segunda-feira, 30 de novembro de 2009

MEU SEGUNDO LIVRO

Ainda estou em dúvida quanto ao título do meu próximo livro de poesia. Provisoriamente, havia escolhido Espiga de luz. Mas desconfio da relação que o leitor poderá fazer (antes de ler os poemas) com uma coisa religiosa. Semana passado, fiz duas escolhas: ilustrar a capa com um quadro da Didi (abstracionista santiaguense) e epigrafar cada um dos sete capítulos do livro com versos de Carlos Nejar.
Grande parte dos poemas já foi postada aqui desde 2007. Por exemplo,
.
ecce homo
.
as coisas inexistentes
ganham forma
provisória
durante o sono
.
as existentes
engendradas
na vigília
tornam-se autônomas
.
um demiurgo
enquanto dorme
um alienado
diurno
o homem
.
A propósito, a Didi é uma grande artista. Dificilmente, será reconhecida pela nossa sociedade, enquanto não sair de Santiago e fizer nome lá fora. Quem visitou suas últimas exposições? Pelo que me consta, com o Caio Abreu aconteceu exatamente isso. Na década de setenta ou oitenta, que santiaguense lia o escritor conterrâneo?

FLAMENGO CAMPEÃO

Não é como gremista que afirmo peremptoriamente: o campeonato brasileiro já está decidido. Antes de ser um torcedor apaixonado, sou crítico. Como crítico, sou péssimo torcedor. A razão me exige tal posicionamento. Nesse campeonato, a campanha do Grêmio foi tão ruim quanto a dos primeiros colocados, com a diferença de não vencer fora de casa. Por que venceríamos na última rodada, longe do Olímpico, sem chances de classificar para a Libertadores? Por que venceríamos o Flamengo, o menos pior dos times que se apresentam para ganhar o título? Uma vez fui ao Maracanã, para assistir a Flamengo e Grêmio. O Denner jogava um bolão, mas não impediu uma humilhante goleada. Os colorados torcem pelo Grêmio, sim. Mais do que isso, querem cobrar uma postura ética do rival tricolor que seu Internacional não teria em caso oposto. Os brasileiros temos uma dupla moral, foi o que Oscar Árias, presidente da Costa Rica, insinuou em relação ao presidente Lula (que condena a eleição em Honduras depois de ter reconhecido a do Irã).

domingo, 29 de novembro de 2009

BRASILEIRÃO 2009

- Este 2009 ficará marcado como o ano em que nenhum dos quatro times com maior número de pontos merece ser campeão. A impressão que fica é de que faziam um esforço para não ganhar.
- Para quem acompanha o futebol também pela TV Bandeirante, concordará que os que menos merecem o título são os paulistas (Palmeiras e São Paulo). Os comentaristas, por sua arrogância e burrice, precisam muito de uma lição.
- O Grêmio tem o pior time nos últimos 39 anos, não chega aos pés daquele que disputou a segunda divisão. Incapaz de ganhar uma partida fora de casa. Sem perspectiva para o ano que vem.
- O Internacional desperdiçou chances de ouro para disparar no campeonato. Um pouco melhor que o rival tricolor. Não entendo a escalação teimosa de D'Alessandro. Andrezinho é muito mais jogador (mais uma vez decisivo no jogo de hoje).
- As direções do Grêmio e do Inter sempre contam com um "boi de piranha" para salvar suas más administrações: o técnico. Sempre com a conivência burra dos torcedores.
- Sendo para dar uma lição nos paulistas, retifico opinião acima: o Flamengo merece o título. Principalmente pela festa de sua torcida e pelo treinador humilde (que é o Andrade).
- À exceção dos botafoguenses e coxas, o Brasil inteiro torce para o Fluminense escapar da segunda divisão. Fez o impossível, vencendo todas as partidas das últimas rodadas. Fred desponta como o melhor jogador do campeonato.

DOMINGO AZUL


Desejo um domingo azul para todos os visitantes deste blog.
De repente, no final da tarde, na tarde de um domingo azul, a gente se encontre para tocar um violão e cantar La Belle de Jour, de Alceu Valença.

UMA METÁFORA

O mundo financeiro é comparável a um edifício gigantesco, ora em acelerada construção, ora parado (aguardando recursos, inacabado). Para não fugir ao frame, os países são empreiteiros que, ora aplicam suas economias na obra babélica, ora esperam apoio de outros construtores.
Há pouco tempo, depois de 80 anos, o edifício esteve por vir abaixo, em razão de uma ruptura interna, a ponto de colocar em dúvida a própria credibilidade do empreiteiro mais poderoso. Mal houve a retomada dos trabalhos, outro associado da obra colossal vê-se forçado a descer das alturas. O ritmo imposto em sua área se acelerou de tal forma que confundiu as atividades dos demais (muito abaixo) com ociosidade. A ousadia e extravagância desse novo empreiteiro, bancado pelos petrodólares, já tem um nome, uma alegoria: burj dubai.
De repente, uma tempestade de areia se assoma no horizonte, para espanto e fuga daqueles que, assentando um único tijolo, sonhavam ganhar um apartamento inteiro.
E agora? O edifício está lá, ainda cercado por andaimes e gruas. Tecnicamente abandonado.
Há o risco de tudo o que cresceu muito rapidamente ruir sobre a cabeça dos que continuam seu trabalho. Estes, ou reforçarão suas plataformas, ou a abandonarão para recomeçar outro empreendimento (imobiliário).
Num futuro próximo, ou distante, Dubai poderá ser retomado pela arte da luz - câmera - ação, executada pela indústria cinematográfica, como cenário futurista, ou escatológico, de fim do mundo (muito ao gosto da ficção científica). O cinema, diga-se de passagem, faz parte do mesmo edifício construído pelo capital financeiro. Afinal, nem só as crianças necessitam de playground.

