quinta-feira, 23 de maio de 2013

LITERATURA (QUE É?)

A palavra "literatura" não escapa da tendência moderna de vulgarizar pela ampliação dos significados. Os grandes dicionaristas locupletam seus verbetes, juntando alho e bugalho sem pudor algum. Corre-se o risco de um vocábulo significar uma coisa e seu contrário a um tempo. 
Literatura é arte (e ponto). A partir dessa definição, toda referência ao termo deve levar em consideração seu predicativo "é arte". Qual a matéria-prima a ser manipulada e transformada pelo fazer literário? A palavra, claro. Não a mesma palavra articulada na conversação diária, como instrumento sociocomunicativo, ou impressa numa notícia, num obituário ou num artigo científico. O gênero textual, para ser considerado artístico, necessita de uma propriedade especial, denominada literariedade (ou o que justifica a presença de arte na expressão verbal, segundo Roman Jakobson). 
A palavra com teor literário é excepcional, que exige muita transpiração para seu domínio e execução. Há textos e textos não literários, produzidos por bons escritores que não são, necessariamente, literatos. Não literário, na medida em que não possuem as características essenciais da literatura. Alguns livros bíblicos não são tidos como literatura, no entanto o são de qualidade superior. No extremo oposto, escritos atuais com o fito literário não apresentam uma única característica que confirme o êxito do autor (certamente, um neófito na arte). Por que atuais? As intenções malsucedidas do passado foram eliminadas pelo tempo - essa verdadeiro crítico, contra o qual não há despeito ou acusação. 
Por falar em palavra com teor literário, vale lembrar a que inicia o melhor romance brasileiro: nonada. De uma forma extraordinária, ela antecipa toda a literariedade de Grande sertões: veredas, de João Guimarães Rosa.  
Para saber mais o que seja literatura, arte literária, é necessário saber o que seja arte, sempre com o cuidado de relacioná-la à sua especificidade verbal. A generalização de que literatura constitui toda a palavra escrita é um absurdo, na medida em que ignora o trabalho da ressignificação. 
(A única referência bibliográfica consultada para a elaboração do texto acima foi A propósito da literariedade, de Inês Oseki-Dépré, para me referir a Jakobson.)

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