"Como as leis e normas que regem a sociedade não são mais transcendentes nem reveladas, sua legitimidade exige que sejam, no mínimo, viáveis. Podem ser intranscendentes, mas não inconsistentes; podem não ser universais, mas sua aplicação em geral tem que ser, pelo menos, possível e desejável.
"Pois bem, é exatamente isso o que não são e não têm sido as muitas propostas que pretendiam transformar os países pobres em países ricos e que se anunciavam sob o gasto lema: 'Não lhes dê o peixe, mas os ensine a pescar'. Ou seja: 'Não os ajudem, mas providenciem caniços e confiança, modernize-os, estimule a produtividade e controle de natalidade, de modo que cheguem um dia a ser países desenvolvidos como os nossos'.
"De uma coisa esses novos postulantes do 'desenvolvimento' se esqueceram: no dia em que todos os países pudessem se comportar assim como países desenvolvidos, é pouco provável que algum deles pudesse continuar a sê-lo. A quantidade de recursos explorados e de resíduos gerados logo transformaria o mundo num deserto, e o esgotamento da biomassa seria uma questão de meses...
"[...] Trata-se de dar-lhes peixe para pedir que não pesquem; de comprar seu silêncio para não ter que comprar suas frutas; de mantê-los na dependência para evitar sua competição.
"[...] É bem verdade que a superpopulação e a superexploração dos recursos nos países pobres também representam um perigo para a estabilidade global e para seu desenvolvimento sustentável. A extrema pobreza leva à desertificação 'haitiana', sem dúvida. Mas o fato é que a extrema riqueza conduz igualmente, embora por outros caminhos, ao desflorestamento 'canadense'.
"[...] Ou seja: alguns não podem respeitar seu ambiente, pois precisam comer hoje; os outros não têm interesse em respeitá-lo, pois precisam manter suas taxas de lucros até depois de amanhã."
* Título do capítulo 23, do livro Deus entre outros inconvenientes, de Xavier Rubert de Ventós.
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