Um preconceito de etnocentrismo linguístico impede que os falantes (mais precisamente os brasileiros) vejam a promiscuidade do idioma português. Penso que essa característica o torna inculto, mais que belo - conforme se expressou poeticamente Olavo Bilac.
Há uma evidente falta de lógica, a princípio, na definição de uma mesma palavra, que pode ter significados completamente distintos, da denotação à conotação, do universal ao regional/familiar.
O aspecto dinâmico da língua é a paixão dos dicionaristas. Abaixo o purismo é a ordem desde o século XX. Alguns erros cometidos pelo povo (na fala) são repetidos pelos produtores textuais (na escrita).
Para exemplificar isso, transcrevo o primeiro parágrafo do texto de uma prova elaborada pelo Instituto Farroupilha de São Vicente do Sul:
"Ouvir música, falar ao telefone, ver TV, acionar o botão do elevador, ler as notícias, orientar-se no trânsito. As atividades cotidianas que utilizam os meios digitais são infinitas e aumentam todos os dias. Nem mesmo aqueles que, por ideologia, só ouvem discos de vinil e escrevem à mão, têm como fugir dessa realidade".
Pode um sequência qualquer ser infinita e aumentar continuamente?
Não.
O autor exagerou no próprio exagero. Nada é infinito (exceto o Universo, para alguns cosmólogos, e Deus, para alguns teólogos).
O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa registra:
"infinito. [Do lat. infinitu.] Adj. 1. Não finito; sem fim, termo ou limite... 2. De duração, extensão ou intensidade extremas... 3. Inumerável, incalculável...
No número 1, diz-se uma coisa lógica. No 2, há uma igualdade entre infinito e extremo. Todo extremo dá ideia de fim, de finitude. No 3, aplica-se raciocínio inverso do número anterior: da impossibilidade de se chegar ao extremo depreende a ideia de infinito.
No fundo (e na superfície), a língua portuguesa reflete a cultura de seus usuários, que, à semelhança de seus primeiros falantes, têm pouco contato com o conhecimento objetivo.
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