terça-feira, 30 de junho de 2009

JOSÉ PACHECO NO UOL


"Trabalho há mais de 30 anos com escola que não tem aula, série e prova, e dá certo", diz educador português
Simone Harnik
Idealizador da Escola da Ponte, em Portugal, instituição que, em 1976, iniciou um projeto no qual os estudantes aprendem sem salas de aula, divisão de turmas ou disciplinas, o educador português José Pacheco afirma que as escolas tradicionais são um desperdício para os estudantes e os professores."O que fiz por mais de 30 anos foi uma escola onde não há aula, onde não há série, horário, diretor. E é a melhor escola nas provas nacionais e nos vestibulares", diz. "Dar aula não serve para nada. É necessário um outro tipo de trabalho, que requer muito estudo, muito tempo e muita reflexão." Aos 58 anos, o professor que classifica autores como Jean Piaget como "fósseis", fez uma peregrinação pelo país. No trabalho de prospecção de boas iniciativas em colégios brasileiros, Pacheco só não conheceu instituições do Acre e do Amapá e diz ter somado cerca de 300 voos no último ano.Com a experiência das viagens, escreveu dois livros de crônicas: o "Pequeno Dicionário de Absurdos em Educação", da editora Artmed, e o "Pequeno Dicionário das Utopias da Educação", da editora Wak. Aponta ainda que a educação brasileira não precisa de mais recursos para melhorar: "O Brasil tem tudo o que precisa, tem todos os recursos e os desperdiça".
Veja a entrevista:
Em suas andanças pelo país, qual o absurdo que mais chamou sua atenção?
Pacheco - O maior absurdo é que a educação do Brasil não precisa de recursos para melhorar. O Brasil tem tudo o que precisa, tem todos os recursos e os desperdiça.
UOL Educação - Desperdiça como?
Pacheco - Pelo tipo de organização. A começar pelo próprio Ministério da Educação. Eu brinco, por vezes, dizendo que o melhor que se poderia fazer pela educação no Brasil era extinguir o Ministério da Educação. Era a primeira grande política educativa.
UOL Educação - Qual o problema do ministério?
Pacheco - Toda a burocracia do Ministério da Educação que se estende até a base, porque a burocracia também existe nas escolas, à imagem e semelhança do ministério. No próprio ministério, o contraste entre a utopia e o absurdo também existe. Conheço gente da máxima competência, gente honesta. O problema é que, com gente tão boa, as coisas não funcionam porque o modo burocrático vertical não funciona. É um desperdício tremendo.
UOL Educação - Como resolver?
Pacheco - Teria de haver uma diferente concepção de gestão pública, uma diferente concepção de educação e uma revisão de tudo o que é o trabalho.
UOL Educação - O que teria de mudar na concepção de educação?
Pacheco - O essencial seria que o Brasil compreendesse que não precisa ir ao estrangeiro procurar as suas soluções. Esse é outro absurdo. Quais são hoje os autores que influenciam as escolas? Vygotsky, Piaget? Não vejo um brasileiro. Mas podem dizer: "E Paulo Freire?". Não vejo Paulo Freire em nenhuma sala de aula. Fala-se, mas não se faz. Identifiquei, nos últimos anos, autores brasileiros da maior importância que o Brasil desconhece. Esse é outro absurdo. Quem é que ouviu falar de Eurípedes Barsanulfo (1880-1918)? De Tomás Novelino (1901-2000)? De Agostinho da Silva (1906-1994)? Ninguém fala deles. Como um país como este, que tem os maiores educadores que eu já conheci, não quer saber deles nem os conhece? Há 102 anos, em 1907, o Brasil teve aquilo que eu considero o projeto educacional mais avançado do século 20. Se eu perguntar a cem educadores brasileiros, 99 não conhecem. Era em Sacramento, Minas Gerais, mas agora já não existe. O autor foi Eurípedes Barsanulfo, que morreu em 1918 com a gripe espanhola. Este foi, para mim, o projeto mais arrojado do século 20, no mundo.
UOL Educação - O que tinha de tão arrojado?
Pacheco - Primeiro, na época, era proibida a educação de moços e moças juntos. Só durante o governo Getúlio Vargas é que se pôde juntar os dois gêneros nos colégios. Ele [Barsanulfo] fez isso. Ele tinha pesquisa na natureza, tinha astronomia no currículo oficial. Não tinha série nem turma nem aula nem prova. E os alunos desse liceu foram a elite de seu tempo. Tomás Novelino foi um deles e Roberto Crema, que hoje está aí com a educação holística global, foi aluno de Novelino.
UOL Educação - Por que o senhor fala desses autores?
Pacheco - Digo isso para que o brasileiro tenha amor próprio, compreenda aquilo que tem para que não importe do estrangeiro aquilo que não precisa. É um absurdo ter tudo aqui dentro e ir pegar lá fora.
UOL Educação - Qual foi a maior utopia que o senhor viu?
Pacheco - O Brasil é um país de utopias, como a de Antônio Conselheiro e a de Zumbi dos Palmares. Fui para a história, para não falar em educação. Na educação, temos Agostinho da Silva, que é um utópico coerente, cuja utopia é perfeitamente viável no Brasil. Ou seja, é possível ter uma educação que seja de todos e para todos. O Brasil, dentro de uns 30 ou 40 anos, será um país bem importante pela educação. São os absurdos que têm de desaparecer, para dar lugar à concretização das utopias. Acredito nisso, por isso estou aqui.

