NATUREZA, ARTIFÍCIO E
UM SENTIMENTO
A tecnologia exerce uma atração em mim
desde a infância, quando vivia cercado pela natureza excedente do rincão. Toda
vez que o ronco de um motor cortava o silêncio da manhã, eu saía para fora na
expectativa de ver algo diferente. Eufórico, gritava para as irmãs me ajudarem
a identificar o monomotor a cruzar a abóboda azul.
Aos onze anos, conheci a cidade no
outro lado do horizonte. O mundo se ampliava para além das linhas alcançadas
pelos meus olhos carentes de lonjuras. Em meio a tanto barulho, movimento e
reflexo, de repente me vi desorientado num âmbito completamente outro.
No segundo dia, um avião cruzou o céu
muito próximo da casa em que estava hospedado no Alto da Boa Vista. Ao vê-lo tão
baixo, corri na direção em que ele sumia por detrás dos eucaliptos. Sem me dar
conta, atravessei uma colina (hoje completamente urbanizada), passei por duas
ou três cercas de arame, até enterrar minha botinas na lama de um açude grande
que desbordava inutilmente.
Em meu retorno, fui recepcionado por
uma turma que se formara logo depois de alguém me ver correndo na direção do
aeroporto. Não entendi a zombaria toda, a assimilar o riso sem o rubor que acompanha
o momento da humilhação. Ainda tinha a ingenuidade de uma criança, de uma
criança nascida e criada no interior antes da eletricidade, do rádio e da
televisão.
Em Curitiba, há dois aeroportos: Afonso
Pena (para voos internacionais) e Bacacheri (para aviões de pequeno porte).
Todas as noites, ouço e vejo as aeronaves passarem muito próximas do prédio em
que estudo filosofia, no centro da Capital. Todos os dias, ouço e vejo jatinhos
e monomotores a cavaleiro do meu bairro. Ainda sou tomado pelo prazer de ouvir
o ronco dos motores desses aviões grandes e pequenos, de vê-los suspensos no ar
como por milagre.
O rincão me trazia dentro naqueles anos
distantes. À medida que passei a conhecer o mundo, ele foi se apequenando em sua
dimensão geocultural. Hoje está protegido dentro de mim, virou um sentimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário