segunda-feira, 17 de junho de 2019

REMEMBER


NATUREZA, ARTIFÍCIO E UM SENTIMENTO


         A tecnologia exerce uma atração em mim desde a infância, quando vivia cercado pela natureza excedente do rincão. Toda vez que o ronco de um motor cortava o silêncio da manhã, eu saía para fora na expectativa de ver algo diferente. Eufórico, gritava para as irmãs me ajudarem a identificar o monomotor a cruzar a abóboda azul.
         Aos onze anos, conheci a cidade no outro lado do horizonte. O mundo se ampliava para além das linhas alcançadas pelos meus olhos carentes de lonjuras. Em meio a tanto barulho, movimento e reflexo, de repente me vi desorientado num âmbito completamente outro.
         No segundo dia, um avião cruzou o céu muito próximo da casa em que estava hospedado no Alto da Boa Vista. Ao vê-lo tão baixo, corri na direção em que ele sumia por detrás dos eucaliptos. Sem me dar conta, atravessei uma colina (hoje completamente urbanizada), passei por duas ou três cercas de arame, até enterrar minha botinas na lama de um açude grande que desbordava inutilmente.
         Em meu retorno, fui recepcionado por uma turma que se formara logo depois de alguém me ver correndo na direção do aeroporto. Não entendi a zombaria toda, a assimilar o riso sem o rubor que acompanha o momento da humilhação. Ainda tinha a ingenuidade de uma criança, de uma criança nascida e criada no interior antes da eletricidade, do rádio e da televisão.
         Em Curitiba, há dois aeroportos: Afonso Pena (para voos internacionais) e Bacacheri (para aviões de pequeno porte). Todas as noites, ouço e vejo as aeronaves passarem muito próximas do prédio em que estudo filosofia, no centro da Capital. Todos os dias, ouço e vejo jatinhos e monomotores a cavaleiro do meu bairro. Ainda sou tomado pelo prazer de ouvir o ronco dos motores desses aviões grandes e pequenos, de vê-los suspensos no ar como por milagre.
         O rincão me trazia dentro naqueles anos distantes. À medida que passei a conhecer o mundo, ele foi se apequenando em sua dimensão geocultural. Hoje está protegido dentro de mim, virou um sentimento.  

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