sábado, 28 de novembro de 2009

COMENTÁRIOS DIVERSOS

Seguindo a dica do Ruy Gessinger, também tenho meu pedido para o Natal de 2009: não o faço ao mítico e bom velhinho, mas às pessoas vivas, reais. Não comprem neste Natal, no máximo uma agenda 2010. A maioria dos nossos problemas financeiros refere-se a dívidas que fazemos por livre e espontânea pressão do mercado. Sejamos maior que alienadas marionetes! Basta uma pequena vontade, um pequeno exercício de estoicismo (essa imperturbalidade dos espíritos superiores).
.
O achado publicitário "2000 inove" passa para a categoria dos jargões, envelhecido em poucos meses.
.
Passei pelo Flasback Bar, do amigo Ânderson Taborda. Santiago necessita desses lugares, onde as pessoas se encontram para um bate-papo, acompanhado de uma cerveja. Já começou bem, com a música pré-definida: dos anos 60 aos anos 90 (o que exclui o pior da última década). Na noite inaugural, o Flasback estava lotado. Sucesso ao Taborda.
.
Na confraternização da nossa Bateria Comando, realizada ontem, no Salão de Festas do 19º GAC, mais uma vez ganhei um torneio de truco. Meu trio não teve dificuldade para vencer as seis partidas. Não vivo só de leitura e escrita.
.
O auditório da Câmara dos Vereadores estava lotado para a Abertura oficial da campanha publicitária do I Fórum Latino-Americano de Literatura/ II Encontro de Escritores do Mercosul. O evento foi organizado pela Casa do Poeta de Santiago, cujo patrono é Caio Fernando Abreu. O concurso literário de poesias, crônicas e contos premiou seus vencedores no âmbito da Terra dos Poetas.


quinta-feira, 26 de novembro de 2009

NOS POÇOS

Amanhã recitarei Caio Fernando Abreu na Câmara dos Vereadores de Santiago, por ocasião da Abertura oficial da campanha publicitária do I Fórum Latino-Americano de Literatura/ II Encontro de Escritores do Mercosul. O convite partiu da Casa do Poeta de Santiago, entidade que organizará o evento. Minha participação será de exatamente um minuto, tempo que levo para recitar Nos poços. Amanhã, às 20 horas.

MARIA DESCENDENTE DE DAVI


Há alguns dias, apresentei este problema para o Araújo, seguramente um dos cristãos mais convictos que conheço:
As profecias do Velho Testamento são categóricas em afirmar que o Messias (Jesus Cristo) nasceria da descendência de Davi. Primeiro: Por que Mateus estabelece 28 gerações entre Davi e Jesus, e Lucas, 41? Segundo: Por que os dois evangelistas salientam essas gerações, provando a descendência davídica de Jesus, se este fora concebido pelo Espírito Santo, sem a intervenção física do pai?
O rapaz deve ter quebrado a cabeça em casa, consultado alguém mais experiente, talvez o pastor de sua igreja. Hoje ele foi à minha seção com a resposta para o segundo questionamento acima. Maria, a mãe de Jesus, era ela, por sua vez, descendente do rei mais querido de Deus. Filha de Joaquim e Ana. Estava escrito no Evangelho de Tiago ou Proto-Evangelho de Tiago.
Como sou cético até a raiz dos cabelos, aceitei temporariamente sua resposta, até chegar em casa e procurar pelo tal proto-evangelho. (Em 2012, deverá ser grafado sem hífen.)
O evangelho narra que "o sacerdote lembrou-se de Maria, a jovenzinha que, sendo de estirpe davídica, se conservava imaculada aos olhos de Deus".
.
A fé inabalável do Araújo continua a se justificar, não minha dúvida.
Por que a Igreja Católica condenou como apócrifo o texto que justifica as profecias do Velho Testamento quanto a descendência davídica de Jesus? Ela seguiu apenas o critério do sagrado, apostando na fé como meio de superar as contradições? Quem dos cristãos já sabia da incoerência entre Mateus e Lucas, do evangelho apócrifo que traz sobre a descendência de Maria? Os evangelhos, canônicos ou condenados, são verdadeiros (e não uma adequação para confirmar as profecias do Velho Testamento, por exemplo)?
Outras questões podem ser formuladas. Fico por aqui.
Richard Dawkins, em Deus, um delírio, escreve sobre a irrelevância de se saber quais eram os ancestrais de José. Nisso, ele está certo. Mas saberia ele da verdade contida no Evangelho de Tiago? Caso soubesse, por que não colocou em seu livro?




quarta-feira, 25 de novembro de 2009

HERTA MÜLLER - NOBEL DE LITERATURA 2009


Nessa tarde, comprei uma revista de Literatura que traz uma reportagem de duas páginas sobre a escritora HERTA MÜLLER, escritora romena naturalizada alemã, ganhadora do Nobel de Literatura de 2009. A manchete anuncia: A escritora dos abandonados. Os abandonados são a minoria alemã na Romênia. Sua produção literária gira em torno das facetas desumanas do comunismo, ainda que 20 anos depois do conflito leste-oeste. Seu primeiro livro foi uma coletânea de contos, Em terras baixas, censurado pelo regime ditatorial romeno. Depois, Oppresive tango, uma crítica ao mesmo regime. Outros livros de Müller: A raposa já foi caçador, Herztier, A terra das ameixas verdes, O homem é um grande faisão sobre a Terra, A hora marcada, O compromisso (único publicado no Brasil) e Atemschaukel. Escritores favoritos para o Nobel: Amos Oz (israelense), Philip Roth (norte-americano), Mario Vargas Llosa (peruano) e Assia Djebar (argelina).

terça-feira, 24 de novembro de 2009

ARTE FOTOGRÁFICA


O turco Mehmet Ozgur adotou a fotografia como um hobby e agora se dedica a registrar "esculturas" de fumaça. Ele utiliza apenas incensos e nitrogênio líquido. (Retirei do UOL)

MINHA UTOPIA


Um costume exclusivo dos adolenses, povo que vive numa grande ilha, consiste na união muito cedo entre seus jovens. Eles acreditam que só serão felizes com o primeiro amor. A tradição determina que a escolha ocorra entre 12 e 18 anos. Não há casos de narcisismo secundário, em que ele(a) tenha dificuldade para se relacionar com o outro. Todavia, nem sempre a primeira relação consegue chegar ao casamento. Aos frustrados, resta a esperança de encontrarem alguém nas mesmas condições. Mas a estatística é pouco generosa para esses casos, provando que acaba mal a maioria dos segundos relacionamentos. Isso equivale a dizer que os memes culturais (que poderiam romper com o establishment) desaparecem no espaço de uma geração a outra. Como não há psicólogos, sociólogos e outros subjetivistas, os valores éticos e morais preservam-se inatacáveis por questionamentos inconvenientes, sob a redoma da práxis social. Sem a ciência (ainda incipiente), ninguém sabe em Adol o que possibilita a felicidade dos casamentos prematuros: a inocência. Os adolenses a vivem simplesmente.

