Uma cena do filme Limite vertical, protagonizada por três alpinistas (pai e filhos),
ilustra uma situação em que o estresse é elevado ao paroxismo, quando se é
obrigado a tomar uma decisão extremamente difícil.
Um acidente provocado por terceiros, que escalavam
a montanha como amadores, resultou que todos ficassem pendurados numa única
corda junto ao paredão rochoso. Na iminência de o gancho se soltar com o peso,
o pai faz uma manobra com o corpo, e os dois rapazes abaixo dele despencam para
a morte. A filha não consegue a fixação de outro gancho, e o pai ordena o filho
(imediatamente acima) para apanhar a faca e cortar a corda. Com a faca na mão,
Peter reluta em obedecer à ordem fria e calculista. Sujeito às emoções mais
intensas, ouve a súplica de sua irmã para que não solte o pai. O gancho vai
aguentar – diz Annie chorosa.
O filme é interrompido deliberadamente, para
que o espectador decida se cortaria ou não a corda caso estivesse no lugar de
Peter.
Ainda desconhecendo o desfecho da célula
dramática, sou instado a responder sim ou não e por quê.
Confortavelmente sentado num sofá, minha
resposta hipotética (qualquer que seja ela) talvez não corresponda à exigida pelo
momento cumulado de tensão, de emoções prementes e contraditórias. Certamente,
ficaria dividido entre obedecer a meu pai (lançando-o no abismo) e esperar um
pouco mais.
Incapaz de ter o mesmo discernimento racional
do pai, sob o domínio emocional, Peter cortará a corda, todavia forçado pelo
instinto de sobrevivência pessoal (ante o qual inexiste princípio ético que
contemple a alteridade).
Sem viver o risco de morte semelhante ao
encenado em Limite Vertical, posso
adiantar que hesitaria mais tempo em cortar a corda, a ponto de cairmos os três
ou de nos salvarmos por um acaso minimamente possível.
* * *
A cena dramatizada pelo filme me fez lembrar de outro acidente famoso, o naufrágio do navio Titanic (também transformado em filme). Os alpinistas, pai e filhos, subiam o paredão rochoso a cantarolar uma canção dos anos sessenta. Felizes com o que faziam naquele momento. De repente, segundos depois, os três se encontram prestes a cair para a morte. O filósofo Clèment Rosset escreve em A lógica do pior sobre a "potência cômica" suscitada pelo ocorrido na noite de 14 para 15 de abril de 1912. Antes de se chocar contra um iceberg no Atlântico, a orquestra do navio tocava alegremente valsas, galopes e polcas. Com o inafundável Titanic a sossobrar, os músicos trocam o repertório para alguns cânticos: Mais perto de Ti, meu Deus, mais perto de Ti. No caso de Limite vertical, os personagens trocam a cantoria pelo choro.
As situações em que nos deparamos com problemas sérios são muitas ao longo da vida. "Viver é negócio muito perigoso", diz Riobaldo em Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa. Da parte que me cabe, algumas situações eu jamais enfrentaria, exatamente pelo perigo apresentado por elas. Nunca escalaria montanhas com cordas, mosquetões, grampos... A queda de um metro já é suficiente para me machucar.
Dentro do automóvel, a dirigir numa velocidade de 80km/h, equivale a subir um metro numa escalada vertical. A 100km/h, a cinco metros. A 120km/h, a vinte e cinco metros. A 140km/h, a 625 metros. Quanto maior a velocidade, mais perigoso se torna o acidente (uma possibilidade não descartável).
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