Pacheco ministra curso no colégio Pueri Domus, na zona sul da capital
UOL Educação - Os professores são resistentes às mudanças?
Pacheco - Os professores são um problema e são a solução. Eu prefiro pensar naqueles professores que são a solução, conheço muitos que estão afirmando práticas diferentes.
UOL Educação - Práticas diferentes como a da Escola da Ponte?
Pacheco - Não são "como", mas inspiradas, com certeza. São práticas que fazem com que a escola seja para todos e proporcione sucesso para todos.
UOL Educação - Dentro da escola tradicional, onde ocorre o desperdício de recursos?
Pacheco - Se considerarmos o dinheiro que o Estado gasta por aluno, daria para ter uma escola de elite. Onde o dinheiro se desperdiça? Por que em uma escola qualquer, que tem turmas de 40 alunos, a relação entre o número de professores e de alunos é de um para nove? Por que os laudos e os atestados médicos são tantos? Porque a situação que se criou nas escolas é a do descaso. Esse é um absurdo.
UOL Educação - Onde mais ocorre o desperdício nas escolas?
Pacheco - O desperdício de tempo também é enorme em uma aula. Pelo tipo de trabalho que se faz, quando se dá aula, uma parte dos alunos não tem condições de perceber o que está acontecendo, porque não têm os chamados pré-requisitos, e se desliga. Há um outro conjunto de crianças que sabem mais do que o professor está explicando - e também se desliga. Há os que acompanham, mas nem todos entendem o que o professor fala. Em uma aula de 50 minutos, o professor desperdiça cerca de 20 horas. Se multiplicarmos o número de alunos que não aproveitam a aula pelo tempo, vai dar isso.O desperdício maior tem a ver com o funcionamento das escolas. Os professores são pessoas sábias, honestas, inteligentes e que podem fazer de outro modo: não dando aula, porque dar aula não serve para nada. É necessário um outro tipo de trabalho, que requer muito estudo, muito tempo e muita reflexão.
UOL Educação - As famílias não estão acostumadas com escolas que não têm classe, professor ou disciplinas. Querem o conteúdo para o vestibular. Como se rompe com esse tipo de mentalidade?
Pacheco - Pode-se romper mostrando que é possível. Eu falo do que faço, e não de teorias. O que fiz por mais de 30 anos foi uma escola onde não há aula, onde não há série, horário, diretor. E é a melhor escola nas provas nacionais e nos vestibulares. Justamente por não ter aulas e nada disso.
UOL Educação - Por que uma escola que não tem provas forma alunos capazes de ter boas notas em provas e concursos?
Pacheco - Exatamente por ser uma escola, enquanto as que dão aulas não são. As pessoas têm de perceber que não é impossível. E mais, que é mais fácil. Posso afirmar, porque já fiz as duas coisas: estive em escolas tradicionais, com aulas, provas, com tudo igualzinho a qualquer escola; e estive também 32 anos em outra escola que não tem nada disso. É mais fácil, os resultados são melhores.
UOL Educação - Na concepção do senhor, o que é uma boa escola?
Pacheco - É a aquela que dá a todos condições de acesso, e a cada um, condições de sucesso. Sucesso não é só chegar ao conhecimento, é a felicidade. É uma escola onde não haja nenhuma criança que não aprenda. E isso é possível, porque eu sei que é. Na prática.
UOL Educação - O professor que está em uma escola tradicional tem espaço para fazer um trabalho diferente? O senhor vê espaço para isso?
Pacheco - Não só vejo, como participo disso. No Brasil, participei de vários projetos onde os professores conseguiram escapar à lógica da reprodução do sistema que lhe é imposto. Só que isso requer várias condições: primeiro, não pode ser feito em termos individuais; segundo, a pessoa tem de respeitar que os outros também têm razão. Se, dentro da escola, os processos começam a mudar e os resultados aparecem, os outros professores se aproximam. Não tem de haver divisionismo.
UOL Educação - O senhor acha que a mudança na estrutura da escola poderia partir do poder público ou depende da base?
Pacheco - Acredito que possa partir do poder público, mas duvido que aconteça. As secretarias têm projetos importantes, mas são de quatro anos. Uma mudança em educação precisa de dezenas de anos. Precisa de continuidade. E isso é difícil de assegurar em uma gestão. Precisa partir de cada unidade escolar e do poder público juntos.
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O educador José Pacheco esteve palestrando no Seminário de Educação, recentemente ocorrido em Santiago.

