Dorme em minha reza
até minha voz desaparecer
em tua respiração.
Dorme que ainda não sou real.
Não te mantenho acordada.
Vivo das palavras
que não me recordo inteiras.
Recolho o vazio das garrafas,
artefando asas
com os restos de mel e cevada.
Permanece imóvel
enquanto parto.
Os arames do ar,
sem o disparo de tua boca.
A água se arredonda como pedra,
mas não há limo
para mantê-la de pé.
A água poderia ser figo
se não tivesse tanta pressa.
Prendo o ritmo
no tambor da seiva.
Não coincidimos
nos olhos.
Almavas o corredor.
O perfil de cisne,
a pluma dos gestos
e as tâmaras.
Tua elegância me isolava.
Na trégua do temporal,
o assoalho de vozes.
A vida é uma trégua
ou o fim dela?
Dorme, como quem joga
cabra-cega com meus mortos.
Dorme, até tua solidão
adubar a minha.
As solas do sol
pisavam os olhos.
Reconheci a antiguidade do teu rosto
pela fumaça apressada do prado -
ela encorpava,
ardilosa,
uma cobra que endurece
o couro
na estocada da faca.
Como as vinhas,
vou engolindo as sobras,
carregando as uvas ressequidas.
Deixo a esponja do pulso
no balde dos invernos
com as honrarias
de uma bússola.
Minhas córneas bovinas
param a estrada.
(Do livro As solas do sol, de Carpinejar)
Nenhum comentário:
Postar um comentário