sábado, 10 de dezembro de 2011

MESQUINHEZ E HIPOCRISIA

A mesquinhez é prima-irmã da hipocrisia, e ambas, mais que meras palavras, tipificam o caráter de pessoas muito conhecidas na sociedade santiaguense. Por motivos óbvios, deixo de citar o nome de algumas delas (como exemplo a não ser seguido por quem almeja certo relevo social). O mesquinho, via de regra, pertence a uma entidade ou grupo com fins filantrópicos. O hipócrita, via de regra, pertence a uma organização religiosa. A proximidade entre os (pseudo)espiritualistas e a philantropia é inegável, cujo propósito sub-reptício consiste em disfarçar ou redimir os sentimentos contrários. Para empregar a linguagem das fábulas, há lobos vestidos com pele de cordeiro mais do que pode perceber os olhos ingênuos dos cordeiros. A motivação para escrever sobre esse tema me ocorreu na segunda-feira, quando soube, por intermédio de uma costureira, que sua cliente não a ressarciu pelos serviços. Num evento em que participei há poucos dias, essa pessoa velhaca discursava em defesa da afetividade e da educação tão necessárias aos mais humildes. À exceção de mim, seu discurso comoveu a todos os presentes. Aliás, o discurso constitui a essência do parecer, pele de cordeiro sobre o coração de lobo. A palavra persuade por seu poder de expressão em si mesmo, não pela realidade do que é representado. Por isso, o político consegue arrancar aplausos de seus correligionários; o pastor, a embasbacar seu rebanho; o professor, a “educar” seus alunos; o advogado, a convencer os jurados; ad nauseam. Com base nessa sobre-exaltação discursiva, pergunto se, no final do processo, há justiça, há educação, há religiosidade, há coerência. Mas tal questionamento foge ao tema acima exposto. A mesquinhez e a hipocrisia são, repito, duas componentes do caráter de gente grã-fina da nossa sociedade.
(Texto publicado na coluna do Expresso Ilustrado dessa sexta-feira.)

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