domingo, 24 de maio de 2020

EU-TU (SUJEITO-SUJEITO)

I

A comunicação não dialogal é sempre insuficiente e denuncia um abismo profundo que a transcende nas relações intersubjetivas, entre Eu e Tu. As chamadas redes sociais constituem-se, por excelência, nessa interação pretensa do tipo sujeito-objeto. Por que pretensa? Embora admitida como possível, a interação só ocorre com a relação sujeito-sujeito. O Eu necessita de Tu, ante o qual, Eu também passe à condição de Tu. Entre Eu e Tu instaura-se o ser pessoa. Eu é pessoa, na medida em que é Tu em toda relação intersubjetiva. O problema da comunicação não dialogal é insignificante diante dos afetos que se formatam a partir do modelo sujeito-objeto.


II

O Eu não vê no outro alguém semelhante a si, não vê no outro o Tu. Essa limitação não é imposta por antolhos, mas por natureza da própria visão, ab origine condicionada a ver seu Eu como referência. A psicologia criou muitas definições para essa característica primária do Eu: egocentrismo, individualismo, solipsismo... A imagem criada por Nietzsche, de ser o homem “uma corda distendida entre o animal e o além do homem”, empresta-se ao caso com uma variação nas ancoragens: uma corda distendida entre o Eu e Tu. Essa travessia é necessária para o surgimento da pessoa, o além do Eu.


III

As características primárias do Eu sintetizam-se na relação sujeito-objeto. O Eu como sujeito e tudo mais como objeto. O Tu inexiste nessa relação. O máximo que o Eu concebe é Ele, interlocutor ausente, bode expiatório de tudo o que há de errado no mundo. Nada é enunciado pelo Eu como autocrítica, apenas queixumes de incompreensão, injustiça, desamparo. Deseja ser admirado, ser amado, mesmo sem o Tu (alijado da presença).


IV

A relação sujeito-sujeito é condição necessária para a civilidade, impedida por um avanço açambarcador do individualismo nestes dias. O mundo anda mal das pernas, da cabeça e do coração, dizem inclusive aqueles que contribuem para isso. O que fazer para o mundo andar bem? A travessia acima citada alegoricamente é algo muito sério, porque remete, medias in res, ao processo de transformar indivíduos em pessoas.

2 comentários:

Rúbida Rosa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rúbida Rosa disse...
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