sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

RETORNO ÀS AULAS


Até os anos sessenta, o Rincão dos Machado não despertara para a evolução cognitiva, determinado pela Moira ao amanho da terra. Cada par de braços e mãos era indispensável para a sobrevivência econômica das famílias. A tecnologia remontava ao emprego da enxada, instrumento que precedia (ou seguia) o arado puxado a bois desde cinco mil anos antes do presente.
O rincão constituía um espaço sociocultural quase fechado dentro dos limites da ignorância e da humildade – até os anos sessenta.
O Almir (Zeca) foi o primeiro a ir para uma escola agrícola (depois de ter concluído o Primário). Um acontecimento. Uma ruptura. Em seguida, o êxodo rural levaria algumas pessoas da comunidade para mais longe ainda, onde as esperava outra forma de trabalho.
No ano de 1973, chegou a minha vez, sem imaginar o conflito que avançou noite adentro entre meus pais. Enxada ou livro?   Meu gosto pelos estudos (uma inteligência demonstrada) pesou mais na balança da dúvida, e eles decidiram me mandar para Santiago.
No interior de um mundo desconhecido, o Colégio Polivalente, logo descobri seu recanto mais aprazível: a biblioteca. Ali encontrei um portal para o conhecimento, que a sala de aula refletia com pouca nitidez. Mesmo assim, concluí o Fundamental, o Médio e o Superior (no curso de Letras Português/Espanhol e suas respectivas literaturas).
No início da década de oitenta, Krishnamurti, Erich Fromm, Nietzsche e outros pensadores me apresentaram uma forma de conhecer totalmente nova, cativante, desafiadora: a filosofia. Desde então, tornei-me um filósofo autodidata, o que não é reconhecido pelo academicismo presunçoso.
Hoje retorno à academia com o objetivo de chancelar meus textos com o aposto “filósofo”, amigo da sabedoria (segundo a etimologia grega). O saber filosófico, também adquirido com a observação do real – e com a reflexão sobre ele – demonstra-se mais verdadeiramente por intermédio de atitudes. Essa volta à escola, ao completar sessenta anos de idade, constitui minha demonstração de humildade e ignorância (no sentido socrático), qualidades desenvolvidas desde o rincão – tão distante e tão próximo de mim.

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