(Hoje fiz uma reflexão sobre a inocência. Imaginei um mundo quase fechado, onde ela fosse possível. "Adol" e "adolense" remetem a "adolescente". Obviamente.)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Qual o mais difícil de falar...
pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico
ou
Ahmadinejad
?
A primeira é a mais longa palavra da Língua Portuguesa e a segunda, o nome do presidente do Irã (que veio ao Brasil para defender a não-existência do Holocausto, a extinção de Israel e a execução dos homossexuais).

NU CUBISTA

Pintura de Anita Malfatti (provavelmente, uma das telas que devem ter irritado Monteiro Lobato).

TURRA E TAVARES

Dois artigos publicados no Zero Hora de domingo passado me chamaram a atenção: Meio ambiente e agronegócio, de Francisco Turra; e A arte da ilusão, de Flávio Tavares. Na condição de leitor crítico, senti a necessidade de contrapor ao primeiro e endossar a opinião do segundo. Turra escreve: “É um equívoco caracterizar como antagônica a relação entre meio ambiente e produção agrícola”. Pelo contrário, é um acerto dizer que a agricultura agride o meio ambiente. Há dez mil anos, o homem corta as matas ciliares, queima o excedente, entulha e envenena os rios, provocando o desequilíbrio e o empobrecimento de diversos biomas. A prática exaustiva desencadeia a desertificação. Necessária para a sobrevivência humana, a exploração da terra passou a servir ao enriquecimento de alguns. Em Arte da ilusão, Flávio Tavares entra na grande discussão estética em torno da “arte conceitual” em Porto Alegre. O articulista visita a Bienal do Mercosul nos armazéns do cais e chama de extravagâncias o que vê ali, concordando com o grande pintor gaúcho Iberê Camargo, que abominava as “instalações” (objetos estranhos à arte dispostos de uma forma mais ou menos organizada no centro, num canto, na parede ou no teto de uma sala). O argumento de Iberê, citado por Tavares, diz respeito a pouca duração dessas “instalações”, cujos autores querem passar por arte. Ao contrário dos quadros de Anita Malfatti, que traziam a novidade cubista e expressionista, para desconhecimento do sempre acadêmico Monteiro Lobato, precipitado algoz da pintora, as instalações, mesmo que adiantem uma tendência futura, são feias e antiestéticas.

Esse texto destina-se à coluna do Expresso Ilustrado, por isso as lacuna, algo que pede mais algumas palavrinhas. O diretor de redação do jornal ainda acha que deve diminuir ainda mais. Sua tese (com respaldo empírico, em se tratando do EI) é de que poucos leem os textos longos. Nestes seis anos, aprendi a frear meu ímpeto discursivo. Cedo entendi que o espaço na página é um "leito de Procusto". Caso a ultrapasse, sou devidamente cortado; caso não a preencha, suficientemente esticado. A ferramenta usada para tal adequação é o pagemaker.

Houvesse mais espaço, eu acrescentaria que a prática agrícola visando à sobrevivência, desde o começo do neolítico aos nossos dias, sempre agrediu o meio ambiente. Sem o alimento provindo das colheitas sazonais, todavia, a espécie humana não teria sobrevivido (ou crescido tanto em 10.000 anos).

Houvesse mais espaço, eu acrescentaria que é perigoso tomarmos posição contrária às novas expressões artísticas. Não podemos nos esquecer do que ocorreu com Monteiro Lobato na aurora do movimento modernista. Anita Malfatti, regressando da Europa com as novidades pós-impressionistas (cubistas e expressionistas), realizou uma exposição em 1917. Monteiro Lobato pegou pesado contra a pintora num artigo intitulado "Paranóia ou Mistificação?". Flávio Tavares, apoiando Voltaire Schilling (que começou uma ampla discussão com o artigo A capital das monstruosidades), teve a coragem de atacar o que chama de "a arte da ilusão". A propósito, o articulista assim inicia seu ataque: "A mistificação está em todos os lugares...".

Junto-me a eles, com a lamentada ausência de Iberê Camargo, para vaticinar que a estética do feio não fará escola. As tais "instalações", que os museus de arte moderna estão cheios, não passam de uma ilusória prerrogativa da modernidade. Elas preenchem um vazio criativo do tempo presente. A dúvida é se são provisórias ou escatológicas (retificando o final da minha coluna para o Expresso).

sábado, 21 de novembro de 2009

RAIOS... RAIOS!

Estou desconectado do mundo desde ontem, quando um raio torrou a antena da Santiagonet no alto do edifício. Os rapazes vieram verificar, trocaram peças em vão. A antena será substituída apenas na segunda-feira (em se tratando de Internet, é muito tempo). Voltei a frequentar uma lan house para ler e-mais, felicitar os aniversariantes no Orkut, visitar blogs, comentar, postar, pesquisar algum assunto no hipertexto...
Ontem, ao sair da lan da Bento, em frente à Wizard, havia seis pessoas "navegando". Bisbilhoteiramente, corri os olhos na tela de cada uma. O número parece mentiroso (mas não é): 100% estavam no MSN. Esse portal eletrônico desempenha a função do telefone, mídia mais cara, que ainda não mostra a imagem de quem está do outro lado da linha. (No Japão já está sendo desenvolvida a tecnologia t-Room, para realizar o sonho da telefonia imagética.)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

EVOLUÇÃO HUMANA (UMA PROPOSTA DE LEITURA)


Richard Dawkins, no prólogo geral de seu apofântico A grande história da evolução, escreve o seguinte:

