceito por imposição – para viver as potencialidades humanas em sua plenitude.
“Nietzsche lamentava que uma espécie de ditadura da praticidade tivesse causado a perda da importância da leitura e do estudo de língua nas escolas, levando à degeneração da cultura.
“Como grande admirador da Antigüidade, principalmente da cultura clássica grega, o filósofo não aceitava a separação entre o corpo e o espírito. Tampouco dissociava, em seus textos, pensamento e vida.
“A vida é antes de tudo uma capacidade de acumular forças. [...] Ela é essencialmente o esforço por mais potência, e para isso precisamos ser instruídos. Portanto, para Nietzsche, a Educação deveria se especializar em formar personalidades fortes, não homens teóricos ou pessoas ilustradas.
“Cabe à escola, de acordo com o filósofo, produzir nos alunos a capacidade de dar novos sentidos às coisas e aos valores.”
Nietzsche foi professor de Filologia na Universidade da Basiléia, na Suiça.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

ELEIÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS

A Democracia é a pior forma de governo,
excetuando todas as outras.



A frase em epígrafe é um truísmo. Comprova-o o depoimento de um eleitor nos Estados Unidos, imigrante nacionalizado, que confessa sua alegria de poder votar, uma vez que em seu país de origem, comunista, sequer havia eleição. Depoimento dado hoje, diga-se de passagem.

FRACASSOS DE MARX

Quando li o Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels, fazia um curso na Escola de Material Bélico no Rio de Janeiro. Dois militares da contraguerrilha colombiana eram meus colegas, dividíamos o mesmo alojamento e conversávamos sobre os mais diversos assuntos. Ao me verem com o livro acima, colocaram-me a alcunha de “El Bermellón” (andava pegando muito sol em Ipanema e Barra). Não me importei com suas admoestações, uma vez que me davam o direito da resposta. Como alvo de minhas ironias, escolhi a ineficiência militar da Colômbia no combate às forças guerrilheiras.
Nestes vinte e poucos anos que me separam daquela leitura, o único enunciado de Marx que me fez pensar foi transcrito por Erich Fromm: "Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras, o que importa é modificá-lo". (Há uma dezena de outras traduções.) Em contrapartida, tenho lido muitos críticos marxistas. O professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, escreveu o artigo Fracassos de Marx. Limito-me ao trabalho de copiar e colar as passagens que julgo mais importante.
O articulista classifica de “erro factual” a previsão de Marx que “os salários dos trabalhadores cairiam mais e mais e que isso deflagraria a queda do capitalismo e sua substituição pelo socialismo”. O discurso libertário da teoria, extremamente utópico, seria um dos equívocos mais profundos do marxismo: “o governo deixará de regular a vida das pessoas”. Isso culminaria com a abolição do Estado (endossado por Engels, que sonhou com o fim da propriedade privada e da família). O professor justifica que Marx escrevia tais “profecias” numa época em que “a representação era bem mais rara do que hoje: a maior parte dos parlamentos era recente.
O artigo continua:
“Marx foi ótimo na crítica, mas colocar em funcionamento um sistema econômico, que substitua o poder do capital, e que seja mundial, exigiria um poder igualmente mundial. [...] Em teoria, deveria ser um poder mínimo, no sentido de controle sobre a vida das pessoas, e que cuidasse da produção econômica. Representando os trabalhadores do mundo, podendo ser destituído por eles. Mas como operacionalizar isso?”.
Com outras palavras, foi o que expressei na postagem abaixo, muito criticada pelo Júlio Prates, que tudo o que sabe não passa de interpretações de outros autores, mais a sua interpretação que ele reputa a mais verdadeira.
“Um século e meio de marxismo não produziu uma reflexão consistente sobre esse assunto. A própria idéia de que só restaria ‘administrar as coisas’ é curiosa, se Marx mostrou que a economia (‘as coisas’) é o que governa a vida política (‘os homens’)”.
Renato Janine Ribeiro encerra o artigo desta forma:
“Infelizmente, Marx, que tanto criticava os utópicos (Sain-Simon, Fourier, Owen) e defendia a liberdade, deixou seu legado entre a utopia e o Gulag”.
Mesmo que eu não tenha lido O Capital, mesmo que o grande romancista José Saramago tenha delirado com a frase “Marx nunca teve tanta razão como agora”, mesmo que países (como a Islândia) sofram uma bancarrota, penso que a interpretação feita por esse professor da melhor universidade brasileira é uma verdade apofântica.

domingo, 2 de novembro de 2008

ESCÓLIO

O poema abaixo postado, RISO TROC(TSK)ISTA, gerou comentários de petistas conhecidos. A indignação de um deles me leva a justificar o conteúdo apresentado elipticamente. Inspirado em artigos de opinião que li no Zero Hora, tive a idéia de escrever sobre a manifestação de marxistas tardios que, ante a crise que se avulta no mundo capitalista (vitorioso após a debacle soviética), voltam a citar Karl Marx. O grande pensador riu a primeira vez em 1929, com a grande recessão econômica iniciada nesse ano. Agora ri timidamente pela segunda vez. A figura que empreguei foi a metonímia: os adeptos pelo idealizador. Apesar de ser um riso baixinho (uma vez que há o risco de ser calado com a debelação da crise), não deixa de ser debochado, como caracteriza aqueles que seguem uma moral de escravo (segundo Nietzsche), que culpam sempre seus senhores, a elite, os "coronéis" etc. Na segunda estrofe, a metonímia se transforma em metáfora: as viúvas (que choravam há pouco o sepultamento da ideologia). Aqui no Brasil, essas viúvas são bacanas, uma vez que não abrem mão das benesses capitalistas. São como os nossos ecologistas, que continuam andando de carro, produzindo o pior lixo para o planeta vivo. Obviamente, enquanto riem, tiram o pó de O Capital, livro escrito por Marx, guardado na estante por muitos anos. Diferentemente do que acusou um dos meus comentaristas, para escrever esse poema-piada não exige de mim profundo conhecimento da obra capital do marxismo. A partir de hoje, será um desafio estudá-la, embora a História tenha demonstrado sua inexeqïbilidade. Em que países do mundo contemporâneo o sonho marxista se fez real? Em Cuba? Coréia do Norte? China? Em nenhum desses? Se a própria revolução soviética de 1917 acabou tomando outro rumo, mormente em práticas econômicas e políticas, então, está justificada a poeira que se acumula sobre o livro citado no meu poema.

