domingo, 30 de novembro de 2014

MODA, MODISMO...

A maneira mais ou menos semelhante de as pessoas se vestirem - em determinado tempo e lugar - constitui  a moda, a qual representa, desde sempre, um fator de agregação social. Nos últimos anos, todavia, ela involui do igualitário para o tendencioso, individualizante. 
No Bom Retiro, nas décadas de sessenta e setenta, os pais compravam o tecido na cidade, e as mães costuravam as roupas, que vestiam os filhos. Às vezes, coincidia a compra do mesmo tecido entre duas ou três famílias, uniformizando a criançada, que rumava feliz para a Festa de Março. As crianças que iam da cidade, mais espertas, apontavam o dedo e riam dos simplórios, cascas-grossas, usando camisas, calças ou vestidos iguais. No campo, a moda não era vista como tal, determinada pela escassez da oferta e igual condição da procura (por motivo econômico). 
Neste ano, o modismo é a confecção de diferentes peças com o mesmo tecido. Isso pode ser visto nas butiques mais chiques de Santiago. 
Obviamente, essas peças feitas com o mesmo tecido se destinam a um único usuário. Nada é mais escandaloso no universo feminino que duas mulheres com vestes iguais. 
O modismo, mais que agregar socialmente, denuncia o individualismo radical, que passa a caracterizar a moral pós-moderna.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

EGOLATRIA OU DESENCANTO

"Numa cidade com poucos leitores", escrevi há três anos, "toda publicação textual requer certa ousadia". Obviamente, mais que coragem ou temeridade, o autor deve ter em alta conta sua produção intelectual. A falta de quem lê, por um lado, comprime o sujeito da enunciação contra seu próprio centro, e por outro, impossibilita o feedback crítico, tão necessário contra a superestimação própria. No primeiro caso, o enunciador corre o risco do desencanto. No segundo, da egolatria. 

NOTA 10


Em 1972, no Rincão dos Machado, meus pais resolveram me mandar para a cidade, com o objetivo de continuar com os estudos regulares. Até aquele momento, os filhos permaneciam no campo, após concluir o Primário (até o 5º ano). Concomitantemente com a necessidade de mão de obra para cultivar a lavoura, havia a dificuldade de manter alguém da família na cidade (a despeito da escola pública). Uma das possibilidades era hospedá-lo na casa de um parente, onde pudesse trabalhar nos turnos opostos às aulas. Foi o que aconteceu comigo no ano seguinte. Minha predisposição para os estudos, demonstrada desde criança, trouxe-me para Santiago. Na casa de meus tios, fazia de tudo, como varrer o pátio, lavar roupas, vender doces na Zona etc. No Colégio Polivalente, as melhores notas continuavam a figurar no boletim. Logo descobri a biblioteca, forçado pela vontade de conhecimento e pelo bolso (que me impedia de frequentar a cantina da escola). Naquele recanto tão silencioso (e vazio), iniciei minha vida de leitor, devorando romances e enciclopédias. Nunca mais deixei de ler, hábito saudável que me fez cursar Letras e, agora, Filosofia (cursos que estão longe de abranger o conhecimento que adquiri autodidaticamente). 
A ilustração acima é da página da Universidade Sul de Santa Catarina, print screen das notas de duas avaliações (a distância e presencial), que fiz na disciplina de Cenários Contemporâneos.    

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

FEIRA DO LIVRO DE SÃO LUIZ GONZAGA


Ontem estive presente na abertura da 38ª Feira do Livro de São Luiz Gonzaga, ondem lançarei meu Palavras de fogo no domingo, às 18 horas.
O lema e o período de duração da feira constam no folder acima. O patrono é Jauri Gomes de Oliveira, que foi prefeito da cidade e idealizador do evento cultural em 1977 (primeira edição da feira).
A feira é patrocinada pela ENDESA CIEN, empresa de energia elétrica, que "apoia e desenvolve programas de educação, saúde, criação de renda e democratização do acesso à cultura própria de cada comunidade".
Na livraria Inove, eu e Erilaine encontramos Danci Caetano Ramos, neta de Laurindo Ramos, poeta homenageado na Rua dos Poetas, em Santiago. Danci reside em Porto Alegre, tem vários livros publicados. Ela declamou seus últimos poemas e disse-nos quais seus autores preferidos, entre os quais Aureliano de Figueiredo Pinto.
Uma feira de livro, pensava durante o retorno para Santiago, está no caminho para transformar nossa sociedade, que ainda não viveu seu estágio iluminista. A rodovia entre São Luiz e Bossoroca também contribui para que continuemos um pouco atrasados (quase medievais, considerando-se o domínio religioso). 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