A história humana convencional conta com três métodos principais, cujos equivalentes encontraremos na escala temporal mais da evolução. Primeiro temos a arquologia, o estudo dos ossos, pontas de flecha, fragmentos de cerâmica, monturos de conchas, estatuetas e outras relíquias que resistiram ao tempo e perduram até hoje como testemunhos concretos do passado. Na história evolutiva, as relíquias concretas mais óbvias são ossos e dentes e os fósseis em que eles acabam se transformando. Em segundo lugar temos as relíquias renovadas, registros que, apesar de não serem eles próprios antigos, contêm ou incorporam uma cópia ou representação do que existiu em um passado longínquo. Essas relíquias, na história humana, são relatos escritos ou orais que foram transmitidos, repetidos, reimpressos ou de alguma outra forma reproduzidos do passado para o presente. Na evolução, proporei o DNA como a principal relíquia renovada, equivalente a um registro escrito e recopiado. Em terceiro temos a triangulação. Esse nome provém de um método para calcular distâncias pela mensuração de ângulos. [...] Podemos dizer que os evolucionistas "triangulam" um ancestral comparando dois (ou mais) de seus descendentes sobreviventes.

Dawkins inova com essa proposta de fazer uma leitura da evolução humana por intermédio do DNA. Nas próximas postagens, voltarei a citar esse que é considerado um dos três grandes intelectos da atualidade (ao lado de Umberto Eco e Stephen Hawking).

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

VANTAGEM DO HIPERTEXTO

Antigamente, antes do advento do hipertexto, quase no fim do século XX, o aluno que cismasse com a palavra "anapéstico" e, chegando em casa, corresse ao dicionário de pequeno ou médio porte para ver o significado, sairia frustrado da pesquisa metalinguística certamente. Hoje, basta digitar no Google e pronto. Na própria definição, "composto de anapestos", aparece um link (a própria palavra "anapestos"). Novo clique. Novo significado: unidade rítmica de poema composta por duas sílabas breves e uma longa. Novos links: unidade rítmica e poema. E assim, ao infinito.
ESCREVAM ISTO: O HIPERTEXTO É UMA REVOLUÇÃO.

BANDEIRA DO BRASIL

A Bandeira Nacional também tem seu dia. A história do símbolo mais respeitado da nação brasileira explica o porquê de ser 19 de novembro. Ela foi inspirada na antiga bandeira do império e adotada pelo Decreto Lei nº 4, de 19 de novembro de 1889. Cores representativas, influência positivista (expressa no lema "ordem e progresso"), a importância e muitos outros aspectos poderiam alongar esta postagem. Limito-me a fazer um comentário sobre o hino escrito em sua homenagem, cantado em uníssono neste dia.
Escrito por Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (cujo nome completo é um verso de doze sílabas, ou alexandrino). O poeta é autor dos mais belos sonetos da nossa literatura, entre os quais cito (e recito) Língua Portuguesa, Via Láctea, Nel Mezzo Del Camin...
O Hino à Bandeira é composto por versos eneassílabos (ou novissílabos), que caiu em desuso pelo ritmo anapéstico (tarará, tarará, tarará). Mas a genialidade de Bilac salva a obra. Nas aulas de versificação, transcrevo a estrofe abaixo, explicando que o verso de 9 sílabas é o mais adequado para hinos e canções, em razão da regularidade rítmica: tonicidade acentuada na 3ª, 6ª e 9ª sílabas. Os alunos entendem mais facilmente como funciona a métrica. Saem da aula, repetindo o termo "anapéstico".
.
Salve, lindo pendão da esperança,
Salve, símbolo augusto da paz!
Tua nobre presença à lembrança,
A grandeza da pátria nos traz.
...

EÓLICO


deus bafejava

na minha fronte

cheirando à bergamota

..................................verde

.

sozinho

errando pelo ermo

das taperas

.

deus

era o vento

.

(O poema acima estava incompleto, por isso o deixava de lado em minhas frequentes "antologias" para figurar no próximo livro. O último verso não me agradava. Ao sair para fora nesta manhã ventosa, não tive dúvida: o deus do meu poema incompleto era o vento. Gostei do insight que apenas lembra a poesia nejariana.)

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

ATLÉTICA DEMOCRACIA

Um comentarista anônimo teceu um longo comentário neste blog, questionando a democracia nos /dos Estados Unidos. Minha recusa óbvia e imediata teve vários motivos. Primeiro, abomino o anonimato. Segundo, considero todo antiamericanismo um sentimento tardio (que denuncia um sujeito romântico, passadista, que ainda não sabe que o muro de Berlim foi derrubado). Terceiro, tenho a democracia como uma práxis social, antes de ser um regime de governo. O povo norte-americano é livre (isso é que é relevante), ao contrário de outros infelizes que, em seus países, não usufruem da liberdade como uma condição existencial. O discurso de Barack Obama numa universidade chinesa, defendendo o acesso à Internet, deveria ser aplaudido no mundo todo. O presidente dos Estados Unidos pode se constituir no porta-voz da América e de sua "atlética democracia" (como escreveu o maior de seus poetas, Walt Whitman).

terça-feira, 17 de novembro de 2009

RIO DA VIDA


o rio da vida
(à montante)
na unidade
das águas
de
...................ontem
.
o rio da vida
(à jusante)
na diversidade
das águas
de
................amanhã

DIANTEIRA CONSIDERÁVEL

As universidades virtuais que hoje lutam para implementar o ensino a distância, disse isto no Seminário de Educação na UNOPAR, serão as grandes instituições de toda forma de ensino num futuro próximo. Elas estão ganhando uma dianteira, adquirindo um know-how que as habilitará a dominar a formação universitária ao longo do século XXI, o século do hipertexto.

