O uso do telefone
celular expõe um novo modo de existência até então inibido pela
religião, pela lei, pelo socialmente correto, pela consciência de
alteridade: a do individualismo radical.
Todo indivíduo,
independentemente de idade ou condição financeira, possui um
aparelho conectado à telefonia móvel. De uma hora para outra,
criou-se a imperiosa necessidade de usá-lo. A partir desse uso
generalizado, o telefone fixo virou peça de museu, e o “orelhão”
foi arrancado da paisagem urbana.
A princípio, todo mundo ligava e
todo mundo atendia.
Essa relação de reciprocidade, todavia, logo
entraria em crise, denunciando a nova moralidade.
A percentagem de
não atendimento das ligações passou a aumentar dia após dia, e a
maior razão para que tal ocorresse não se deve à falta de tempo do
destinatário, mas à sua conveniência, ao seu interesse. (A
conveniência ganha outro nome, caso a ligação não seja
prontamente identificada no display: segurança. A clonagem de
celular é a mais séria ameaça à individualidade, tão
superestimada até então.)
Um exemplo muito claro (ou muito vivo) de
ligação inconveniente é a feita do trabalho para quem se encontra
de folga. Outros exemplos: de uma instituição bancária (com o fim
de fazer um seguro qualquer); de uma pessoa reconhecidamente chata.
À
exceção dessas ligações, em que se justifica o não atendimento,
a inconveniência é puramente subjetiva, premeditada. Tal
subjetividade é cada vez maior (e menos justificada), diretamente
proporcional à livre expressão do individualismo.
O último momento
desse individualismo é facilmente visualizado na mania que toma
conta dos usuários de todas as nacionalidades: selfies, ou a
fotografia tirada de si mesmo com o celular. A propósito, o recurso
veio incrementar o Facebook, uma rede de exposição despudoradamente
individual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário