quinta-feira, 26 de setembro de 2013

CONSIDERAÇÕES SOBRE A POESIA

Ente entre os entes, evoluindo ao longo de alguns milhões de anos, o homem criou a linguagem, a palavra articulada ou escrita. A partir desse instrumento, ele se tornou um ente especial. O mundo adquiriu um significado comunicável. Nesse aspecto, a linguagem é uma construção tropológica, uma metáfora fundadora. Em determinado momento da antiguidade romana, por exemplo, a palavra rius passou a significar o curso de água (relativamente volumoso). A coisa em si, ou melhor, o que aparece da coisa em si é transposto para o âmbito verbal, cujo emprego sistemático fixou-se como referencial.
Paralelamente à apreensão da realidade fenomênica, a linguagem serve para o melhor entendimento entre seus usuários, efetivando-se nas relações cotidianas, superficiais. Para viabilizar "relacionamentos mais profundos", Goethe escreve, outra linguagem passou a ser engendrada dentro da linguagem mesma - a poética. A palavra rio, mais que representar um curso de água, foi empregada para significar outro fenômeno (natural ou não), que realiza um fluir constante. Essa ampliação semântica por associação constitui a metáfora.
O meu poema TEMPO

O tempo é rio, e o homem, um barqueiro,
sempre contido pelas margens, sempre
guiado pela vívida corrente
até o mar imenso e derradeiro.

Ele manobra o barco inutilmente,
esperançoso de um lugar costeiro
com águas mansas, porto hospitaleiro,
onde a felicidade...
                                   Profluente,

o rio continua seu deságue
- devir que impõe ao ser a condição
indefinida entre o terror e a blague.

Além das margens, o desconhecido,
a singularidade, o tempo não
há fora do homem (pelo tempo ungido). 

começa com um símile, que já é o segundo passo para a constituição metafórica: o tempo é rio. (O primeiro passo é a comparação, em que aparece a partícula "como".) A metáfora pura ocorre, literalmente, com um salto significativo: o rio continua seu deságue. A palavra tempo foi substituída. O termo substituto, rio, arrasta outro, deságue, com o qual mantém uma relação semântica. O verso todo, que uma sucessão sintagmática, transforma-se em discurso poético.
O poeta é o sujeito desse discurso, cuja forma se distingue da prosa pela disposição paralelística, pela recorrência da medida e da rima.
Na efetivação de "relacionamentos profundos", a linguagem da poesia excede a função comunicativa, para constituir uma expressão estética, capaz de sensibilizar os espíritos mais contemplativos.       



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