MITOS E VERDADES DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

A última revista Nova Escola traz uma reportagem sobre a educação a distância, que cresceu espantosos 45.000% em número de alunos no país, a partir do ano 2000.
VERDADES:
- O curso não é adequado para os mais jovens. (Concordo com a justificativa: o estudo exige mais disciplina e "a formação dos 17 aos 24 anos não está vinculada só ao aprendizado de conteúdo, mas a uma fase de maturação e socialização favorecida pelo contato direto com o outro".)
- É preciso ter um bom computador e uma boa conexão de Internet. (A maioria ainda não dispõe de um computador com Internet.)
- Quem é disperso não se dá bem. (Isso é óbvio.)
- As instituições investem mais em tecnologia do que em conteúdo. (Tenho minhas dúvidas quanto a isso.)
- Os professores são menos qualificados. (Plenamente de acordo.)
- A turma de um curso a distância é maior do que a de um presencial. (Isso é irrelevante.)
- É mais difícil conseguir emprego. (Não obstante a lei garantir que nos certificados do Ensino Superior não venha especificado que a formação foi feita a distância, o entrevistador poderá perguntar a instituição de ensino em que o pretendente se formou e...)
.
MITOS:
- É ideal para quem tem pouco dinheiro. (A justificativa da revista não me convenceu.)
- O diploma é fácil. (Nada é fácil.)
- As avaliações não são difíceis. (Em menor número, sim.)
- A evasão é maior. (Ao contrário, concordo com a reportagem.)
- É possível estudar quando quiser. (Esse mito ganhou em bobagem.)
- O aluno fica isolado e não interage com os colegas. (Uns e outros interagem além da conta.)
- A dedicação exigida é menor. (Mera tautologia, repetição de alguns mitos já declinados acima.)
- Não é preciso sair de casa. (Chove no molhado.)
- Os alunos aprendem menos do que no curso presencial. (Esse mito é discutível. Se o aluno gostar, for esforçado e autodidata, o mito é verdadeiro, isto é, uma mentira. Caso contrário, o aluno aprenderá menos. Isso também acontece nos cursos presenciais.)
.
Com relação aos estágios, principalmente os que completam a carga horária dos cursos de licenciatura, como Pedagogia e Letras, a revista reserva apenas três linhas:
"Eles [os alunos] precisam ir a uma escola da rede pública ou privada e desenvolver com a garotada da Educação Básica as atividades propostas pelo tutor".
Para me formar no curso de Letras, na URI, dei muitas aulas de Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Espanhol. As quatro colegas, que se formaram no mesmo ano (2003), deram o mesmo número de aulas, sob a orientação e supervisão da professora Gládis Almeida. O estágio supervisionado é o grande formador de professores nas licenciaturas.
Não quero dizer com isso (e já dizendo) que os estágios sejam o ponto fraco das universidades a distância.
Mito ou verdade?

ROSA E CAIO

Qual a semelhança entre Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, e Para uma avenca partindo, de Caio Fernando Abreu? As diferenças são óbvias, a começar pelo gênero textual: romance e conto, respectivamente. O cenário de um é o sertão do Urucuia (MG); o do outro, a rodoviária de uma cidade qualquer. A linguagem rosiana quebra a sintaxe (erigindo um dos maiores monumentos literários do país); a caioabreana obedece ao fluxo da oralidade. Rosa universaliza o regional; Caio Abreu, poetiza o banal. A partir da pergunta-tema, no entanto, o que interessa agora é apontar a semelhança. A ela, então. No extenso romance GS:V (596 páginas), há um travessão, indicativo da fala do personagem. O mesmo ocorre no conto Para uma avenca partindo. Um único e quase despercebido travessão no início das duas narrativas. Esse recurso gráfico pressupõe a presença de um segundo sujeito (no sentido bakhtiniano). O romance e o conto são constituídos por apenas um enunciado – de um diálogo que o transcende topologicamente. No primeiro, Riobaldo fala com um interlocutor oculto, tratado com senhorio. No segundo, o narrador sem nome – anonimato recorrente em muitos contos do escritor santiaguense – despede-se da namorada antes dela entrar num ônibus. Sem o travessão, o diálogo pressuposto confundir-se-ia com o monólogo, conquanto seja o discurso direto, em primeira pessoa. Rosa foi originalíssimo ao começar o romance pelo final: – Nonada. Caio, ao encerrar o conto com um quê (sem reticências).

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

SINTONIA

Como sei que sei? Quando o que penso, falo ou escrevo, antes de ter lido ou ouvido de outro sujeito (no sentido bakhtiniano) que sabe, acabo lendo ou ouvindo desse mesmo sujeito depois. Um exemplo disso transcrevo abaixo.
Hoje recebi o livro Evolução, de Richard Dawkins, que era a causa da minha expectativa (registrada em postagem anterior). Pois bem, na primeira página, p. 17, Dawkins escreve:
"[...] A segunda tentação do historiador é a soberba do presente: achar que o passado teve por objetivo o tempo atual, como se os personagens do enredo da história não tivessem nada melhor a fazer da vida do que prenunciar-nos".
Mais uma vez, cito o texto que publiquei no Expresso Ilustrado, edição de 6 de novembro de 2009:
As pessoas intelectualmente evoluídas que conheço e que as ouço falar, direta ou indiretamente, têm uma noção imprecisa do tempo. O viés com que consideram o que passou é condicionado pela própria experiência de vida, o que transforma mil, um milhão, um bilhão de anos em meros momentos, irrelevantes diante do século, do ano e do dia presentes.
Na última edição do EI, o artigo Bárbaros ou civilizados?, também questiona essa tendência de culpabilizar o passado por toda hediondez ou crueldade cometidas nestes dias. (A propósito, o palestrante que me motivou a escrever o texto é doutor em História.) O preconceito, que Dawkins chama de "soberba", consiste em achar que a civilização é o suprassumo da evolução sociocultural e que o passado (como postei abaixo, sobre a arte do paleolítico e do neolítico) não passa de rascunho, andaime, seja lá o que for.


