Transcrevo abaixo a crônica de Erilaine Perez, publicada no Expresso Ilustrado nesta sexta-feira.
É outono outra vez. Os passarinhos cantam a alegria das goiabas. O verde das folhas se prepara para dormir junto à terra e acordar mais vivo na próxima primavera. A existência amadurece os tons, para enfrentar o frio que logo chegará. Meus ouvidos e olhos contemplam o milagre se repetir pela trigésima terceira vez.
Inversamente ao ciclo representado pelas estações, fui rebento outonal. Nasci sobre a fecunda jazida dos plátanos: um céu diferente, crispado de estrelas amarelas! Sobre esse berço etéreo, assim como as folhas, estive adormecida até a chegada da primeira primavera. Experimentei a consciência de ser junto com a chegada das flores. O gozo do movimento sobre as próprias pernas, já era verão. E nunca mais deixei de caminhar!
Porém, percebo que algo funciona diferente em relação a mim: estação a estação, sinto que passo, mas não me repito. Àquele sono inicial (necessário a minha plena formação), jamais poderei retornar. Nem às pernas, sobre as quais me ergui da vez primeira, poderei. Elas já não são as mesmas. E, a cada ano transcorrido, também eu não sou. Em frente ou atrás das retinas, a novidade de cada dia continuará a fazer de meu espelho o porto de suas andanças.
Diferente disso (e indiferente a isso), porém, o clima retornará a sua primitiva sazão, em jovialidade, temperatura e cor. Tudo o que é vivo e reflete espargirá pelos ares as luzes de uma história que se repete desde o tempo em que eu não era. A incerteza sobre o benefício ou malefício dessa constatação é a grande questão que vai me acompanhando a caminhada... Longe de chegar à resposta, alegro-me hoje, junto aos pássaros da goiabeira, mantendo a esperança verde-amarela dos plátanos que sonham, a cada outono, com novas primaveras.
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