quinta-feira, 30 de abril de 2015

REALIDADE VERSUS IDEAL

Desde muito cedo, percebi o abismo que existe entre a realidade e a ideal, algo impossível de fixar uma ponte (que permita o trânsito nos dois sentidos). 
Realidade e ideal não constituem, como parece ao senso comum, uma relação biunívoca de causa e efeito, tampouco tese e antítese de uma dialética histórica.
A impossibilidade de ligação (ou de relação) assemelha-se à aporia ontológica do ser e não-ser
Exemplo dessa contradição é o discurso da presidente Dilma Rousseff, ao assumir seu segundo mandato. É impossível relacionar o Brasil (realidade) e "pátria educadora" (ideal).

quarta-feira, 29 de abril de 2015

BRASIL ENROLADO

O Brasil não é um país sério, disse alguém, que não foi De Gaulle. O Brasil, digo eu, também gosta de enrolar (numa tendência análoga ao "levar vantagem em tudo").
Dois exemplos: 
I - O laudo do acidente de trânsito que vitimou seis pessoas, fundamentado apenas nos sinais de pneus no asfalto e não no tacômetro, demorou exatamente um ano para ficar pronto. Sem a leitura do tacômetro, não se sabe qual a velocidade do ônibus (cujo motorista estaria errado se estivesse acima da velocidade máxima permitida).
Dois dias depois da queda do avião da Germanwings, que ocorreu em 24 de março de 2015, a promotoria francesa foi taxativa: o copiloto derrubou o avião deliberadamente. Antes que os laudos confirmassem o crime.
II - No Brasil, certamente, funcionaria o estratagema de dizer que o traficante Fulano de Tal é esquizofrênico para escapar de uma condenação mais severa. Na Indonésia, não.
Nossa própria Carta Magna viabiliza essa enrolação.

sábado, 25 de abril de 2015

CRÔNICA SANTIAGUENSE



        Manhã azul de sábado. O movimento de automóveis e de pedestres ainda é calmo no cruzamento da Pinheiro Machado com a Benjamin Constant. A temperatura em Santiago está agradavelmente baixa, por conta de uma brisa do quadrante leste.
        Diante desse quadro outonal, todavia, ninguém imagina como foram as horas que o precederam na madrugada. Os carros cruzavam em alta velocidade, freavam bruscamente, cantavam pneu, buzinavam, propagavam a pior música, conduzidos por notívagos sob o efeito do álcool e de outras drogas. Notívagos a pé, mais numerosos, vindo dos diferentes bairros da cidade, tomaram conta das esquinas para fumar “marijuana” e beber uma vodka barata (barriga mole). Esse grupo transformou o cruzamento num quadrado de luta livre, sem as regras do MMA. Alguns rapazes usavam bonés, próprio da rostidade adolescente. Seus socos e pontapés eram acompanhados pelos gritinhos alucinados das moças (que seguravam garrafas e copos para seus contendores amados). A polícia foi chamada e, sem demora, fez-se presente com várias viaturas, dispersando os baderneiros.
     No resto de noite, alguns remanescentes permaneceram na rua, falando alto, quebrando garrafa no asfalto, chutando os conteiners de recolhimento do lixo. Na iminência do Sol, sumiram de vez (para dormir o dia todo quem sabe).
      A luz que falta a esses jovens notívagos, eticamente falando, constitui uma das causas do novo modo de existência que caracteriza suas vidas. 
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(Crônica escrita às 8 horas deste sábado.)

quarta-feira, 22 de abril de 2015

TRÊS MICROCONTOS

Atochada 
         Pedro era um grande pescador. Vivia de fazer redes para si e para os outros. Em suas mãos, linhas ou malhas apanhavam até ovelha do outro lado do rio. Seus olhos azuis cresceram ao ver o dourado de onze quilos limpos que meu pai trazia sobre os arreios. Logo perguntou em que lugar o peixe fora pescado.
         - No Poço da Areia! Matei com um tiro de revólver.
        O homem arregalou ainda mais seus olhos com o que lhe disse meu pai por último:
         - Lá ficou um cardume igual a este! 

* * *

Tocaia

  - Ah...


* * *


Fim de história

.

MENOS LEITURA


UMA PESQUISA da Fundação do Comércio do Rio de Janeiro conclui que 70% dos brasileiros não leram um livro sequer em 2014. Em relação a anos anteriores, houve um decréscimo na leitura, cuja causa principal é o uso da internet (com acesso mais facilitado agora pelos smartphones). 
O QUE VOCÊ PENSA A RESPEITO?

segunda-feira, 20 de abril de 2015

MERCADO, PARADIGMA...

