quinta-feira, 27 de junho de 2013

A PALAVRA COMO FIGURAÇÃO DO SER

"Capaz de articulação discursiva e de palavra, o homem é naturalmente expressivo da sua descoberta original da existência, constituindo a poesia, no entender de Heidegger, o dizer genuíno e ontologicamente mais significativo, pois que vocacionado para explicar possibilidades existenciais abertas pelo sentimento de situação, ou seja, pela experiência de se encontrar já sendo e a ter de ser.
"Na mesma linha de reflexão e explorando a mediação linguística e hermenêutica da cultura na elucidação do sentido da existência, abriu a filosofia de (Paul) Ricoeur fecundas perspectivas sobre a metáfora e a narrativa enquanto imitação (mimesis) criadora da ação, através da qual o sentido do ser como tempo se refigura e reinventa. [...]
"A metáfora explicita a riqueza do ser, descobrindo novas possibilidades e enunciando-as numa predileção pertinente. Ela constitui assim, como viu Aristóteles, uma mimesis da ação, a figuração do acontecer vivo do ser, eclodindo e manifestando-se onticamente através da atualização de possibilidades. [...]
"É que, como também viu Heidegger, a palavra, no seu sentido originário e criador, não é um ente, mas um evento, esse mesmo pelo qual coisas e mundo são na sua diferença. Ela pertence, por isso, como o tempo, de que é a flor e o fruto, à ordem do constituinte, sempre já pressuposto pelo trabalho de constituição da consciência racional. Escapando como aquele à vontade de domínio desta, é a palavra que, jorrando de modo imprevisível dos abismos do fluxo temporal, propõe à imaginação novos modos de fazer aparecer o ser em configurações insuspeitadas de sentido.
"Há, assim, na linguagem, como salientou Gadamer, um poder e um querer-dizer, que superam todo o conteúdo proferido: trata-se da força universal de compreensão e de revelação do ser, tal como ocorre em cada língua particular. No poema, na ficção, a língua continua a falar, para lá do já dito, exercendo um poder-ser, que supera todo o dado efetivo."
(Do livro Introdução à Ontologia, de Mafalda de Faria Blanc.)

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