sexta-feira, 31 de outubro de 2008

POEMAS DRAMÁTICOS

"Carlos Nejar é, talvez, de todos os poetas vivos e ativos no Brasil no momento, aquele que maior número de estudos suscita em sua obra. Ou melhor, aquele em torno de quem, apesar dos numerosos artigos e ensaios, existe, ou vai se criando, uma polêmica acirrada: há os que o exaltam o máximo, considerando-o, não sem razão, o maior nome já surgido na poesia desde João Cabral. Pois esse gaúcho, em pouco menos de vinte anos, construiu uma obra poética de alcance e profundidade tais que pode ser tranqüilamente colocado entre os 'grandes' deste século [XX]." FERNANDO PY
oo
Discordo do comentário crítico do autor acima. Pela extensão e profundidade de sua obra, Nejar já é o maior poeta da pátria proclamada por Fernando Pessoa - a Língua Portuguesa. Duas condições o impedem de ser reconhecido como tal: é vivo e é profundo (não apenas pela riqueza metafórica, mas pelo discurso filosófico de sua poesia, merecendo a denominação de "poeta da condição humana").
Pouco o lêem, é verdade. João Cabral seria pouco lido não fosse seu poema dramático (lírico e épico) Morte e Vida Severina que o popularizou. No ritmo muito lento com que vem ocorrendo a evolução do brasileiro, cujo nível de letramento apenas ultrapassa a alfabetização, demorará muito para Nejar ser reconhecido como um grande poeta.
Minha vontade inicial era de postar sobre o livro cinco poemas dramáticos do poeta gaúcho, sem a introdução acima. A coisa flui, e acabei escrevendo mais do que recomendam os especialistas na produção textual.
Editado em 1983, o livro não é produto que se encontre disponível nos sites de venda, como Submarino, Saraiva e Record (a própria editora). Exceção da Estante Virtual. Comprei-o na Livraria Osório de Curitiba, a melhor loja de livros usados dessa capital.
Na orelha do livro, os editores escrevem: "Este livro, reunindo CINCO POEMAS DRAMÁTICOS - Fausto, As Parcas, Joana das Vozes, Miguel Pampa e Ulisses - que a Record apresenta ao público leitor, é, sem dúvida, um dos altos momentos da criação brasileira contemporânea. Carlos Nejar busca 'a poesia total', e é lírico, épico, dramático [...], usa meios ficcionais e cênicos, cria personagens ou seres coletivos, refaz velhos mitos e temas como Fausto, Ulisses e as Parcas (tecedoras do destino), com a coragem de dar-lhes nova perspectiva".
Em Fausto, há os seguintes personagens: Fausto, Júlio, D, Anjo, Amada e Coro, que ganham vez ao longo de cinco atos. Em As Parcas, 4º Ato, 3ª cena, a Mulher fala:
oo
Todo o meu destino
com o teu se cruza
como dois ciganos
a cruzar as veias
pelo mesmo engano
de viver ou dano
do imprevisto sonho.
oo
O Homem responde:
oo
Mas não é engano
este momento pleno.
oo
O poema se encerra com estes versos:
oo
Juntos:
oo
O universo está chegando
com seus cavalos acesos. Está chegado
o universo. Deus é quando
percebemos que amamos.
oo
O poema Miguel Pampa, final do 4º Ato:
oo
Miguel:
oo
(Com a garrafa de vinho na mão)
oo
A canção
é como o vinho.
Amadurece
cantando.
Tem sol
por dentro, tem
sol e pele
macia, ventre
também macio.
oo
É um rio
que vai descendo
de fogo, vento,
de fogo.
E canta
a garrafa.
Se acaricia
e ela canta
como se tivesse
alma presa,
presa
sob a rolha.
oo
(E acaricia a garrafa)
oo
Alma tem
noutra alma
acesa.
oo
Zé Bandônio,
acendeste
toda a água
da represa.
oo
Adão:
Que de alegria
rebenta.
oo
Jacinta:
Inundando
a natureza.
oo
Miguel:
É uma luz
que vai
levando
a correnteza.
oo
Todos:
Do dia.
oo
Para encerrar esta postagem, transcrevo um dos melhores críticos de Nejar, Franklin de Oliveira: "Carlos Nejar é, hoje, um dos grandes nomes da poesia brasileira de todos os tempos, e não apenas da contemporânea (para mim, um truísmo). Num país como o nosso, em que se escrevem muitos versos mas em que há pouca poesia, esse feito se explica pela sua obstinação em incorporar o contingente ao eterno. Ao lado dessa obstinação, há uma outra que o torna singular com igual intensidade: a de tratar igneamente a palavra. A linguagem de Nejar tem qualquer coisa de labareda: consome, ao mesmo tempo que ilumina, as experiências humanas fixadas no seu canto".

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