A recomendação insistente dos pais de
que o fogo queima não é levado a sério pela criança, pelo menos a ponto de
evitar a primeira queimadura autoprovocada por ela. O conhecimento de mundo
transmitido de uma forma teórica, discursiva, via de regra, apenas se efetiva
com a experiência pessoal.
Até os quatorze anos, cansei de ouvir
dos adultos que era feio roubar, aliás, um dos dez mandamentos bíblicos já
preceitua a moral correta “não roubarás”. Com a idade acima, roubei um cadeado
grande, novo, amarelo como o ouro, que se encontrava aberto no portão lateral
de uma casa momentaneamente vazia.
Naquele ano de 1973, vendia doce para
minha tia. A casa em que morávamos na Francisco Brandão distava meio quilômetro
da zona do meretrício. Não ganhava troco algum por esse trabalho, uma vez que
tinha obrigação para com os parentes que me hospedavam na cidade. Caso quisesse
ir ao Cinema Imperial no domingo (para ver filme de faroeste), obrigava-me a
vender garrafa nos botecos da Bento Gonçalves.
A zona constituía o mercado certo para
o pudim de pão que eu mal equilibrava numa bandeja de lata. No meio da tarde, as
prostitutas me compravam toda a oferta, enquanto se embelezavam para outro
comércio na próxima noite.
No dia do roubo, a casa da Gringa
arejava sozinha, não respondendo minhas palmas na porta da frente. Ao contorná-la
pelo lado, eis que a ocasião se oferece ao menino do interior, dotado até então
de um caráter impoluto.
Com certa dificuldade, guardei o objeto em
meu bolso. Em casa, escondi-o dentro da malinha de papel, sob as roupas
dobradas. Na verdade, roubara algo que não usaria certamente. Assim que
retornei da escola no outro dia, um dos primos veio ao meu encontro com a
pergunta avassaladora “Onde você escondeu o cadeado?”. O rubor tingiu meu rosto
branquelo antes que balbuciasse qualquer coisa muito próxima da confissão. Ele
disse mais: “A mulher está esperando por você, vai lá para devolver-lhe o
cadeado”.
De repente, o mundo ficou pequeno ante
a vergonha que tomou conta de mim. Alguns riam, outros fechavam o cenho ao me
verem naquela situação embaraçosa ao extremo. A saída menos desonrosa foi
devolver o cadeado para sua dona.
Trêmulo como uma vara verde, pedi-lhe
desculpas. Em seguida, Gringa me dirigiu um sermão sobre não roubar mais, cujo
conteúdo moral passou a constituir minha personalidade doravante. Ela flagrara
minha ação reprovável de outra casa, e só não registrou um Boletim de
Ocorrência por compaixão. Sua filha, disse-me ela, era minha colega de aula,
onde talvez sofresse constrangimento ainda maior, a ponto de dar outro rumo à
minha vida. Ela manteve a discrição. Uma pessoa que gostaria de reencontrá-la já
velhinha nestes dias.
A experiência foi como um fogo que me
marcasse o ser para a vida toda. Nunca mais peguei às escondidas o que
pertencesse aos outros. Com um comportamento assim orientado, desenvolvi uma
ojeriza pelos ladrões contumazes, do assaltante à mão armada ao político
corrupto e corruptor.
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