quarta-feira, 30 de outubro de 2019

DUAS OBSERVAÇÕES (AOS CITADORES DE NIETZSCHE)


          Nietzsche nunca foi citado antes com a frequência destes dias. Duas observações depreendem desse modismo: o filósofo é mal interpretado cada vez mais; e seus citadores ignoram a contradição em citá-lo à revelia.
         Mais de 90% desses pretensos nietzschianos são religiosos, cristãos em sua maioria, que deveriam evitar a contundência da filosofia do martelo. Caso observassem a coerência, eles citariam Platão, Agostinho de Hipona, Tomás de Aquino, Duns Escoto, entre outros.
      Inobstante a liberdade de todo sujeito do enunciado, que é inquestionável nestes dias, a citação de Nietzsche exige honestidade intelectual, atributo que distingue os nietzschianos dos quatro costados. 
            Nenhum cristão há de concordar com o aforismo 15 de O Anticristo:
No cristianismo, nem a moral nem a religião possuem qualquer ponto de contato com a realidade. Apenas causas imaginárias (“Deus”, “alma”, “eu”, “espírito”, o “livre-arbítrio” – ou o “não livre”); apenas efeitos imaginários (“pecado”, “salvação”, “graça”, “castigo”, “perdão dos pecados”). Uma relação entre criaturas imaginárias (“Deus”, “espírito”, “alma”); uma ciência natural imaginária (antropocêntrica; carência completa da noção de causas); uma psicologia imaginária (apenas mal-entendidos acerca de si mesmo, interpretações de sensações gerais agradáveis ou desagradáveis, por exemplo, dos estados do nervus sympathicus, com a ajuda da linguagem de sinais da idiossincrasia moral-religiosa – “arrependimento”, “remorso”, “tentação do Demônio”, “proximidade de Deus”, uma teleologia imaginária (“o reino de Deus”, “o Juízo Final”, “a vida eterna”). – Esse puro mundo de ficções se distingue muito a seu desfavor do mundo dos sonhos pelo fato de que este reflete a realidade, enquanto ele a falsifica, desvaloriza, nega.

         Nietzsche é citado pelos cristãos, via de regra, de uma forma descontextualizada. A propósito, essa prática não exclui a própria Bíblia, sempre recortada versículo a versículo (segundo o interesse do pregador ou sermonista).
          Nada como ser nietzschiano. 

2 comentários:

Ulisses de Carvalho disse...

E como ele próprio escreveu: o último verdadeiro cristão morreu pregado em uma cruz.

Ulisses de Carvalho disse...

E como ele próprio escreveu: o último verdadeiro cristão morreu pregado em uma cruz.