4. Na Poética,
Aristóteles dá à mimese — arte imitativa — um importante papel tanto para o
conhecimento com para a ética-política. Exemplo disto é a definição que ele
apresenta de Tragédia em Vi, 1499b. Eis um aspecto que diferencia o estagirita
de seu mestre. Tendo em mente tal diferenciação do papel da mimese —
principalmente a dos poetas trágicos e homéricos — em ambos os pensadores,
apresente uma dissertação de trinta (30) a cinquenta (50) linhas comparando as
posições de ambos. (5,0 pontos)
MÍMESIS – UMA
DICOTOMIA FUNDADORA
Muitas
e incontornáveis divergências caracterizam o pensamento de Platão e de
Aristóteles, a despeito de pertencerem ao mesmo período clássico da antiga
Grécia. Assim ambos são representados pictoricamente por Rafael Sanzio em Escola de Atenas, pintada em 1509, em
que Platão aparece apontando o indicador para o alto (mundo ideal, inteligível)
e Aristóteles estende a mão para baixo (mundo real, sensível).
Uma
das divergências entre os dois filósofos se evidencia no tratamento dado à arte
imitativa, à mímesis. Na obra A República, onde há metafísica,
teologia, psicologia, arte, educação, moral etc., Platão é recorrente ao tema
da imitação, submetendo-o ao dialogismo no Livro III e no Livro X (neste mais
demoradamente). Depois de atribuir três gêneros de narrativas na poesia e na
prosa, dentre os quais um inteiramente imitativo (adequada à tragédia e á
comédia), a razão socrático-platônica discorre sobre a imperfeição de toda
imitação, simulacro de simulacro, concluindo por não permitir que qualquer que
seja o imitador permaneça na sua cidade ideal. No entanto, ao admitir uma forma
pura de imitação, quando se trata de imitar o bem, Platão submete a estética à
moral. Aristóteles, em contrapartida, define a arte como “uma disposição
suscetível de criação acompanhada de razão verdadeira” (Ética a Nicômaco, VI). No Livro X, o diálogo entre Sócrates e
Glauco é categórico:
Sócrates – E se afirmo que a nossa cidade foi fundada
da maneira mais correta possível, é, sobretudo, pensando no nosso regulamento
sobre a poesia que o digo.
Glauco – Que regulamento?
Sócrates – O de não admitir em nenhum caso a poesia
imitativa.
A
arte não está separada da moral: “Sócrates – Tomemos como princípio que todos
os poetas, a começar por Homero, são simples imitadores das aparências da
virtude e dos outros assuntos de que tratam, mas que não atingem a verdade”.
O
imitador não tem, de acordo com Platão, “nenhum conhecimento válido do que
imita”. Isso seria uma premissa falsa para qualquer silogismo aristotélico,
cujo pensamento filosófico-científico tinha por base natural os sentidos, o
mundo fenomênico, a realidade. Aristóteles começa por dizer da importância das
artes de imitação, entre as quais a tragédia. Define-a, no capítulo VI da Arte Poética, como sendo “a imitação de
uma ação importante e completa, de certa extensão; num estilo tornado
agradável”. A representação dessa ação (por atores) suscita na platéia a
compaixão e o terror, o que provoca a purgação (catarse) dessas emoções.
Segundo
Luisa Severo Buarque de Holanda, para Aristóteles “as regras da mímesis poética não derivam do objeto a
ser imitado (como pensava Platão), mas do efeito, ou fim desejado pela
tragédia”.
Isso
pensado e expresso há mais de dois milênios, sem nada que se lhe assemelhasse
até o advento da Psicanálise. Aristóteles, ao contrário de Platão, não funde à
moralidade a arte imitativa. Faz desta um objeto de estudo, que ainda constitui
um referencial à estética contemporânea.
No
quadro de Rafael (supracitado), não é só a atitude gestual que distingue Platão
e Aristóteles. Aquele traz consigo o Timeu,
diálogo em que figuram as teorias mais destacadamente metafísicas, versando
sobre o demiurgo e as formas inteligíveis; este conduz Ética, em que trata da felicidade humana, sem a “exortação
enfadonha de ideias super-humanas” no dizer de Will Durant.
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