domingo, 19 de julho de 2009

AS PRAGAS


A vizinha da frente me disse Uma antiga moradora da casa se suicidou. O que aconteceu? Estresse, depressão. O marido viajava. Por favor, não fale desse suicídio para minha mulher. Ela é muito sugestiva, acredita nos espíritos. A senhora entende?
Na primeira chuva forte, a correnteza da sarjeta transborda e vem para dentro da garagem. Não há rodo que impeça a enxurrada. Por baixo da porta, a água suja entra na sala. Em seguida, aparecem manchas de umidade no teto. Goteira aqui e ali. Bacias e baldes. Calha entupida com folhas secas. A mulher grita comigo Há uma piscina em cima da gente. Droga de cidade. A culpa é tua, escolhendo este rancho pra alugar. Com a estiagem, subo no telhado, cheio de medo.
No outro dia, as formigas invadem a cozinha e a despensa. Saio em defesa dos bichinhos. São inofensivas. Andam atrás de açúcar, mel, algum doce. A mulher gasta inseticida até não mais haver pressão no frasco. Respirando o veneno, tosse, tosse, briga mais uma vez.
O bife do almoço estava muito salgado. Meia hora depois bate a sede. Abro a gaveta dos talheres e a visão é nojenta: uma barata enorme passeia de um lado para outro. Arranco a gaveta do balcão e a entorno sobre a pia: garfo, faca, colher, abridor, martelo de carne, um monte. A menina berra do banheiro: um exército subia pelo ralo. Outra frente se forma a partir de uma fresta da porta. O guarda-louça é tomado de assalto pelas invasoras. Não há mais veneno. A mulher se exaspera. Contra a cidade, contra mim. A única saída é enfrentar os ortópteros. Com violência e sangue-frio, passo a esmagá-los. Uma meleca total. A lei diz que sobrevive o mais forte. Que seja eu.
Vencida a batalha contra as baratas, durmo três horas. Levanto e saio. A calçada cedeu. O buraco é grande. Armadilha para pedestre. O máximo que consigo providenciar é uma tábua para a passagem improvisada. Coisa feia. Necessário um caminhão de terra. Na volta do trabalho, encontro a mulher irada. O que é aquilo? Dentro de casa, o piso afunda nos dois quartos. De repente, podemos ser engolidos pelo chão.
No quinto dia, os rodapés podres cedem aos roedores. Os aposentos amanhecem cheios de buracos. Vou à veterinária comprar raticida. Seis pacotinhos. Cheiro ruim. Logo após o jantar, quase dormindo na frente da televisão, ouço gritarem Um rato! Na sala, o desgraçado some. Sonolento, viro o sofá de ponta cabeça. O bicho foge para o corredor. Do corredor para Para onde? A ideia da mulher é boa: isolar as portas de acesso a cada aposento. Quadro, caixa, tabuleiro de xadrez, qualquer coisa quadrada serve para reduzir o terreno invadido pelo inimigo. Movo o pesado guarda-louça com dificuldade. A mulher sobe numa cadeira. Olha, ali! Precisa gritar? O grito é meu, grito! O rato escapa do cerco, vai para um dos quartos. Apanho um cabo de vassoura. Deitado no carpete, vasculho debaixo da cama. O roedor tenta escapar como um raio. Estou ligado. Desfiro um golpe intuitivo, certeiro. O sangue esguicha do focinho. A mulher tem náusea ao ver o rato morto.
Algo vai mal. Minhas leituras são interrompidas com frequência. Não sei eleger o pior entre o roc-roc nos rodapés ou os impropérios da mulher. A saída é arrancar as madeiras carcomidas e preencher os vãos do piso (que cedera) com uma massa rica em cimento.
Quanto à mulher, não há dúvida: conduzo-a ao hospital com pressão alta. Diagnóstico: estresse, taquicardia.

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