POETA DAS MANHÃS

O conhecimento liberta, não a fé. A prisão é a ignorância, não a descrença. Mas essa verdade não desperta o interesse de pessoas ignaras, condicionadas na tradição cristã, que ensina o contrário. A fé pode livrá-las de males menores, como o sentimento de desamparo, de medo, de impotência. Ilusões nefastas que assombram os fracos, substituída por uma grande ilusão. Estou cansado de falar ou escrever sobre isso. Os que necessitariam ouvir/ ler meu discurso, despeitados, reagem em defesa de suas velhas crenças em coisas, seres e fenômenos irreais, desmitificadas pelo conhecimento filosófico/ científico. Sou um ateu, dizem, o que é suficiente para me condenarem à fogueira de suas vaidades. Quando chamo de hipócritas os (pseudo)cristãos, a começar pela maneira de rezar, não cito conhecimentos de Psicologia, por exemplo, mas o que está escrito nos Evangelhos (Mt 6: 5, 6). A propósito, basta o capítulo sexto de Mateus para desmascarar muitos “fiéis” que se acham protegidos pelo deus bíblico, merecedores do céu. Não há um preceito que sigam com retidão, ao pé da letra. Principalmente, o do amor ao próximo. Condenam-me por um ateísmo (que professo com cautela), não pelas acusações de hipocrisia que lhes faço abertamente. Estou cansado das críticas que faço à sociedade, ao senso comum. Ante uma multidão que ainda continua na Idade Média, minha apologia ao conhecimento não passa de palavras ao vento. Cansei de voltar à caverna onde estive acorrentado, a tomar as sombras como realidade. Há pessoas perigosas lá dentro que querem me trucidar, tudo porque lhes digo que se enganam. A partir de hoje, devo usufruir mais da claridade aqui fora, como poeta das manhãs azuis. Poeta, sim, após compreender o que Nietzsche sabia: o mundo só se justifica como fenômeno estético.
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Minha penúltima coluna do Expresso Ilustrado, Hipocrisia, gerou reações (in)esperadas.