A ALEGRIA DO CONHECIMENTO

O conhecimento de determinada coisa é extraordinário (ainda que Kant apontasse isso como uma impossibilidade). Mais extraordinário é conhecer uma coisa e conhecer outra, fazendo uma conexão entre os dois conhecimentos. O que dizer do conhecimento de uma terceira coisa a partir do conhecimento das duas já conhecidas?
Por anos e anos, conheci coisas e coisas, o que me insuflava certo orgulho (sempre contido pela autocrítica). De um tempo para cá, no entanto, o conhecimento se avolumou de tal forma que, ao conhecer A e B, passei a conhecer C. Ao conhecer C, conheço D, E, F... Ainda assim, continuo a controlar o orgulho, não a alegria (que me toma a palavra de vez em quando).

domingo, 15 de novembro de 2009

EVOLUÇÃO

Minha grande expectativa nesta semana é pela chegada do livro acima: A grande história da EVOLUÇÃO, de Richard Dawkins. Eis a sinopse:
A árvore da vida percorrida numa peregrinação de 4 bilhões de anos. Os integrantes da jornada se encontram a cada entroncamento, contam suas histórias e ressaltam as maravilhas da natureza e as revelações da biologia evolutiva. Um trabalho enciclopédico por um dos maiores evolucionistas da atualidade. A grande história da evolução é uma peregrinação ao longo da árvore genealógica da vida.
Ontem e hoje, li os dois primeiros capítulos do livro História Social da Arte e da Literatura, de Arnold Hauser. O primeiro, destinado ao estudo da arte pictórica do período paleolítico, e o segundo, do neolítico. A arte representativa mais antiga tem 30.000 anos, surgida no paleolítico, também chamado de Período da Pedra Lascada. Esse período da história humana se estende de 2,5 milhões até há 10.000 mil anos. O neolítico, ou Período da Pedra Polida, vai de 10.000 anos até o advento da escrita.
A pintura no paleolítico era naturalista, ligada à magia. "Todas as indicações apontam para o fato de que se tratava do instrumento de uma técnica mágica. [...] Quando o artista paleolítico pintava um animal na rocha, produzia um animal real. Para ele, o mundo de ficção e da representação pictórica, a esfera da arte e mera imitação, ainda não era um domínio especial autônomo, diferente e separado da realidade empírica."
A pintura no neolítico era geométrica, ligada ao animismo. "A obra de arte deixa de ser puramente a representação de um objeto material para tornar-se a de uma ideia. [...] Os elementos não-sensoriais e conceptuais da imaginação do artista substituem os elementos sensíveis e irracionais. [...] O pintor paleolítico era um caçador e, como tal, tinha de ser um excelente observador, tinha de estar capacitado para reconhecer animais e suas características [...] O camponês neolítico já não precisa dos sentidos aguçados do caçador; sua sensibilidade e dotes de observação declinam; outros talentos - sobretudo o dom de abstração e o pensamento racional - adquirem maior importância [...]. Com o período neolítico, o estilo formalista e geometricamente ornamental ingressa num extenso período de domínio incontroverso."
Numa das minhas últimas postagens, publicada no Expresso Ilustrado, Sem noção, questionei a dificuldade que as pessoas têm em entender o tempo passado.
O paleolítico, como o acima exposto, abarca 30.000 anos no mínimo. As pinturas rupestres foram executadas ao longo de 20.000 anos. A temperatura da Terra era mais baixa, o que forçou os homens a se abrigarem nas cavernas. O neolítico, 5.000 anos (pouco mais, pouco menos). Tais períodos são maiores que toda a história escrita.
Hauser escreve algo nesse sentido:
"O aspecto mais notável no tocante ao naturalismo pré-histórico não é ser este mais antigo que o estilo geométrico, e sim o fato de já revelar todas as fases típicas de desenvolvimento porque passou a arte em tempos modernos".

sábado, 14 de novembro de 2009

REESCRITURA

A reescrita é necessária, fundamental. Ela equivale às últimas pinceladas, quando não ao refazer parte ou toda a pintura.
Um texto, como um quadro, precisa ter coerência, equilíbrio.
Com relação ao quarteto
No reino do discurso, pedra bruta
toda palavra, apenas se habilita
o poeta, que (primeiramente) a fita,
disforme, inescrutável, absoluta.
minha avaliação crítica é de que devo substituir "do discurso" e "disforme".
O discurso tem a ver com a metonímia, com a prosa, com o eixo da contiguidade. A poesia é signo, metáfora. No eixo da seleção, posso substituir "do discurso" por qualquer outros termos sintagmaticamente equivalentes, com o mesmo número de sílabas. As possibilidades são reduzidas. Mas esse é o trabalho a que se refere Olavo Bilac em A um poeta: ... e teima, e lima, e sua!
A tarefa para substituir "disforme" é bem mais fácil. Qualquer palavra com três sílabas, paroxítona, terminada em vogal, da mesma classe de "inescrutável" e "absoluta".
O quarteto, por ora, fica assim:
No reino ................., pedra bruta
toda palavra, apenas se habilita
o poeta, que (primeiramente) a fita,
................, inescrutável, absoluta.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

entrepalavras



........................
há dis
........................curso
..........entre...................palavras
.............que...................levantam
......................catedrais

APAGÃO NO PAGO

Os santiaguenses ainda reclamávamos dos noticiários, que, feito cães, não largavam o osso do apagão no centro do país, quando nossa cidade acabou sem energia. A tarde iniciava-se com a carranca ameaçadora do tempo. A noite chegou serena, apesar da grande expectativa que se agigantava dentro do escuro.

A primeira coisa (boa) a destacar sobre o apagão é o silêncio. Ah, o silêncio! O silêncio apenas quebrado pelo choro de um bebê no apartamento de cima, ou pelo canto dos pássaros (que retomaram o ritmo canoro da manhã). Para o sossego da minha alma, o falta de luz elétrica acaba com a poluição sonora que a maioria das pessoas chama de música.

A segunda coisa (plagiando o discurso do Presidente Lula), diz respeito ao quanto a cidade é dependente dessa energia. Todas as cidades do mundo. Quanto mais dependentes, mais vulneráveis. Uma torre cai lá onde o diabo perdeu as botas, e tudo para, nada se comercializa e os congelados se transformam.

