O Bom Retiro pranteia a morte de uma pessoa
muito estimada pela comunidade. A igreja se torna pequena para abrigar todos os
presentes ao rito cristão da despedida. O sino bate repetidamente três vezes,
enquanto a tarde cai azulíssima e fria.
Durante o velório, uma hora atrás,
deixei o salão e fui ao cemitério. (Não sei explicar este gosto de visita-lo
sem a presença dos vivos.) O vento farfalhava as árvores debruçadas sobre o
muro tomado de limo, para quebrar a mudez sepulcral que envolvia túmulos e vias
de pedra grês. Outra vez, vi todas as fotos em sépia dos falecidos nos últimos
setenta anos (desde a construção do cemitério). Mais que ver, li o nome e as
datas de início e fim da vida de cada um.
O primeiro ato de minhas reflexões, entre
um sepulcro e outro, resumia-se a recordar como eram as pessoas ali fotografas
em seu tempo. Caso não as tivesse conhecido, num segundo ato, pensar no que
fizeram em vida, na causa de morrerem mais cedo (algumas) Mesmo não as
conhecendo outrora, num terceiro ato, concluir que os dados biográficos
(impressos na louça) são um ponto em que se apoia a lembrança de seus parentes.
Fotos e datas constituem agora o único registro contra o esquecimento
inexorável.
No fim da avenida central (que começa
no portão de entrada), encontro o túmulo de alguém que me é muito especial.
Nesse momento, a racionalidade cede lugar à emoção, o filósofo volta a ser
gente sensível, e meus olhos manam uma dor que persiste depois de treze anos. As
rosas artificiais me parecem demasiadamente tristes para enfeitar o nicho com a
foto da minha mãe. Ela gostava tanto de flores naturais.
O cortejo deixa a igreja, segue pela
estrada a rezar o Terço. O cemitério o espera com o portão aberto. O vento
continua a violar o silêncio da tarde – azulíssima e fria.
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