SUPERINTERESSANTE


A Superinteressante oferece aos assinantes uma edição especial sobre o Universo, com as melhores reportagens publicadas ao longo de 27 anos da revista. A primeira delas é ilustrada por infográficos e subdivide-se em três partes: Como nasceu o Sistema Solar; A história da Terra; e O fim da odisseia terrestre. Nesta última, há a previsão mais realista sobre a vida: a fusão de Hidrogênio no interior do Sol provoca explosões de energia "que hoje torna a Terra habitável, mas não por muito tempo". 
Outra matéria, Segundas dimensões, traz a ilustração acima, a qual tira a minha dúvida quanto à seguinte questão: Considerando-se que o Universo está em expansão acelerada, como explicar que nossa galáxia, a Via Láctea, aproxima-se de Andrômeda?

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

QUANDO COMO POR QUÊ?

– Minha bisavó fugiu de casa há cem anos. Para ser mais preciso, há cento e poucos anos. Cem anos fazia na primeira vez que calculei há quanto tempo ela havia fugido de casa. De lá para cá, passaram-se oito anos. Nas outras vezes, os cem anos redondos eram suficientes. Não mais agora.
         A Cristina me pergunta qual é a importância do tempo na história de minha bisavó.
         – É importante. Antes dos cem anos, sua história era o escândalo da família. Depois dos cem, cento e poucos, caiu no domínio literário, pronto para ser narrado como um conto de aventura.
         Afinal, a vida imita a arte.
         – Num belo dia – para quem? – Fermina criou asas na ponta do coração. Enquanto o marido trabalhava na costa do rio, deixou os dois filhos pequenos sozinhos, montou a cavalo e desapareceu por vinte e cinco anos.
         – Vinte e cinco anos?!
         A Cris está ansiosa.
         – Ela fugiu com quem?
         – Nos cochichos de domingo à tarde, na casa do vovô, permitia-se uma resposta curta e fantasiosa: a bisavó fugiu com um mascate. Não. O mascate era um subterfúgio para o silêncio. A menina que fora abandonada pela mãe aos três anos de idade transformara-se na anfitriã das reuniões de domingo. O assunto era tabu, cuja violação provocava a ira do vovô. Tia Cela me contou antes de falecer quem foi o rapaz que levou minha bisavó. Ele também era casado, morador do Rincão. Vi sua foto na casa do irmão ainda vivo, que nada me falou, em razão da idade avançada e do Alzheimer.
         – O senhor me diz que eles fugiram a cavalo...
         – A bisavó saiu de casa a cavalo. Alguém a viu no dia da fuga. Essa foi a única informação dada ao desesperado e infeliz do meu bisavô. Após seu retorno da lavoura, Antônio a procurou noite adentro, enquanto Fermina fugia madrugada afora rumo a Cruz Alta. Ele esperava encontrá-la a qualquer hora, dia, semana, mês e ano. Em sonho, acordou algumas vezes com a volta da mulher. A ferida aberta de alto a baixo em sua alma cicatrizou com o tempo, como uma rocha amalgamada ao corpo.
         – Por que ela fugiu?
         – Querida, agora estás me perguntando muito. Um conto consegue responder pelo quando e, não satisfatoriamente, pelo como. Um romance inteiro é necessário para responder por quê. Um romance rico em imaginação. Os dados de referência são escassos, com fontes não confiáveis (do tipo diz-que-diz-que). Não se trata de transpor metaforicamente a realidade, mas de recriá-la a partir de outros elementos da narrativa.
         A grande oportunidade de se saber por que minha bisavó fugiu com outro, disso tenho certeza, foi perdida com a visita que ela fez à filha vinte e cinco anos mais tarde. Tia Cela tinha cinco anos de idade, quando aconteceu essa visita. Ao ver o avô chegar do campo, correu ao seu encontro para dar-lhe a notícia. Antônio já desencilhara o cavalo no momento em que a neta perguntou-lhe para adivinhar quem estava na casa. A menina disse-lhe o nome sem esperar pela resposta. Ato contínuo, ele tornou a encilhar o animal, pisou no estribo, alçou a perna, montou em seu cavalo e saiu para o campo outra vez. 

