quinta-feira, 18 de abril de 2019

PRESENTE DEPRECIADO


        O queixume de que o mundo atual é o pior dos mundos possíveis ganha uma dimensão epidêmica (que ameaça a saúde integral das pessoas atingidas pelo meme viral). Pari passu com um excesso de sensibilidade, denuncia-se uma debilidade moral, misto de cansaço e medo – por trás da queixa sistemática.
         Depois da vida, cujo valor é incomensurável, a liberdade constitui a prerrogativa fundamental do ser humano. Ela pode servir de referência de como o mundo contemporâneo é imensamente melhor que os mundos passados. Como apoio, eis o que escreve Domenico de Masi:

Se pensarmos bem, o progresso nada mais é que um longo percurso da humanidade rumo à libertação deliberada da fadiga física, em primeiro lugar, e do estresse intelectual, em segundo. Das origens da nossa história até a Idade Média, o homem conseguiu conquistar a libertação da escravidão. Da Idade Média até a primeira metade do século XX, libertou-se da fadiga. Desde a Segunda Guerra Mundial, visa à libertação do trabalho em si.

         O boom tecnológico das últimas décadas, com a máquina a realizar o trabalho de um número cada vez maior de mãos e mentes, tem propiciado um aumento do tempo livre. Novo problema: o que fazer com o tempo livre? Agora o homem não sabe ou não decide como usufruir fora do trabalho. Seu comportamento por omissão permite o preenchimento de uma agenda atribulada, onde toda liberdade é zerada pelas próprias escolhas.
         Nesse mundo em que a liberdade conquistada se perde, em razão do moral baixo, da falta de coragem e discernimento, o discurso recorrente aponta para mundos outros (onde o mito do paraíso perdido ainda faz sentido). O presente sofre uma depreciação injusta, doentia.

MASI, Domenico De. Uma simples revolução; tradução de Yadyr Figueiredo. Rio de Janeiro: Sextante, 2019, p.74.

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