sexta-feira, 15 de maio de 2015

FILOSOFIA QUE FAZ "IGREJA"

A Filosofia, quando cria "igreja", nega sua própria natureza, que é de ser especulativa, não dogmática. A história da pensamento filosófico no Ocidente, salvo alguns momentos de claridade, constitui um dos devaneios mais obscuros do intelecto humano. Ao invés de desmitificar, ele serviu para criar novos mitos, ou tornar mais significativos os já existentes. 
Entre os primeiros filósofos, os chamados pré-socráticos, Pitágoras fundou a sua igreja. O dogma do pitagorismo é de que o número consiste na essência das coisas. Ao afirmarem os princípios do ser e do não-ser, os pitagóricos lançaram a pedra fundamental para a grande igreja da metafísica.
Mais tarde, Platão criou a Academia para ensinar sobre o mundo divino das ideias, dominado pela alma. Seu idealismo iria servir a Paulo de Tarso, o grande organizador do Cristianismo. O mundo sensível em que vivemos, uma coisa imperfeita para Platão, involuiu ainda mais para um "vale de lágrimas" sob o viés cristão. 
Plotino é o elo entre o pensamento clássico, o que se entendia por Filosofia, e a religião vinda do Oriente. 
Dos apologistas (século II) ao pensamento moderno, por mais de mil anos, a Filosofia foi açambarcada pela Teologia. A partir do Renascimento, ela se liberta da condição de serva, para fundar o Racionalismo
Descartes começa muito bem, com a dúvida metódica, mas protagoniza o maior salto (no vazio) da razão, ao inferir uma res infinita, a existência de Deus, do pensamento (fé) que o concebe. Esse filósofo é o primeiro racionalista a ratificar o argumento de Santo Anselmo, já desconstruído por Tomás de Aquino. Além de Descartes, completam a "igreja" racionalista Baruch Spinoza, Nicolau Malebranche e Guilherme Leibniz. Mesmo sem o idealismo platônico e a orientação teológica, a Filosofia se converte em metafísica - capaz de elaborar uma "pérola" como esta (de Leibniz): "Mônada é substância simples, individual, elemento/ átomo das coisas, sem partes, indivisível, inextensa e que percebe".
Tal devaneio racionalista (uma contradição em si), sem demora, encontra dois pensadores com os pés no chão: David Hume (empirista) e Emanuel Kant (criticista). Um e outro demolem a metafísica que alcançara estatura filosófico com os racionalistas. O sábio de  Königsberg é o primeiro a perceber que não existe oposição entre razão e experiência.
A despeito dessa percepção kantiana, novas "igrejas" surgem em pleno século XX. Antes disso, todavia, inspirado em Kant, ergue-se a "igreja" do idealismo alemão. Hegel coloca a Filosofia acima da religião, como expressão lógica, racional, do absoluto, isto é, Deus. Paralelo ao Idealismo, mais para os lados de Roma, surge a corrente denominada Espiritualismo, como séria tentativa de reconstruir uma filosofia cristã. 
Como condição da metafísica (ontológica), Husserl propõe a redução fenomenológica, a suspensão de todos os conhecimentos advindos das ciências. A "essência" é um modo de aparecer do fenômeno", alcançada pelo conhecimento intuitivo. Bergson funda o Intuicionismo, que considera a apreensão imediata o verdadeiro conhecimento - sem o instrumento da razão. A metafísica bergsoniana prega que toda a matéria existente no universo, isto é, a realidade física, não passa de uma degeneração da realidade psíquica. 
Na esteira da Fenomenologia, advém o Existencialismo, o desejo por uma igreja que acuda o homem de sua angústia existencial. Ao fazer uma crítica à metafísica tradicional, Heidegger culpa a ciência, à qual chama de ridícula, por esta rejeitar o nada (como pertencente à essência do ser). Segundo Rudolf Carnap, Heidegger tentou reformular a metafísica com um corolário de "pseudo-sentenças". 
Mais que levantar "igrejas", a Filosofia se prestou para outras coisas que negam o uso da razão. Não é de se estranhar tantos detratores que ela encontra no âmbito do senso comum e no próprio meio, como o atesta Nietzsche em Além de Bem e Mal: "Depois de ter passado bastante tempo a observar de perto os filósofos, acabei por concluir que a maior parte do pensamento consciente deve também ser incluída nas atividades instintivas".

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