domingo, 28 de junho de 2009

SOMBRAS DE GOYA

Ontem assisti ao filme Sombras de Goya. Interessante por vários aspectos: o trabalho do pintor, retratos a óleo e gravuras; a amizade com a modelo Inês (interpretada por Natalie Portman); o santo ofício ainda em atividade; a hipocrisia e o abuso da igreja católica, personalizados pelo monge Lorenzo (Javier Bardem); os reflexos da Revolução Francesa, com ascensão e queda de Napoleão... Vale a pena ver: quatro estrelas.

sábado, 27 de junho de 2009

ERILAINE EM DESTAQUE


O Zero Hora de hoje publica este poema da Erilaine Perez:

Felicidade

Hoje se perde quando
.....amanhã chega.
...Felicidade não há
.....que não passe
....nos vãos de hoje
...e se perca quando
......amanhã chega
........com novos
...........vãos...

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Sou suspeito para elogiar essa poeta que já nasceu grande. O poema acima o demonstra: poucas palavras que dizem bastante, forma coloquial com um significado profundo, inaudito. Ontem o Expresso Ilustrado editou mais uma das crônicas inspiradíssimas da Erilaine: O sentido das brácteas.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

"ETERNIDADE"

O homem não consegue ir além de suas próprias medidas. Ele toma sua fugaz existência e a existência da espécie a que pertence como referenciais absolutos. Encanta-se ao descobrir, por exemplo, que a quantidade de oxigênio na atmosfera é de 21%. Não lhe ocorre de perguntar se sempre foi essa percentagem. Basta o fenômeno presente para caracterizar a "eternidade". O preconceito antropocêntrico, que Francis Bacon chamou de ídolos da tribo, dilata o tempo e o espaço em que ele, homem, insere-se no teatro da vida. Há mais de 4 bilhões e meio de anos, a Terra gira em torno do Sol, duração que faz parecer toda a história humana um mero instante. A atual percentagem de oxigênio constitui um dos fatores circunstanciais que propiciaram um ambiente adequando a muitas espécies. No período Carbonífero, a percentagem de oxigênio chegou a 30%. Entre o Permiano e o Triássico, caiu para 12%. O Carbonífero durou, aproximadamente, 60 milhões de anos (entre 359 milhões e 299 milhões de anos atrás). Os dois períodos somam mais de 100 milhões de anos. O homo sapiens sapiens, como somos atualmente, existe há apenas 40 mil anos. Com a capacidade de descobrir o oxigênio, há dois séculos. No entanto, esse animal inteligente, que o sofista Protágoras atribuiu como medida de todas as coisas, considera os 21% de oxigênio como se sempre fora assim, associando esse “milagre” ao Design inteligente, a um deus que controlasse quimicamente o planeta, para surgir aqui a quintessência da biodiversidade: o próprio (homem).
(Coluna do Expresso Ilustrado desta sexta-feira)

quinta-feira, 25 de junho de 2009

CURSO DE MOTORISTA


Com a imagem acima, iniciei uma aula sobre Meio Ambiente para o Curso de Formação de Motorista no 19º GAC. Mil palavras foram necessárias para elaborar um enunciado coerente com essa foto do planeta azul (que escorre seu continente polar). Não encontrei metáfora mais sugestiva para o tão propalado aquecimento global. Ainda que os instruendos tivessem dificuldade para identificar o arquipélago à esquerda da Antártida, ou a ilha ao lado do continente africano, fizeram uma leitura correta da imagem. Sobre as causas do aquecimento, falei de uma que está diretamente associada à atividade do motorista: colocar em funcionamento um motor à combustão interna, cujo combustível deriva do petróleo. A emissão de CO2 constitui um dos maiores crimes ambientais, ainda não inteiramente vislumbrado pelo senso comum. Fui obrigado a contar a grande piada que foi o Protocolo de Kyoto. A proposta era de reduzir em 5% a emissão de gases que causam o efeito estufa até 2012. Com o rápido desenvolvimento da China, Índia e dezenas de outros países, a emissão do que idealizaram os assinantes do protocolo deve ter aumentado em 5, 10 ou 20% . Isso não é engraçado?