domingo, 16 de novembro de 2014

ANTROPOMORFISMO

O antropomorfismo, por minimamente que se expresse, prova a vontade, a fé e a razão de elevar o sujeito humano a uma condição extraordinária, ao invés de provar essa condição extraordinária.
No  âmbito religioso, principalmente cristão, o assemelhar deus e pai prova o desejo humano dessa semelhança, não a existência de deus feito pai.
No âmbito (pseudo)científico, a descoberta de exoplanetas renova a possibilidade de existência de vida fora da Terra. Por que essa forma de vida imaginada deveria ser de uma civilização - mais ou menos inteligente em relação a nós?
O nosso planeta já tem quatro bilhões e meio de anos, mas tão somente há seis milhões há a espécie de humanos, que continua submetida ao processo evolutivo.
Nenhum (pseudo)cientista levanta a hipótese de que a vida lá fora, se é que há, pode estar num estágio anterior ao desenvolvimento da consciência - das bactérias aos vertebrados, dos musgos e líquens às florestas.
Basta o assunto de vida extraterrestre vir à baila, para o homem desejar, crer ou racionalizar que há civilização em algum exoplaneta.
Isso é antropomorfismo, quase uma esquizofrenia.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

MANOEL DE BARROS


Manoel de Barros faleceu hoje em Campo Grande, MS. 
Li pela primeira vez o poeta das coisas que o ampliavam para menos, quando morei no Pantanal, transitando entre Corumbá e a capital. 
O que mais chama a atenção em Manoel de Barros é a construção semântica de impacto, como pode ser observada no fragmento de poema abaixo:

Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas
de Corumbá.
Me disse que as coisas que não existem são mais
bonitas.

Dois poetas atuais revelam a influência do sul-mato-grossense: Carpinejar e Viviane Mosé.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

REAÇÕES DIFERENTES


Pascal, que se tornou cristão depois de ser matemático, escreveu o seguinte fragmento: "O silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora"
Comte-Sponville parafraseia o autor de Pensamentos: "O silêncio eterno desses espaços infinitos me tranquiliza".
Depois de me tornar ateu, vou mais além: O silêncio eterno desses espaços infinitos me causa admiração.
Para Pascal, um sentimento comum à religião cristã (o temor); para Comte-Sponville, ataraxia ou pax; para mim, estética. 

sábado, 8 de novembro de 2014

SANTIAGO SOLIDÁRIO

Semanalmente, venho participando de uma reunião com representantes de diversas instituições locais, para fazer uma análise de como está indo a campanha Santiago Solidário e de traçar uma estratégia para melhor executá-la em vistas de seu objetivo: arrecadar R$ 1,00 por habitante de nossa cidade. Todo o dinheiro da coleta será destinado ao Asilo Santa Isabel, que necessita de reparos em suas velhas instalações, bem como de ampliação da capacidade para atender ao número crescente de pessoas asiladas. Urnas não mais empregadas pelo Sistema Eleitoral servem de receptáculo físico da campanha dentro de cada entidade/organização institucional. Depois de um mês, algumas dessas urnas foram abertas pelos coordenadores do Santiago Solidário. O coletado por elas não é nada animador, aquém da expectativa inicial (muito otimista). Anônimos santiaguenses depositam cédulas no valor de cinco, dez, cinquenta e cem vezes acima de um real (numa demonstração de alto espírito de solidariedade humana). Essas doações compensarão a atitude contrária daqueles que se abstêm de colaborar mais por falta de vontade do que por mesquinhez obviamente. A falta de vontade, nesse caso, confunde-se com indiferença e aponta para o sentido oposto da alteridade, o do individualismo radical. Sem o retorno midiático, que inclua seu nome ou sua imagem, o indivíduo não se engaja nessas campanhas beneficentes com anônima espontaneidade. Na próxima reunião, proporei que façamos outra campanha paralela e coerente com a que está em andamento: adesão ao grupo denominado Amigos do Asilo, hoje com apenas oito integrantes. Essas pessoas vêm trabalhando pelo asilo, fundamentadas na única virtude que persistiria no paraíso cristão: a caridade (uma vez que a esperança e a fé não são mais necessárias). 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

