sexta-feira, 12 de julho de 2019

DUELO NA MADRUGADA


DUELO NA MADRUGADA
(uma fábula pós-moderna)


         Os automóveis percorrem a avenida lado a lado, palavras provocativas se batem no espaço entre as duas janelas abertas. O calor daqueles que as emitem aquece as armas coladas ao corpo dos homens. Meio quilômetro à frente, os carros param no meio da pista.
Uma faca de lâmina comprida desce na mão do primeiro homem. O revólver continua na cintura, louco para ser empunhado firmemente pelo segundo homem. Impetuosa, emocional, ela avança decidida a cortar sem a perícia necessária. O talho atinge o braço esquerdo e o abdômen. Não há distância suficiente para perfurar mortalmente, tampouco o permite o tempo. O revólver reage com eficiência precisa: um, dois e três disparos a queima-roupa.
O Trinta-e-Oito ainda fumega dentro da madrugada fria, seguro por uma mão que vacila entre a raiva e a dor. Ele reconhece que não observou o código de honra dos duelos antigos, quando havia paridade de armas. Por isso, a demora a entrar em ação, já a caracterizar legítima defesa.
A faca repica no asfalto e se acomoda em seu nicho intocável. Logo será clicada por jornalistas e blogueiros, vista como um símbolo de sangue, de assassinato.  Seu aço branco reflete a primeira claridade da manhã.
Após presenciar o duelo, um carro foge avenida afora, e o outro se dirige ao hospital (seu condutor está cortado no braço e abdômen). Eles foram cúmplices ao pararem em plena pista de rolamento, como a demarcar a arena para o combate entre as duas armas.

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