SEM PERDER A POESIA

Quando menino no Rincão dos Machado, uma das coisas que eu mais gostava de fazer era estender um pelego no gramado em frente de casa e olhar as estrelas. O céu se comparava a um texto que ainda não conseguia ler, mas que me encantava pelas verdades potencialmente contidas naquela criptografia estelar. Minhas irmãs também olhavam para o alto, elaborando as mesmas perguntas absurdas aos nossos pais. Anos mais tarde, vim para a cidade, onde fui matriculado na 6ª série. O melhor recanto do colégio era a biblioteca, onde passei a ler sobre o universo nas páginas das enciclopédias Conhecer e Barsa. Algumas daquelas primeiras indagações foram sendo respondidas, propiciando-me conhecimento e prazer na mesma proporção. Maria e Tânia amadureceram mais rápido do que eu (casando-se ou formando-se), para não mais perderem tempo com as estrelas. A realidade sempre urge por ação, por um vínculo mais estreito com as coisas tangíveis, diárias. Em contrapartida, elas não desenvolveram o espírito contemplativo que me faz sonhar com as distâncias astronômicas. Dessa forma, continuo a admirar as Três Marias, ainda que saiba corresponderem às estrelas Alnilan, Alnitaka e Mintaka, distantes, respectivamente, 1.206, 1.108 e 2.347 anos-luz do Sistema Solar. A proximidade entre elas não passa de uma ilusão de ótica. Mintaka está mais distante de Alnitaka do que Alnitaka está do nosso sistema. Qualquer uma das três é 500 a 1.000 vezes maior que o Sol. Os antigos observadores do céu, mais poetas que cientistas, viam nas Três Marias o cinturão de Órion, o caçador desenhado pela várias estrelas da constelação. Deitado num pelego no Rincão dos Machado, eu era tomado pelo mágico, pelo sublime que dominou civilizações inteiras. Hoje o afã de conhecimento me aproxima dos estudiosos modernos, sem perder a poesia.
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1 ano-luz = distância percorrida pela luz em um ano = 9,5 trilhões de quilômetros (aproximadamente)