MULHER INESQUECÍVEL

O dia 2 de novembro, desde o século XIII, destina-se a celebrar os mortos. Essa celebração católica é contestada pelas outras religiões bíblicas, fundamentadas em Lucas 16.10-31: vivos e mortos não podem comunicar-se de maneira alguma.
Por outras razões, talvez mais religiosas que as cristãs, não fui ao cemintério hoje, visitar o túmulo da minha mãe. Há dois anos e meio, vivi a dor profunda de perdê-la. Ainda choro ao lembrar de seu sofrimento derradeiro no Complexo Hospitalar de Santa Casa, em Porto Alegre. Caso continuasse católico, como o era aos sete anos (quando fui obrigado a confessar um pecado por ocasião do sacramento eucarístico), iria todos os dias ao cemitério, acender uma vela e rezar o terço. Tampouco sou espírita, para tentar uma possível comunicação mediúnica com a dona Dalva. A lembrança que guardo não necessita de um dia específico para ser ativada. Ao invés de levar flores ao local onde estão seus restos mortais, penso nela, falo ou escrevo algo com relação à minha mãe.
De um tempo para cá, avivam-se as lembranças boas para meu regozijo, depois de ter sofrido com a lembrança dos dias que antecederam o falecimento dessa mulher inesquecível.

sábado, 1 de novembro de 2008

CAIO ABREU (MAIS UM A VEZ)

A melhor notícia do Expresso Ilustrado da última edição, Caderno X, informa o seguinte: "O legado de Caio Abreu: A família festeja o sucesso do falecido escritor santiaguense. [...] Livro inédito - Jorge Cabral, esposo de Cláudia (irmã do Caio), conta que no próximo ano será lançado um livro com mais de 100 poesias de Caio Abreu, algo até então inédito na biografia do autor".
Por que a melhor notícia?
A resposta remonta ao ano de 2007, quando me via em apuros para justificar a escolha de Caio Fernando Abreu para ser homenageado na Rua dos Poetas. Com uma pedante arrogância, críticos voluntários do projeto da administração municipal diziam que Caio sequer gostava de poesia. Fiz várias postagens, mostrando o contrário. No dia 20 de outubro, por exemplo, comentei acerca do que fora publicado no Caderno Cultura do Zero Hora, que adiantava sobre 94 poemas inéditos do Caio.
Na época, ninguém se manifestou em favor da escolha da Comissão (da qual fiz parte). A Nívia Andres, com uma crônica excelente no jornal A Folha, Rua dos Poetas Nº 1, foi exceção. Apesar de ter votado em mim para receber o troféu Caio Fernando Abreu, a Universidade não se manifestou sobre o assunto. Por quê? O projeto Santiago do Boqueirão, seus poetas quem são? resolveu fazer todas as homenagens a Caio Abreu apenas este ano, em razão do aniversário do escritor. Imagino o escândalo que fariam todos se Caio não fosse homenageado, como queriam o críticos.
Mesmo que fosse verdade o Caio não gostar de poesia, principalmente de não ter escrito um único poema (caso de Carlos Humberto Aquino Frota, outro homenageado na mais famosa rua da nossa cidade), como deixá-lo de fora?
Os mesmos críticos do ano passado, voltaram a se manifestar agora, acusando um dos integrantes da comissão de manipulador e a mim de "arrogante". Levei uma relação de possíveis nomes para a reunião, entre os quais figuravam Aureliano F. Pinto, Ney A. Dornelles, entre outros. Desta vez foi incluído um músico popular, reconhecido internacionalmente, e um escultor, transformados num "calcanhar de Aquiles" da Comissão por aqueles maledicentes, bazofiadores. Pois bem, estes já se reuniram para, inclusive, não aprovar a inclusão de Aureliano. Razão: não nasceu em Santiago. Dessa forma, Mário Quintana não seria homenageado em Porto Alegre, mas apenas em Alegrete. Carlos Drummond de Andrade não teria monumento no Rio de Janeiro, mas apenas em Itabira.
Santiago não é pólo microrregional? Aureliano não viveu e não escreveu aqui? Por isso, Porto Alegre adotou Quintana. Não podemos esquecer da pátria proclamada por Fernando Pessoa: a Língua Portuguesa. Outra coisa importante a ser considerada é a relação entre prosa e poesia, entre as diferentes artes, relação essa que constitui a essência da complexidade, novo paradigma para o século XXI.
Alguns momentos da prosa do Caio apresentam, muito claramente, aqueles elementos que caracterizam a poética, como o seu poder imagístico.