A sobrevivência do mais apto - princípio que Darwin denominava de seleção natural - também é válido para os negócios. A empresa só se mantém viva com o lucro, o excedente financeiro obtido entre receita e despesa.
Em Santiago, o melhor negócio continua sendo o comércio de automóvel (a despeito de uma queda significativa neste primeiro semestre). Notadamente, o setor automobilístico é mais lucrativo que o serviço religioso e a indústria moveleira. 
Há alguns anos, num determinado endereço da rua Benjamin Constant, funcionou uma loja de móveis (novos e usados). Após fechar suas portas, por motivos óbvios, instalou-se uma dessas igrejas evangélicas, que vicejam em todo país com rótulos apenas diferenciados pela combinação das palavras "Deus", "Jesus", "Cristo", "amor", "graça", "irmãos" etc. 
Por um tempo demasiado longo para a pós-modernidade líquida, a igreja se manteve com um número baixo de fiéis - prova tardia de que o mercado religioso se encontra saturado em nossa cidade. Os cultos não mais se realizaram, e o templo provisório fechou suas portas. As instalações passaram por uma reforma e, na última semana, abriu-se uma nova loja de automóveis.
O exemplo acima ilustra o choque de dois grandes paradigmas vividos pela sociedade ocidental: a religiosidade (representada pelo cristianismo medievo) e a secularização (representada pelo consumismo pós-moderno). Entre um (mar) e outro (rochedo), a razão (marisco) não consegue impor seu paradigma tão propalado ao longo da modernidade. 

domingo, 19 de abril de 2015

CRENDICES E CRENÇAS

Richard Dawkins é brilhante do início ao fim de seu livro O capelão do Diabo, mesmo na carta que escreveu à filha Juliet, de dez anos. Certas passagens (iluminadas por mim) são extraordinárias, como na sua demolição à cristalomancia:
Beber água a intervalos de duas horas é certamente uma boa ideia, quando se está com gripe. Mas colocar na água um cristal de quartzo não acrescentará nenhum efeito. Ou seja, não importa quanta luz colorida se visualize, isso não alterará a composição do cristal, nem da água.
E estende seu raciocínio para outros
Disparates pseudocientíficos como esse são perturbadoramente comuns na cultura de nossa época. Restringi meus exemplos aos cristais apenas porque precisava estabelecer um limite em algum ponto. Mas os “signos astrológicos” teriam servido igualmente bem. Ou os “anjos”, a “comunicação com os espíritos”, a “telepatia”, a “cura quântica”, a “homeopatia”, a “radiestesia”. Não há limite óbvio para a credulidade humana.
Dawkins retoma esse assunto no final do livro, na carta supramencionada. Nela são elencadas as três “razões indevidas” para acreditar no que quer que seja: tradição, autoridade e revelação.
A tradição é tudo o que é transmitido dos avós para os pais, destes para os filhos, e assim por diante. Os memes culturais, com destaque para os religiosos, também são passados por intermédio de livros. As pessoas passam a acreditar em certas coisas apenas porque seus ascendentes acreditaram nelas durante séculos.
Dawkins distingue a autoridade da tradição, centrando-a numa pessoa importante, que nos diz para acreditarmos em alguma coisa. A tradição levou os católicos a acreditarem que Maria, a mãe de Jesus, subiu ao Céu de corpo e alma. Para reforçar essa crença, a suprema autoridade do catolicismo, o papa, recomenda ao seu rebanho que se deve acreditar na ascensão.
O terceiro tipo de razão indevida é a “revelação”. Segundo Dawkins, a revelação nada mais é que o sentimento de pessoas religiosas, que, após uma oração, um “retiro espiritual”, ficam convencidas que o teor de suas crenças lhes foi revelado.
A revelação se encontra na genealogia das três religiões mais conhecidas no Ocidente, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. A tradição arrasta esses sistemas de crenças desde suas origens, os quais são professados pelas autoridades presentes, sejam elas judaicas, cristãs ou islâmicas. 

sexta-feira, 17 de abril de 2015

LIVROS E LIVROS



Hoje concluí a leitura de O Capelão do Diabo*, de Richard Dawkins, e me chegaram outros dois desse que o mais respeitável pós-darwinista: O maior espetáculo da Terra e Desvendando o Arco-íris
* "Capelão do Diabo" é uma expressão cunhada por Darwin numa carta ao amigo Hooker: "Um livro e tanto escreveria um capelão do Diabo sobre os trabalhos desastrados, esbanjadores, ineficientes e terrivelmente cruéis da natureza".

quarta-feira, 15 de abril de 2015

A LEMBRANÇA É AZUL

Neste 15 de abril, minha mãe, DALVA FIORENZA DE OLIVEIRA, fazia aniversário. Poucas manhãs eram mais azuis do que a manhã desse dia ao longo da minha infância, da minha adolescência e da minha vida adulta.
Infelizmente, neste mesmo dia 15, há nove anos, minha mãe faleceu. Desde então as manhãs de abril não têm a mesma claridade, embora elas me façam lembrar com uma saudade do tamanho do mundo de DALVA, minha mãe, que tinha olhos claros, azuis.

