segunda-feira, 3 de junho de 2019

PRIMEIRA CRÔNICA AO POETA (IN MEMORIAM)

ORACY DORNELLES


         Oracy Dornelles faleceu domingo, no começo do mês em que completaria 89 anos de idade. O poeta tinha uma existência mais longa, como ele mesmo dizia em tom de pilhéria. Inicialmente, parnasiano (com o rigor formal de seus versos); simbolista (com o caráter pessoal, idiossincrásico); modernista (com a exploração dos aspectos fônicos, morfológicos, sintáticos e semânticos das palavras e frases); e, por último, flertou com a tecnologia digital (a produzir “infopoemas”).
         Nossa amizade se iniciou no ano de 1983, quando o encontrava na sala de Arquivo da Prefeitura, nos bancos da Praça Moysés Vianna, ou na sua casa pintada de sol. O Oracy lia seus poemas mais recentes para mim, com ênfase nos recursos literários. Um tanto receoso, mostrava-lhe os meus. Toda vez honestíssimo nas avaliações, ele me apontava os erros e acertos: ruim, bom ou espetacular. Graças à compreensão de suas críticas, sem melindre ou empáfia, tornei-me poeta de fato.
         Na Universidade, escolhi a magnus opus oracyana, para escrever o artigo científico Intertextualidade nos cantares ares de Oracy Dornelles. O texto foi incluído no livro O que importa em Oracy, publicado em 2003 com Fátima Friedriczewski e Júlio Prates. A alusão indireta a outros textos nos poemas do Oracy exige do leitor conhecimento de mitologia (egípcia, judaica, grega e moderna), história, filosofia, arte, metalinguística etc.
         Desde Ponteiros de palavra, venho fazendo referência a Oracy, com a admiração própria de um influenciado verdadeiro. Um desses tributos consiste no soneto monossilábico Ora: ora/ só/ ora/ com// ora/ cor/ ora/ som// ora/ céu/ ora// ser/ ora/ cy. Sempre me fiz presente nas várias ocasiões em que a Prefeitura, o Centro Cultural e a Casa do Poeta renderam homenagens ao poeta em vida.
         Na Santiago que conheci há mais tempo, havia um poeta só. Ele vinha e ia por uma via de pó, pedra e poesia. Esse poeta era Oracy Dornelles, a vir e ir pela Duque de Caxias. A propósito, a Rua dos Poetas deverá homenageá-lo com uma estátua monumental – a destacar sua cabeleira (encimada por uma boina), seu paletó, seu livro na mão, seus passos seguidos pelos cachorros fiéis.

Nenhum comentário: