quarta-feira, 29 de maio de 2019

FILOSOFIA E FELICIDADE

O senso comum faz uma ideia equivocada da filosofia, a considerar (do alto de suas opiniões e preconceitos) o filosofar uma coisa inútil, sem resultados práticos. Ele pergunta, algumas vezes, pelos interesses fundamentais ou por uma tarefa específica dessa área do conhecimento. Clément Rosset responde que há um objetivo filosófico em plena contemporaneidade: “curar o homem da sua loucura”.
        Uma retrospectiva rápida do pensamento grego destaca um dos princípios fundadores da filosofia, o qual se atualiza continuamente: conhece-te a ti mesmo. A dificuldade de se chegar a uma resposta definitiva não é motivo para relegar o autoconhecimento a uma exoticidade oriental. A ignorância sobre si pode constituir o mal causador de outros males que afetam o homem na atualidade. E é.
        Depois de Sócrates, Aristóteles elege a felicidade como bem supremo. Tudo o que fazemos visa a um fim, direta ou indiretamente – e esse fim é a felicidade (ou realização). Em Ética a Nicômaco (2002, p. 25), o estagirita disserta:

Chamamos aquilo que merece ser buscado por si mesmo mais absoluto do que aquilo que merece ser buscado por causa de outra coisa. [...] Ora, parece que a felicidade, acima de outra coisa, é considerada como esse sumo bem.

         O pensador observa, todavia, que relacionar a felicidade ao bem supremo pode parecer uma trivialidade, que não esclarece o que seja ela. Para responder, ele sugere que se saiba qual é a função do homem, isto é, qual o elemento racional a se exteriorizar de suas ações da alma. Tais ações são bem executadas? São virtuosas?
        Para Aristóteles, é a excelência que faz o homem feliz. Não é um objeto, uma meta separada do ser que busca, mas o próprio buscar algo, o próprio fazer algo e fazê-lo bem. Ele reforça esse aspecto da areté: “As coisas nobres e boas da vida só são conquistadas pelos que agem retamente”. Sua ética é irrepreensível, ao qualificar todas as ações virtuosas como aprazíveis em si mesmas.
        O homem contemporâneo, a exemplo de outros períodos históricos, continua a buscar a felicidade com frenesi, independentemente de sua condição existencial. Nessa empresa irrealizável, ele estabelece uma separação rígida entre o presente e o futuro. Mais grave ainda: separa o Eu que deseja e do objeto desejado. Dessa forma, determina, antecipadamente, a impossibilidade de êxito.
        O tempo é um só (passado,) presente e futuro. Ser e felicidade também.
        Uma percepção que contemple a unicidade acima foi completamente obnubilada pelo condicionamento da sociedade de consumo, cujo efeito contrário é o de associar a felicidade à compra de coisas, de mercadorias. Nesse sentido, Zygmunt Bauman assevera que nessa corrida pela felicidade “não existe linha de chegada” (A arte da vida, 2009, p. 17).
        Antes de cair de exaustão (para não dizer vítima do estresse, da ansiedade, da loucura), sem conseguir alcançar o sonho de ser feliz, o homem pode mudar seu modo de existência. A filosofia dispõe de um corpus de saber irrefutável para orientá-lo em suas novas escolhas, em suas novas ações. Mais que conhecimento estabelecido, a filosofia instiga a filosofar.     

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