Já transcendi a tristeza de perdê-la naquele dia 15 de abril, de 2006. Meus olhos ainda se enchem d’água, quando me lembro dela. Meu coração, no entanto, bate jubiloso no peito, porque herdei dela a bondade. Isso me conforta, me faz ver e sentir estas manhãs de abril tão azuis outra vez. 

sábado, 11 de abril de 2015

TROCA DE PAPEL

Antes de chegar a Porto Alegre, divisando-a na linha do horizonte, lembrei-me do que lera em Zygmunt Bauman sobre as cidades em tempos pós-modernos. 
O sociólogo polonês começa por dizer que, desde a Mesopotâmia, as cidades nasceram e cresceram com a preocupação de proteger seus habitantes das ameaças externas. Na época da hegemonia romana, tais ameaças eram representadas pelos bárbaros, designação dada a qualquer povo supostamente menos civilizado. No plano diretor das cidades havia construções monumentais com o fito de evitar o assalto dos saqueadores organizados: muralhas, fossos, entrada única (guarnecida por vigias permanentes e fechada por portões imensos), acidentes geográficos etc. No espírito de seus protegidos, além do medo, desenvolvia-se o sentimento que hoje é denominado de xenofobia. 
Modernamente, com o crescimento desordenado (causado pelo enriquecimento capitalista e advento da sociedade de consumo), as cidades passaram a gerar suas próprias mazelas, entre as quais um excesso de violência. Para resolver parte desse problema (des)urbano, é que se passou a construir os condomínios, ambientes residenciais cercados por muros altos, entrada única, alarmes, vigias etc. O perigo se encontra dentro das cidades modernas. 
Essa retomada do pensamento de Bauman me levou a brincar com a Erilaine, dizendo-lhe que a gente, ao vir de fora da metrópole, vivemos o papel oposto do bárbaro. Já não somos mais os invasores, mas as vítimas potenciais (indo ao encontro do perigo).

quinta-feira, 9 de abril de 2015

PLÁGIO

Transcrevo abaixo o excerto do livro Convite à Filosofia, de Marilena Chauí, que comprova o plágio de que ela foi acusada. Da mesma forma, transcrevo o excerto do livro Introdución a la Filosofia, de Julián Marías (filósofo espanhol), de onde Chauí copiou sem citar, como se fosse ideia sua:
"AS CONCEPÇÕES DA VERDADE
Grego, latim e hebraico
Nossa ideia da verdade foi construída ao longo dos séculos, a partir de três concepções diferentes, vindas da língua grega, da latina e da hebraica.
Em grego, verdade se diz aletheia, significando: não-oculto, não-escondido, não-dissimulado. O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito; a verdade é a manifestação daquilo que é ou existe tal como é. O verdadeiro se opõe ao falso, pseudos, que é o encoberto, o escondido, o dissimulado, o que parece ser e não é como parece. O verdadeiro é o evidente ou o plenamente visível para a razão.
Assim, a verdade é uma qualidade das próprias coisas e o verdadeiro está nas próprias coisas. Conhecer é ver e dizer a verdade que está na própria realidade e, portanto, a verdade depende de que a realidade se manifeste, enquanto a falsidade depende de que ela se esconda ou se dissimule em aparências.
Em latim, verdade se diz veritas e se refere à precisão, ao rigor e à exatidão de um relato, no qual se diz com detalhes, pormenores e fidelidade o que aconteceu. Verdadeiro se refere, portanto, à linguagem enquanto narrativa de fatos acontecidos, refere-se a enunciados que dizem fielmente as coisas tais como foram ou aconteceram. Um relato é veraz ou dotado de veracidade quando a linguagem enuncia os fatos reais. 
A verdade depende, de um lado, da  veracidade, da memória e da acuidade mental de quem fala e, de outro, de que o enunciado corresponda aos fatos acontecidos. A verdade não se refere às próprias coisas e aos próprios fatos (como acontece com aletheia), mas ao relato e ao enunciado, à linguagem. Seu oposto, portanto, é a mentira ou a falsificação. As coisas e os fatos ou são reais ou imaginários; os relatos e enunciados sobre eles é que são verdadeiros ou falsos.
Em hebraico verdade se diz emunah e significa confiança. Agora são as pessoas e é Deus quem são verdadeiros. Um Deus verdadeiro ou um amigo verdadeiro são aqueles que cumprem o que prometem, são fiéis à palavra dada ou a um pacto feito; enfim, não traem a confiança".
(Convite à Filosofia, 9ª edição, 1997, página 99.)

