Os santiaguenses ainda reclamávamos dos noticiários, que, feito cães, não largavam o osso do apagão no centro do país, quando nossa cidade acabou sem energia. A tarde iniciava-se com a carranca ameaçadora do tempo. A noite chegou serena, apesar da grande expectativa que se agigantava dentro do escuro.
A primeira coisa (boa) a destacar sobre o apagão é o silêncio. Ah, o silêncio! O silêncio apenas quebrado pelo choro de um bebê no apartamento de cima, ou pelo canto dos pássaros (que retomaram o ritmo canoro da manhã). Para o sossego da minha alma, o falta de luz elétrica acaba com a poluição sonora que a maioria das pessoas chama de música.
A segunda coisa (plagiando o discurso do Presidente Lula), diz respeito ao quanto a cidade é dependente dessa energia. Todas as cidades do mundo. Quanto mais dependentes, mais vulneráveis. Uma torre cai lá onde o diabo perdeu as botas, e tudo para, nada se comercializa e os congelados se transformam.
Em terceiro lugar, voltei ao Rincão dos Machado. A lamparina de querosene mediava uma fase anterior, do candeeiro abastecido com banha, e uma fase mais avançada, iluminada pelo lampião a gás (vulgar liquinho). Nos dias de crise, na entressafra, faltava o derivado de petróleo, o que nos obrigava a retroceder no tempo. Um pedaço de lençol velho era recortado e torcido até formar uma corda que, dobrada ao meio, enrolava-se sobre si mesma. Numa vasilha mais ou menos rasa, a mãe colocava a banha e o comburente de pano. A luminária estava pronta, suficiente para clarear nosso jantar.
A quarta coisa boa propiciada pelo apagão é que, ao retornar do passado, fui forçado a acender uma vela. Dentro do círculo amarelado de sua luz, escrevi estas linhas.
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