terça-feira, 19 de outubro de 2010

OUTUBRUAZUL


Mais uma vez, escrevo sobre as manhãs de outubro. Por que são tão azuis? A resposta vai do extremo poético ao referencial. As manhãs de outubro são mais azuis, ou devido a um estado contemplativo de quem as observa, ou à posição intermediária da Terra (tanto em seu eixo de rotação quanto em sua órbita translacional). No aspecto da Física, o planeta ocupa uma posição correspondente seis meses depois, o que faz abril ter manhãs tão azuis quanto às de outubro. A primavera é decisiva, no entanto, como fator de desempate pró-manhãs de outubro. A estação das flores melhor condiciona o observador. Este sai a caminhar entre 7 e 8 horas, quando as ruas, ainda vazias de gente e de automóvel, são viveiros de pássaro. A temperatura agradável (pena que não se mantém assim ao longo do dia). O poeta vê o céu em toda sua azulidade. Inspira profundamente o ar ainda umedecido pela orvalhada. O efeito desse passeio pode ser um pensamento, uma reflexão, um poema. Com a alma inundada pela manhã, o poeta (e pensador) se questiona sobre pessoas que acordam tarde, sobre pessoas não contemplativas, sobre pessoas desconfiadas com os próprios sentidos, sobre pessoas crentes numa outra vida. Nietzsche, que foi filósofo e poeta, associava tais pessoas ao niilismo disfarçado de eternidade. Até falam de amor, mas odeiam a vida, acusando-a por todo sofrimento. Incapazes de compreender a existência como fenômeno estético, como algo que se justifica por si só. Eu vivo, e isto basta. Mas vou além: sou a própria vida que se vê com aprovação. A beleza está em mim, mas ela precisa de um quadro, como o das manhãs azuis, onde possa se refletir. Apenas para saber disso vale a pena ter nascido (parafraseando um verso pessoano). Simplificação exagerada? Penso que não, caríssimo visitante.

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