DUELO NA MADRUGADA
(uma fábula pós-moderna)
Os automóveis percorrem a avenida lado
a lado, palavras provocativas se batem no espaço entre as duas janelas abertas.
O calor daqueles que as emitem aquece as armas coladas ao corpo dos homens.
Meio quilômetro à frente, os carros param no meio da pista.
Uma faca de lâmina comprida desce na mão do primeiro
homem. O revólver continua na cintura, louco para ser empunhado firmemente pelo
segundo homem. Impetuosa, emocional, ela avança decidida a cortar sem a perícia
necessária. O talho atinge o braço esquerdo e o abdômen. Não há distância suficiente
para perfurar mortalmente, tampouco o permite o tempo. O revólver reage com
eficiência precisa: um, dois e três disparos a queima-roupa.
O Trinta-e-Oito ainda fumega dentro da madrugada
fria, seguro por uma mão que vacila entre a raiva e a dor. Ele reconhece que
não observou o código de honra dos duelos antigos, quando havia paridade de
armas. Por isso, a demora a entrar em ação, já a caracterizar legítima defesa.
A faca repica no asfalto e se acomoda em seu
nicho intocável. Logo será clicada por jornalistas e blogueiros, vista como um
símbolo de sangue, de assassinato. Seu
aço branco reflete a primeira claridade da manhã.
Após presenciar o duelo, um carro foge avenida
afora, e o outro se dirige ao hospital (seu condutor está cortado no braço e
abdômen). Eles foram cúmplices ao pararem em plena pista de rolamento, como a
demarcar a arena para o combate entre as duas armas.
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