A
viagem se torna melhor ao reconhecer a importância das pessoas que dividem
comigo os mesmos espaços dentro do trem que conduz a todos os vivos. Esse
reconhecimento ocorre desde que alcanço um grau superior de empatia, de
outridade.
Infelizmente,
as paradas se sucedem ao longo do itinerário reto ou tortuoso que segue a vida,
onde e quando desce alguém que me acompanha há mais ou menos tempo. Sua
ausência é logo sentido com uma intensidade que o esquecimento é incapaz de
preenchê-la ou ao menos mitigá-la por meio de mecanismos psicológicos, como a
crença em vida-além, racionalizações, deslocamentos etc.
A
saudade daqueles que deixaram de viajar comigo não cede com a passagem dos
anos. Malgrado saber acerca da impermanência de tudo, penso e sinto que
desceram um pouco cedo, antes de vivenciarem mais a tão merecida felicidade.
O
exemplo da minha mãe é muito doloroso. O choro que ainda emerge nos olhos,
todavia, em nenhuma vez foi motivado pelo sentimento de desamparo, eu sem a minha
mãe. Sempre a justificar meu lamento, tenho a impressão de que ela poderia
continuar a viagem, com a minha companhia (e com os demais que lhe eram queridos).
Dona
Dalva encima uma lista de nomes que cresce a cada estação: (avós) Firmino,
Dorilda, Camilo e Maria; (tios) Mário, Cela, Dono, Moça, Ladi, Gentil, Dilo,
Lili, Raul, Antônio, Cema, Diolindinha, Antenor, Gelindo e Ana; outros
parentes, amigos e conhecidos. Certamente, em alguma das paradas futuras,
passarei a fazer parte dessa relação.
Natal,
que impressionou deveras minha infância, era especial e também inesquecível. O
ano de 1973 marcou o fim de sua viagem, quando fui estudar na cidade. Ele vinha
do outro lado do rio, com a mala de garupa cheia de bergamotas grandes e doces.
Alcoolizado e faminto, ensinava a todos que o melhor prato era exatamente o
servido a ele fora de hora pela minha mãe: feijão, arroz e ovo frito. No dia
seguinte, completamente bom, trabalhava no cultivo da horta ou do roçado. Aos
domingos, levava-me para pescar no Rosário ou para procurar enxus gordos de mel
nos capões e matas do rincão. O antirracismo foi outra coisa que aprendi com
Natal, em razão da cor de noite da sua pele e da clareza meridiana de sua alma.
Especial e inesquecível.
A viagem continua – para a felicidade
minha e dos demais. A companhia é que nos faz mais felizes. Alguém poderá
descer numa próxima estação – o que é sempre lamentável. Todavia, há uma grande
expectativa para saber quem subirá, quem viajará ao nosso lado.
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