"TRÊS SENTIDOS DE LA VERDAD
Son bien conocidos los sentidos primariamente adstritos a las palabras que significan 'verdad" en las tres lenguas que han influido más enérgicamente en la formación de la mente europea, es decir, en griego, latín y hebreo: alétheia, veritas, emunab. Digo primariamente, porque sería ilusoria la creencia de que en cada uno de los casos no son vividas marginalmente las otras significaciones, que significan momentos decisivos y esenciales de la noción de la verdad; pero la perspectiva en que funcionan lostres sentidos está definida por el dominante respectivo, en función del cual se interpretan los otros dos.
El término griego alétheia ha sido entendido por los propios griegos e interpretado tradicionalmente como una voz derivada del verbo _______, con la partícula privativa __-. Significa, pues, lo que no está oculto o escondido, lo que está patente, manifiesto, descubierto o desvelado; ______viene a ser, por tanto, patencia o descubrimiento. La falsedad, el ______, por el contrario, el encubrimiento. Y repárese en que tanto el descubrimiento como el encubrimiento presuponen un previo estado 'neutral', que pudiéramos llamar el estar 'cubierto', es decir, lo latente, que podría ser descubierto como lo que no es, es decir, suplantado por otra cosa que se superpondría a ello y lo encubriría - falsedad -. Verdad es, pues, en griego patencia o descubrimiento de las cosas, es decir, desvelamiento o manifestación de lo que son; aparece, por tanto, referida primariamente a las cosas mismas, y al decir, al lógos, solo secundariamente, en la medida en que el decir - decir la verdad - pone de manifiesto o enuncia - ________ - el ser de las cosas, que aquí queda mostrado y puesto en la luz.
Veritas apunta, más bien, a la exactitude y el rigor en el decir; verum es lo que es fiel y exacto, completo, sin omisiones; por exemplo, un relato en que se narra con puntualidad e integridad lo que algo fue. Veritas envuelve una referencia directa al decir, y más que al decir enunciativo o apofántico, al decir narrativo; es el matiz que tiene la palabra castellana veracidad.
Por último, el hebreo emunah - de la misma raíz que amen -, encierra una referencia personal: se trata de la verdad en el sentido de la confianza; el Dios verdadero es, ante todo, el que cumple lo que promete, como el amigo verdadero es aquel con quien se puede contar; un amigo falso, por el contrario, no es, naturalmente, un amigo 'inexistente', sino un amigo que falla, en quien no se puede confiar. Lo voz emunah remite, pues, a un cumplimiento, a algo que se espera y que será".
(Introdución a la Filosofía, 12ª edição, 1947, páginas 93 e 94.)

ABSURDOS EM NOME DA RAZÃO

Ao estudar a história da Filosofia, constato alguns absurdos que não sei como fizeram sucesso em seu tempo (e como continuam sendo motivos de estudo). O pior que eles têm na razão humana uma forma de sustentação, o foro necessário para a justificativa de si próprios. 
Um exemplo: as mônadas concebidas por G.W. Leibniz. 
Definição para MÔNADA: substância simples, individual, elemento/átomo das coisas, sem partes, indivisível, inextensa e que percebe
Cada mônada imita Deus (a mônada perfeita).
Distinção entre as mônadas: nua, enteléquia, alma e espírito (alma racional). A nua é a que percebe de forma mais débil, vive em constante "atordoamento".
O fígado humano, por exemplo, é composto por um agregado de mônadas. 
Penso que apenas a loucura pode ter concebido tais ideias. Não a razão. 

quarta-feira, 8 de abril de 2015

PLÁGIO?

Autor 1: "A VIDA É A ARTE DE DESENHAR SEM BORRACHA".
Autor 2: "VIVER É DESENHAR SEM BORRACHA".
Desafio aos meus interlocutores: o autor 1 foi plagiado?
Os autores acima são, respectivamente, JOHN W. GARDNER e MILLÔR FERNANDES.

sábado, 4 de abril de 2015

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

Antes de tomar uma posição acerca da redução da maioridade penal, reconheço que um dos argumentos contrários me incomoda, me faz pensar e pensar: ela (a redução) se limita a tratar do efeito, não da causa.