sábado, 16 de maio de 2020

ASSIM FALAVA ZARATUSTRA



Caso um livro fosse avaliado apenas por sua introdução, penso que Assim falava Zaratustra, de Friedrich Nietzsche, colocar-se-ia entre as melhores construções do intelecto humano. O Prólogo elenca uma série de enunciados admiráveis, que tratam de uma verdade nunca antes expressa direta ou metaforicamente.
Na primeira leitura que fiz desse livro, em 1984, uma ideia me chamou imediatamente a atenção: “O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem; uma corda sobre um abismo”. Destaquei outras ideias nessa oportunidade, como “O homem existe para ser superado” (na mesma linha da supracitada), “Amo aquele que se envergonha quando vê os dados caírem a ser favor e que então pergunta: ‘Acaso serei um jogador honesto?’”, ou “É preciso ter ainda um caos dentro de si para gerar uma estrela dançante”.
Com o símile “é uma corda estendida”, Nietzsche lança mão da linguagem poética, pouco empregada na filosofia e na ciência, sistemicamente referenciais. O homem é uma corda, embora possa parecer um equilibrista, como se entende na frase que complementa a metáfora: “Perigosa para percorrê-la, é perigoso ir por esse caminho, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar”. Uma corda com sentido único, em que não há caminho de volta (se é perigoso olhar para trás). O abismo fica em aberto, talvez o salto da transcendência, talvez a morte. Interessante é a extremidade para onde o homem se encaminha na travessia (ou superação) de si mesmo: o super-homem.
Mais que outra metáfora, super-homem (ou além do homem) constitui um dos pontos centrais dessa obra extraordinária. A superação do homem por ele mesmo significa o triunfo das forças ativas sobre as reativas (ressentimento, má consciência, ideal ascético), que “constituem em primeiro lugar as formas do niilismo”, segundo as palavras de Deleuze. No lugar de superação, Nietzsche emprega o termo passagem e, mais apropriadamente, declínio. Ser um declínio é motivo para se amar o homem.
Logo após o Prólogo, o leitor dispõe do primeiro discurso de Zaratustra, As três metamorfoses, que o manterá interessado na leitura. Nenhum outro livro da história da filosofia, lido até a última página, desperta a vontade de lê-lo outra vez. Isso ocorre em vista da sabedoria que ofusca num primeiro momento.

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