PINTURAS DE DAD

Aos visitantes que não acessaram o blog da pintora portuguesa, como sugeri na postagem anterior, brindo com uma pequena exposição de algumas de suas telas.


Divagações poéticas da cor

Ritos da Primavera

Maternidade

Crucificação

quarta-feira, 24 de junho de 2009

INVERNO


Até ontem, não fizera frio este ano. Refiro-me ao frio de gelar os pés, mesmo protegidos com meias grossas. Hoje o Sr. Inverno chegou definitivamente, com a estrela magnífica a meia-espalda. Não é para ser do contra (coerente com o nome deste blog), mas gosto quatro vezes mais do inverno, quando a outra alternativa é a estação oposta. Melhor para trabalhar, estudar (ler e escrever), comer e dormir. Somando-se aos prazeres gastronômicos, tomar um vinho. Em relação à cerveja, minha tese é de que ela pode dar mais prazer ao ser consumida em dias quentes, mas é no frio que conserva melhor suas qualidades (penso que isso se deve a menor variação da temperatura). Falo de bebida e do planisfério. Convido o leitor a observar o mapa-múndi. Quais são os países ou regiões mais desenvolvidos? A resposta pode ser generalizada com o que se encontra acima do Trópico de Câncer e abaixo do Trópico de Capricórnio. Por que será?
O quadro acima, Sol de Inverno, é de uma pintora e poeta portuguesa. Visite seu blog http://www.pinturasdedad.blogspot.com/. Extraordinário!!!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

AINDA UMA EXPLICAÇÃO

O psicólogo Rodrigo Neves diz que "chutei o pau da barraca, a barraca, o camping inteiro" com o texto Hipocrisia da edição passada do Expresso Ilustrado. Meu amigo mais recente conclui, acertadamente, que não devo estar nos meus melhores dias. Nada de baixa autoestima, depressão ou coisa que o valha, mas grandes problemas que me achatam contra o duro piso da realidade. Nesta hora, não há como ser hipócrita e representar que "tudo está bem". A propósito, caso escrevesse que algumas pessoas são hipócritas, meus leitores menos críticos achariam óbvia demais minha coluna. O artigo não chamaria a atenção, uma vez que a hipocrisia não passa de um velho tema. Ainda que uma figura de retórica, o exagero é necessário para melhor expressar uma verdade. O Rodrigo considerou a condição psíquica do autor, leitura condizente com a sua profissão. O Reiffer, como já postei abaixo, gostou do meu texto. Temos quase a mesma visão sobre o homem, a humanidade. Em contrapartida, uma leitora reagiu com a seguinte autoapreciação: não sou hipócrita. Beleza! Há exceções, principalmente aquelas que se libertaram desse mal menor com o autoconhecimento. Mal menor? Sim, caso a hipocrisia afete apenas ao hipócrita (o que ocorre raramente).
Na próxima edição do Expresso, argumentarei que o homem não consegue ir além de suas próprias medidas, equivocando-se ao tomar sua curta existência como referência temporal.

domingo, 21 de junho de 2009

NOVA BABEL (II)