SACANAGEM*

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apresentou dados que apontam um aumento do número de pessoas que vivem na extrema pobreza.
Onde está a falcatrua?
O Instituto reteve os dados para não interferir negativamente na campanha para a presidência de Dilma Rousseff.
A pesquisa desconstrói o discurso petista de que os pobres teriam saído da pobreza com o Bolsa Família.
* Sinônimos de sacanagem: malefício, safadeza, jogo sujo, pilantragem, falcatrua...

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

TRÂNSITO MAIS UMA VEZ

Uma kombi escolar passou por mim na Rua Pinheiro Machado (ao lado do 19º GAC) numa velocidade muito acima da permitida, que é de 40 km/h. Eu transitava a 40, quando fui obrigado a dar passagem ao "bólito". Em razão do horário (7h 30min), julguei que o endiabrado condutor estaria atrasado para apanhar as crianças. Os pais deveriam saber que entregam seus filhos a um irresponsável. Depois que acontece o acidente, dizem que é uma tragédia, uma fatalidade. 
Na hora, queria ser militar da Polícia, para ir atrás do mau condutor e dar-lhe uma bronca sem tamanho. 


domingo, 2 de novembro de 2014

PEQUENA LIÇÃO DE FILOSOFIA

Muito se fala em pós-modernidade, uma nova denominação para definir a cultura presente. Entre os autores que  pensam sobre esse assunto, cito Terry Eagleton, David Lyon (com quem mais me identifico), Antony Giddens, Barry Smart, entre outros. Zygmunt Bauman, o que mais li, não é adepto da divisão "modernidade versus pós-modernidade". O sociólogo prefere designá-las de "modernidade sólida" e "modernidade líquida". 
O grande pensador da pós-modernidade, que veio muito antes dela acontecer no tempo e no espaço, é NIETZSCHE. Por quê? Foi o primeiro pensador a fazer uma crítica da razão. 
Filosoficamente, a modernidade, desde Descartes, passando pelo ILUMINISMO, e chegando ao século XX, foi uma aposta na razão, como o único instrumento da verdade. Economicamente, havia duas possibilidades para o progresso da civilização ocidental: o capitalismo e o socialismo. 
Com a "guerra fria", acirrou-se o conflito mais ideológico que bélico entre as duas potências que representavam o capitalismo e o socialismo: Estados Unidos e União Soviética. 
Os capitalistas, diga-se de passagem, nunca fizeram promessa para a melhora de vida das pessoas. O desenvolvimento científico e tecnológico propiciou esse desenvolvimento. Os marxista, em contrapartida, prometiam que os pobres do mundo se tornariam ricos, tomando e dividindo entre si os bens dos ricos.
Em 1989, com a queda do Muro de Berlin e a debaclê soviética, acabava a utopia. O socialismo, definitivamente, não conseguira cumprir com as promessas de paraíso terreno. 
Para Lyon, essa data demarca a passagem da modernidade para a pós-modernidade. Um século depois de Nietzsche ter escrito que a humanidade (especialmente nossa civilização) não evoluía para algum fim maravilhoso. 
O estado laico é o suprassumo da modernidade. Por isso, na pós-modernidade, vemos a retomada religiosa, com o movimento New Age, o fundamentalismo cristão, islâmico e o escambau.