Quem não ouviu ou leu sobre a mítica Babel, narrada no Gênesis? Os descendentes de Noé se fixaram no Vale do Sinar, desejando ali edificar uma cidade e uma torre tão alta que seu cume alcançasse o céu. A tamanha ousadia visava criar uma referência, um nome que unisse o povo, impedindo-o de se espalhar sobre a Terra. Por negar a ordem divina, em sentido contrário, desceu o Senhor e confundiu a língua deles. Divididos linguisticamente, os homens se dispersaram pelo mundo afora. Esse mito, criado para justificar a origem das diferentes línguas, constitui apenas o viés da cultura judaico-cristã, sustentada por um teocentrismo imanente. Outras culturas contam outras histórias para a mesma justificativa. Babel, no entanto, melhor se encaixa como alegoria fundadora da grande confusão discursiva que se instaura nos tempos (pós)modernos. Uma torre foi elevada aos céus, sem a intervenção de um deus pessoal: a Internet. Entre as principais características desse feito tecnológico, destaca-se a ubiquidade, que é estar ao mesmo tempo em toda parte. Sua base não se alicerça num vale, numa montanha, nalgum lugar específico, mas em volta do planeta, em cada um dos computadores interconectados. A torre é a rede. Dentro dessa estrutura virtual, ocorre um fenômeno inverso ao da dispersão, uma vez que as línguas se aproximam e, com as ferramentas já existentes, podem ser reduzidas à língua única. Surge um problema maior que o ocorrido com a dispersão. A língua é instrumento com que se faz o discurso, e o discurso, ou melhor, os discursos, por sua diversidade, criam uma nova algaravia, uma balbúrdia sem fim. Quem já pensou sobre isso?
(Coluna do Expresso Ilustrado, edição desta sexta-feira.)
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