Em postagem anterior, escrevi que o risco de uma nova babel se deve à profusão de discursos, uma vez que a diferença entre as línguas deixou de ser um problema insolucionável. A Internet é a torre, a qual açambarca todos os demais meios preexistentes da (des)comunicação humana. Um exemplo caseiro da confusão discursiva que toma conta da mídia foi propiciado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (outra vez!) de legalizar a não-obrigatoriedade do diploma superior para o exercício do jornalismo. No Zero Hora deste domingo, página 13, há dois artigos de opinião diametralmente opostos sobre esse tema. A favor da decisão, escreve Ricardo Pedreira, diretor executivo da Associação Nacional de Jornais; contra, Ercy Pereira Torma, presidente da Associação Riograndense (sic) de Imprensa. O primeiro assegura que a decisão do STF não acaba com as escolas de Jornalismo. O segundo conclui que essa interferência do Supremo "liquidou com uma das mais valiosas conquistas do jornalismo: o diploma profissional". Cada um elabora seu enunciado de acordo com interesses individuais ou classistas, distanciando o entendimento no âmbito social, do todo.

sábado, 20 de junho de 2009

CAIO FERNANDO ABREU

O caderno Cultura de Zero Hora traz como manchete de capa: Caio em cena. Páginas 4 e 5, Luciano Alabarse escreve uma excelente matéria, intitulada Todas as peças de Caio Fernando Abreu. O teatrólogo gaúcho comenta sobre a nova edição do livro Teatro Completo do amigo santiaguense. Principais peças comentadas: Sarau das 9 às 11; Pode ser que seja só o leiteiro lá fora; A comunidade do Arco-Íris; Reunião de família (adaptação de um romance de Lya Luft); A maldição do Vale Negro; Zona contaminada; O homem e a mancha. A peça mais encenada de Caio é A maldição do Vale Negro, de 1986: "Comédia rasgada de enredo rocambolesco, envolvendo donzela virgem, uma governanta tirana, um marquês venal e um alegre grupo de ciganos".

sexta-feira, 19 de junho de 2009

PRIMEIRO PASSO

Mais do que Sócrates, fundamentado na frase escrita na entrada do templo de Delfos, foi Krishnamurti quem me fez trilhar o caminho do autoconhecimento. Paradoxalmente, o objeto mais próximo do sujeito que conhece é o mais difícil de ser compreendido, porque não há distanciamento entre os dois. Eu sou sujeito e objeto ao mesmo tempo. O livre-pensador indiano ensinava que o melhor momento para perceber o Eu (pelo próprio) é quando esse centro em mim fica exaltado com uma emoção qualquer. A raiva por exemplo. Tal (auto)percebimento exige quase um outro, uma distância minimamente necessária para observação, a qual deve ser feita de uma forma livre de ideias pré-concebidas, pré-julgamento, má consciência ou coisa que o valha. Só assim posso me autoconhecer e, o que é mais importante, provocar uma mutação interior.
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Na postagem sobre a hipocrisia, recebi o seguinte comentário do Reiffer:
Um ótimo e verdadeiro texto. Todos somos hipócritas, sem exceção, uns mais, outro menos. A diferença é que uns tem consciência disso, outros, não. O pior hipócrita é aquele que não sabe que é, ou finge que não sabe, e fica posando de bom moço, querendo encobrir seus defeitos, fraquezas ou perversidades com uma máscara de grande homem. O primeiro passo para ser um grande homem, é se reconhecer um hipócrita, e assim tentar deixar de o ser, até onde isso é possível. Nem sempre é possível deixar de ser hipócritas em algumas coisas, pois em alguns casos, para tanto, teríamos que viver isolados de todo mundo e fazer somente a nossa vontade e nunca a dos outros. Deixar de ser hipócrita totalmente, exige também uma boa dose de egoísmo.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

VELHO RÁDIO

No Museu das Comunicações da URI, inaugurado na terça-feira, esse rádio me chamou a atenção. O motivo é óbvio: o modelo se parece com o que meu pai comprou em 1969 (o vidro por trás dos botões era idêntico). A lembrança das noites em que ouvia a Música da Guaíba bastou para valer a pena ter ido ao evento.