Em terceiro lugar, voltei ao Rincão dos Machado. A lamparina de querosene mediava uma fase anterior, do candeeiro abastecido com banha, e uma fase mais avançada, iluminada pelo lampião a gás (vulgar liquinho). Nos dias de crise, na entressafra, faltava o derivado de petróleo, o que nos obrigava a retroceder no tempo. Um pedaço de lençol velho era recortado e torcido até formar uma corda que, dobrada ao meio, enrolava-se sobre si mesma. Numa vasilha mais ou menos rasa, a mãe colocava a banha e o comburente de pano. A luminária estava pronta, suficiente para clarear nosso jantar.

A quarta coisa boa propiciada pelo apagão é que, ao retornar do passado, fui forçado a acender uma vela. Dentro do círculo amarelado de sua luz, escrevi estas linhas.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

PRIMEIRO QUARTETO (PARA UM SONETO)

No reino do discurso, pedra bruta
toda palavra, apenas se habilita
o poeta, que (primeiramente) a fita,
disforme, inescrutável, absoluta.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

BÁRBAROS OU CIVILIZADOS?

O palestrante falou sobre o comportamento dos estudantes da Universidade Bandeirante, que hostilizaram a colega que compareceu ao campus dentro de um microvestido. Os jovens, segundo ele, pareciam uns bárbaros, embora suas agressões não tenham extrapolado o âmbito discursivo. No fim da palestra, fui ao encontro do professor para cumprimentá-lo e pedir-lhe que poupemos os bárbaros. Tudo o que de pior acontece nestes dias, décadas e séculos é uma consequência do processo civilizador. Os bárbaros, pelo pouco que se sabe deles, não praticavam a violência gratuita contra indivíduos de sua comunidade. O cultivo da terra fez o homem mais sociável, por força do sedentarismo. Dessa forma, devemos evitar a comparação entre nossos criminosos e os pré-históricos. No mínimo, ofenderíamos aqueles que foram responsáveis pela sobrevivência humana. A denominação de “barbárie” ou “selvageria” a tudo que excede em crueldade não ajuda a preservar a natureza e o caráter sacrossantos que se queira dar ao civilizado, por mais arraigada a crença religiosa, por mais racionalizado o preconceito etnocêntrico. O furdúncio na UNIBAN é muito pouco para ser levado a sério. O comportamento dos universitários, longe de caracterizar um barbarismo, demonstra uma fraqueza (já vislumbrada por Nietzsche como excesso de sensibilidade). No imenso fundo de genes que conserva nossa espécie e de memes* que compõem nossa civilização, ocultam-se unidades teratogênica, formadoras de “monstrinhos”.

* Unidades de informação que se multiplicam de cérebro em cérebro, ou entre locais onde a informação é armazenada (como livros).

terça-feira, 10 de novembro de 2009

HIPERTEXTO


Muito se fala na nova tecnologia (referindo-se à Internet). Nova tecnologia e, nova tecnologia para, nova tecnologia quê. Muito discurso, pouca prática. Ainda é pequeno o número de pessoas que conhece essa tecnologia tão propalada, e quase insignificante a percentagem de quem, conhecendo-a, faz uso minimamente satisfatório dela. Dessa parcela, ainda, são raros aqueles que têm ideia da sua amplitude. Cito o hipertexto como a grande conquista da revolução virtual. O que é o hipertexto? Consiste numa estrutura composta por vários textos conectados por links eletrônicos, os quais oferecem diferentes caminhos para os usuários. Link é uma palavra, texto, expressão ou imagem que permite o acesso imediato à outra página ou site, bastando clicar no mouse. A propósito, as letras HTTP que precedem todo endereço da Web, significam Protocolo de Transferência de HiperTexto. A não-linearidade e a seleção por associação são as principais características da leitura e da escrita eletrônica, que aproximam muito o leitor do autor e vice-versa, a ponto de ser aceitável o papel de co-autor, dado ao primeiro, e de leitor ao segundo (sem perder a condição que os identifica a priori). Há ferramentas de fácil emprego, que não demandam conhecimentos especializados de informática, com as quais o usuário pode elaborar sua própria página. Para navegar pelo ciberespaço (por que não voar?), basta um clique no mouse. Cada link abre outro espaço hipertextual, com toda sua riqueza semiótica (texto, imagem e som). Uma pena que o século XXI ainda não chegou para a maioria das pessoas.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

ANJOS DAS NAÇÕES

Um dos meus colegas esteve nos Estados Unidos, fazendo um curso militar. No retorno, contou-me que, em El Paso (Tx), um empresário, certamente de origem judia, criou um museu da Segunda Guerra. Numa das salas desse museu, há uma homenagem aos "anjos das nações", pessoas que ajudaram os judeus a fugirem da Alemanha e de outras partes da Europa. Entre as dez personalidades destacadas por esse museu, ao lado de um Oskar Schindler, por exemplo, encontra-se o nosso João Guimarães Rosa. O grande romancista brasileiro foi diplomata na Alemanha, como cônsul adjunto em Hamburgo, onde apoiou sua mulher, Aracy Moebius de Carvalho (foto abaixo), no trabalho de emitir vistos de entrada aos judeus.
(Ontem, na revista Literatura Especial, Ano 1, nº 4, que traz como principal matéria o autor de Grande Sertão: veredas, li sobre essa faceta humanitária de Guimarães Rosa e de Ara.)




Muito obrigado, 1º Sgt Lemes.

SALDO POÉTICO

Os poemas abaixo precedem à publicação de Ponteiros de palavra. Na época, eles não estavam prontos. Ao reencontrá-los em meio a uma montanha de papel, resolvi trazer para este laboratório, onde os reescrevo e os submeto à espacialidade topográfica. Caso eles resistam a minha apreciação, devo incluí-los no próximo livro.

