quarta-feira, 5 de março de 2014

HERANÇA: PRIMEIRA REFLEXÃO



À exceção de processos judiciais, não há estudo sobre a herança, isto é, sobre o comportamento humano que prevalece na transmissão do legado econômico entre pais e filhos. Tendo o início do século XX como marco importante no avanço das ciências sociais, a busca pelo conhecimento nessa área deveria ser bastante facilitada (em razão de sua atualidade). Mas não é assim. Para além de conceitos, as questões ligadas à sucessão causa mortis se limitam ao âmbito do Direito. Nenhuma análise sociológica ou filosófica acerca da desestruturação afetiva da família, cuja preservação estava entre os objetivos morais para a legalização da herança. Nas últimas décadas, essa contradição vem se acentuando na maioria dos casos de sucessão. Todo o patrimônio conseguido com muito trabalho pelos ascendentes e bem administrado pelo pai/mãe, a partir de sua morte, de repente, transforma-se em motivo de disputa acirrada entre os filhos, que se engalfinham num processo de negação da philia* e de afirmação do interesse individual. Se na horda, disputava-se a autoridade do pai; na civilização, disputa-se sua riqueza. Atualmente, para ser mais preciso, a briga entre os herdeiros começa antes do fato causador da partilha, com o ascendente ainda vivo. Dependendo de seu estado de saúde, de sua lucidez, ele amarga na velhice a triste condição de objeto do pior dos sentimentos: a ingratidão (dos filhos). O elo que mantinha a união da família se rompe abruptamente ante a perspectiva de levar vantagem ou ser prejudicado com a divisão dos bens móveis e imóveis. Por que isso ocorre? Essa é uma das questões a ser pensada, a ser respondida pelo conjunto de conhecimentos hoje disponível. O enorme avanço no Direito não tem similar na Filosofia, na Sociologia, na Psicologia...
* Termo usado por Aristóteles em Ética a Nicômacos, significando amizade, amor.

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