OS LUCROS DA MORTE
Juremir Machado da Silva
Michael Jackson morreu. Michael Jackson está vivo. Que belo negócio! As vendas explodiram. Morto, o Rei do Pop vende mais do que os seus concorrentes Elvis Presley e John Lennon em situação equivalente. Na horizontal. Isso é o que Michel Houellebecq chama de 'extensão do domínio da luta', a ampliação do campo da concorrência econômica ao extremo. Depois do neoliberalismo financeiro, o neoliberalismo sexual. Por fim, o neoliberalismo mortal, póstumo. A competição nunca para. Morto, Michael Jackson está na frente. Parece imbatível. A mídia está eufórica. Até a semana passada, Michael Jackson era apenas um pedófilo esquisito e um artista decadente. Agora, redivivo, brilha como um ídolo único.
A 'sociedade do espetáculo' impôs-nos a necessidade de novidades, de acontecimentos, de cortes na rotina. Como não somos capazes de produzi-los, a indústria cultural nos supre de acontecimentos 'significativos' e rentáveis: Dia das Mães, dos Pais, dos Namorados, finais de campeonato, disputas televisivas, guerras simuladas, nascimento e morte de ídolos. Nos últimos dias, a safra midiática tem sido farta: morreram a Rainha das Panteras, o Rei do Pop e Pina Bausch. Artisticamente falando, Pina era a melhor. Mas não era realmente 'pop'. A velha pantera já havia perdido os dentes. Michael era ainda o melhor produto. A morte é uma notícia à venda. A cada um conforme o seu potencial de espetacularização final. Cinismo? A mídia é cínica. Produz uma importância que os indivíduos eleitos não possuem. Nenhum. Ninguém. Faz pensar que o mundo nunca mais será o mesmo sem um Michael Jackson. Bobagem. Dentro de um mês, estará esquecido.
Ficará na memória dos fãs mais lunáticos e aparecerá nas retrospectivas do final do ano. É a ordem natural do espetáculo. A mídia sabe disso. O público também. A mídia sabe que é apenas um bom assunto. Vende a morte bem embalada. O consumidor sofre por um momento uma dor que não é sua. E sente-se participando de um sentido. A cobertura televisiva da morte de Michael Jackson é patética. Ele foi um bom músico. Um bom artista. Um bom dançarino. Acabou. Como será o mundo sem ele? Igual. O que fazer do seu corpo? Enterrar ou cremar. Já deve ter gente calculando os ganhos que a morte de Roberto Carlos produzirá. Não será um evento internacional. O faturamento só no Brasil, porém, será elevado. Dá para se imaginar as manchetes: 'O trono está vazio', 'O Rei subiu aos céus', 'Choram os súditos desamparados'. A mídia é monarquista e medíocre. Sem dúvida, não precisa diploma para fabricar essa pantomima funerária descartável.
Michael Jackson foi um grande artista, mas nenhum pai razoável poderia tomá-lo como modelo para os seus filhos. Era um sujeito bizarro. As fofocas pós-morte não param. Os filhos do Rei do Pop foram encomendados ao seu dermatologista e à enfermeira que trabalhava para ele. Não teria sido mais simples adotar uma criança? Uma celebridade, obviamente, não faz como todo mundo. Quem venderá mais depois de morto: Caetano ou Chico?
(Publicado no Correio do Povo desta quinta-feira).
Um comentário:
Fantástico esse texto, não há como não concordar. Juremir é claro e direto nos seus argumentos.
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