O tempo (Cronos) é implacável: os
grisalhos e as rugas me colocam no outono definitivamente. Isso não significa,
no entanto, que deixei de esperar a primavera com uma alegria sempre renovada.
Tal expectativa é parte de um estado interior, atemporal, que me faz de todas
as idades. Neste 22 de setembro, Perséfone retornou do mundo subterrâneo para
os braços saudosos de Deméter, sua mãe. Os campos cobertos de gelo, sejam da
mítica Hélade, sejam das extensões reais do nosso dia a dia, de repente se
revestem de flores multicoloridas. Os pássaros, as borboletas e os sonhos
ganham asas outra vez, contra o céu claro de manhãs mais azuis. Não há como
permanecer insensível a essa experiência de eterno retorno. Comigo não é
diferente desde os verdes anos, quando percorria os bosques e matas no Rincão
dos Machado (à margem esquerda do rio Rosário). O perfume de uma flor também
chamada primavera, exalado com uma agradabilíssima intensidade,
contrastava com o restante da natureza. Esse perfume se impregnou em minha
memória sinestésica, reativado todo ano com a chegada da Primavera. Em nossa
cidade, a mais esperada das estações manda seus arautos na frente, no
florescimento dos ipês (nas ruas), dos cinamomos e pessegueiros (nos quintais),
e nos corações das pessoas que não perderam a capacidade de sonhar. Isso não é
discurso barato, tão comum nas mensagens publicadas nas redes sociais. Um
coração pode estar enrijecido pelo frio que o cerca em longas invernias, mas
guarda o fogo interior que o faz reagir, estimulado por uma nova paixão, por um
novo ciclo, por uma nova primavera.
(Publicado na última edição do Expresso Ilustrado.)
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