domingo, 6 de novembro de 2011

CAIS DA CINTURA

Dorme em minha reza
até minha voz desaparecer
em tua respiração.
Dorme que ainda não sou real.
Não te mantenho acordada.


Vivo das palavras
que não me recordo inteiras.
Recolho o vazio das garrafas,
artefando asas
com os restos de mel e cevada.


Permanece imóvel
enquanto parto.
Os arames do ar,
sem o disparo de tua boca.


A água se arredonda como pedra,
mas não há limo
para mantê-la de pé.
A água poderia ser figo
se não tivesse tanta pressa.


Prendo o ritmo
no tambor da seiva.
Não coincidimos 
nos olhos.


Almavas o corredor.
O perfil de cisne,
a pluma dos gestos
e as tâmaras.
Tua elegância me isolava.


Na trégua do temporal,
o assoalho de vozes.
A vida é uma trégua
ou o fim dela?


Dorme, como quem joga
cabra-cega com meus mortos.
Dorme, até tua solidão
adubar a minha.


As solas do sol
pisavam os olhos.


Reconheci a antiguidade do teu rosto
pela fumaça apressada do prado -
ela encorpava,
ardilosa,
uma cobra que endurece
o couro
na estocada da faca.


Como as vinhas,
vou engolindo as sobras,
carregando as uvas ressequidas.


Deixo a esponja do pulso
no balde dos invernos
com as honrarias
de uma bússola.


Minhas córneas bovinas
param a estrada.

(Do livro As solas do sol, de Carpinejar)

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