ADEQUAÇÃO

sob o cinzel
do acaso
o céu muda
de lugar
visto daqui
onde tomo
o fogo
da água
e no ar
me afogo
numa forma
única
de (m)olhar
as nuvens

MARESIA

ar
...........agem
sal
...........sugem
mar
...........gem
nos V
...........ãos
e varais
ferr
...........ugem


PAISAGEM

minhânima
sem páss
.............aros
des
.....anima
de manhã
com o céu
branco
por cima

domingo, 8 de novembro de 2009

RENATO DIAS NUNES

Ao visitar o blog da Fátima Friedriczewski há pouco, fiquei sabendo do falecimento do Renato Dias Nunes. No Centro Cultural, fiz o protocolo do lançamento de seu livro, Perdão: o caminho da consciência. Gostava muito de conversar com ele, uma vez que se dedicava à prática da Psicanálise.
Discordo da minha amiga, quanto a julgar que do outro lado há mais serviço do que aqui. Os trabalhadores da luz, como o Renato, são indispensáveis aqui, onde as pessoas sofrem horrores por pouca coisa.
A Fátima é uma das pessoas mais iluminadas de Santiago, saberá que minha discordância é simples retórica, uma maneira de dizer que o Renato fazia um trabalho maravilhoso junto às pessoas que o procuravam. Notadamente, tais pessoas sentirão mais a falta dele.

OVELHAS OU CABRAS?

O romance de José Saramago foi editado pela Companhia das Letras, 2009. Revisão de Isabel Jorge Cury e Carmen S. da Costa. Por desejo do autor foi mantida a ortografia vigente em Portugal (que não obedecerá ao acordo tão facilmente).
Os dados acima autorizam a inferir que o livro não apresenta outros tipos de erros. Mas apresenta um erro de sequência (que no cinema é imperdoável). Na terra de Nod, Caim encontra um velho frequentemente.
Na página 44, "o velho que finalmente lhe apareceu pela frente ia a pé e levava duas ovelhas atadas por um baraço".
Na página 49, Caim conta ao olheiro que o interroga que já sabia alguma coisa sobre a terra de Nod, e o olheiro lhe pergunta "Um velho com duas ovelhas atadas por um baraço".
Na página 64, a narrativa prossegue: "Ao virar uma esquina encontrou-se de frente com o velho e as duas cabras atadas com um baraço". O velho é o mesmo do encontro anterior, menos os bichos (cabras no lugar de ovelhas) e a preposição ("com" no lugar de "por" um baraço).
Na página 74, "Caim tocou o jumento com os calcanhares, atravessou a praça, pensando se também agora iria encontrar o velho com as duas cabras atadas por um baraço".
Na página 75, "O velho das ovelhas não estava ali, o senhor, se era ele, dava-lhe carta branca, mas nem um mapa de estradas".
Trata-se do mesmo velho, que Caim desconfia ser Deus que se certifica de sua errância, ou sentença condenatória. Por que ora são ovelhas, ora são cabras? Seria apenas um incremento de disfarce? A fala do olheiro nega essa versão ao perguntar se o velho conduz ovelhas.
Como não é erro de tradução, visto que o livro foi escrito em português, trata-se de um "cochilo" de Saramago.

CAIM

Ontem, concluí a leitura de Caim, de José Saramago. Essa lida estendeu-se das 8:00 às 21:50 horas, com interrupção para ir ao mercado do meu amigo Cleiton Reinheimer (esquina da Neri com a Deodoro) e para fazer o almoço.

À exceção dos dois primeiros capítulos, que conta de Adão e Eva no e fora do Paraíso, os onze restantes giram em torno de Caim. O personagem serve de porta-voz para a crítica irônica e o humor saramagueanos. Isso fica evidente já no primeiro diálogo entre o filho mais velho de Adão e o senhor (ao lado do corpo de Abel):

“Tu é que o mataste, Sim, é verdade, eu fui o braço executor, mas a sentença foi ditada por ti [...]

“Então não serei castigado pelo meu crime, perguntou Caim, A minha porção de culpa não absolve a tua, terás o teu castigo, Qual, Andarás errante e perdido pelo mundo”.

(Saramago estreia essa forma de diálogo em O evangelho segundo Jesus Cristo. Neste último, grafa os nomes próprios com letra minúscula.)

Mas a primeira aventura do fratricida não foi bem um castigo, pelo contrário. Ao chegar à terra de Nod, emprega-se como amassador de barro. Por pouco tempo. A toda poderosa senhora, dona da terra, da cidade e dos escravos, chamada Lilith, transforma-o em seu guarda exclusivo e amante. O rapaz muda-se para o castelo. O marido de Lilith, chamado Noah, que não coabita com a mulher. Esta engravida de Caim, que precisa seguir o destino determinado pelo senhor.

Montado no melhor jumento, presente de Lilith, Caim deixa a terra de Nod.

Depois de subir e descer montanhas, ouve um voz:

“Ó pai, chamou o moço, e logo uma outra voz, de adulto de certa idade, perguntou, Que queres tu, Isaac, Levamos aqui o fogo e a lenha, mas onde está a vítima”.

Na hora em que Abraão cortaria a garganta do filho amarrado para provar sua obediência ao senhor, foi Caim quem segurou o braço. O anjo, encarregado de impedir o sacrifício na última hora, teve problema com uma de suas asas e chegou atrasado.

(O romancista explora ao extremo o fato de Caim ser um errante, de certa forma protegido por Deus. Avança-o no tempo, retrocede-o, leva-o a percorrer lugares distantes e a participar dos acontecimentos. Depois de salvar Isaac, vai a Sodoma, visita a Torre de Babel, passa por Jericó, Monte Sinai, terras de Us... Sempre questionando a forma como Deus, cruel, invejoso, ciumento e tudo mais, resolve os problemas de sua criação.)

Os dois capítulos finais narram a participação de Caim na história do Dilúvio. Auxilia na construção da arca e, por autorização do próprio Senhor, acompanha a família de Noé. Dentro da arca, enquanto chove ou baixam as água, Caim deita com as quatro mulheres, com o consentimento de seus maridos no final. Infelizmente, Noé não conhecia o ditado espanhol que diz “Cria cuervos que ellos te sacarán los ojos”. Em momentos diferentes, Caim joga ao mar cada um dos tripulantes, inclusive a mulher de Noé. Ao descobrir esses assassinatos e sem a perspectiva de recomeçar a procriação humana, Noé se suicida.

A história termina, quando Caim sai da arca, seguindo o casal de tartarugas. Deus, que chamava por Noé, ouve estarrecido seu desafeto:

“Teria de chegar o dia em que alguém te colocaria perante a tua verdadeira face”.