HIPOCRISIA

A hipocrisia é característica humana por excelência. Marca o caráter de toda pessoa condicionada a fingir (quando criança) e a fingir que não finge (quando adulta). Com o significado de falsa devoção, a maioria que entra numa igreja é hipócrita. Do sacerdote ao cristão mais simplório. Eles continuam a rezar da maneira não preceituada pelos Evangelhos, com a agravante de pedir algo material, terreno, a um deus espiritual, transcendente. Com o significado laico, isto é, de ostentar uma virtude que não se tem, poucos escapam à pecha. A moda do ecologismo vem revelando grandes caras-de-pau, que fazem campanha contra o uso de sacola plástica nos supermercados, catando-as nas nascentes dos rios, todavia, continuam a andar de automóveis, a queimar cargas de madeira em suas lareiras (no inverno) e a gastar milhões de litros d'água para encher suas piscinas (no verão). Hipócritas, pais e mães que, mesmo depois de comprovado fracasso na educação dos próprios filhos, têm a fórmula perfeita para bem-educar os filhos alheios. Hipócritas, homens e mulheres que, a despeito do narcisismo, do hedonismo, do sensualismo e de outros “ismos”, falam de amor, exaltando a inteligência e a beleza interior. Hipócritas, todos os que apregoam a excepcionalidade do ser, como modo de existência, mas vivem apegados ao ter. Hipócritas, todos os que, sendo um pouco mais que nada e pouco tendo, intentam parecer que são importantes ou que têm alguma riqueza. Hipócritas, esses que falam em cultura na Terra dos Poetas e continuam a ridicularizar o epíteto cultural dado à nossa cidade (com argumento tipo “uvas verdes”, porque não sabem produzir literariamente). A propósito, os poetas são os únicos fingidores perdoáveis, uma vez que representam por motivos estéticos.
(Coluna do Expresso Ilustrado, edição desta sexta-feira.)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

GELEIA DE CARAMBOLA

Na sexta passada, fui à casa da professora Ayda Bochi (ao lado do Valle In Fiori). A Eri foi fazer um trabalho sobre o Ultrarromantismo português com a Claudiana. Quando chegamos, o casal Bochi Brum se preparava para ir à fazenda em Tupantuba. A tarde estava fria, por isso não recusei o chimarrão, enquanto lia Massaud Moisés e dava algumas dicas sobre o segundo momento do Romantismo em Portugal. Os slides foram enriquecidos com as figuras do poeta Soares de Passos e do novelista Camilo Castelo Branco. O marido da Claudiana me ofereceu algumas frutas, entre as quais a carambola (ilustrada na foto acima). Em casa, resolvi transformar esse fruta em geleia. Nunca tivera contato com a carambola, tampouco sabia que tipo de doce poderia ser feito com ela. Sempre fui doceiro, antes para atender um gosto pessoal, depois para agradar as pessoas que me cercavam. A mãe me ensinou isso com o exemplo, seja no preparo dos doces, seja no prazer de servir suas visitas. Sua geleia de pêssego era a melhor, com aroma, sabor e aparência inigualáveis. Pois bem, nesse fim de semana, fiz uma geleia de carambola que minha mãe, uma preciosista na cozinha, aprovaria certamente. Ficou na mesma consistência do mel, nem muito mole nem apurada demais, puxa-puxa, com gosto de açúcar queimado. Mesmo sendo pouco, separei uma prova para as pessoas que me deram a matéria-prima.

sábado, 13 de junho de 2009

TUDO É ILUSÃO

A ideia de que a Internet é uma nova babel parece ter arrefecido meu entusiasmo de blogueiro assíduo e alegre. Ultimamente, ando desencantado com a escrita argumentativa. Ao mesmo tempo em que prejulgo indiferente o que posso produzir, por mais sério e verdadeiro, não me agrada contribuir com a algaravia, a miscelânia discursiva em que se tornou o hipertexto. Os blogs noticiosos, os poéticos, os confessionais, entre outros, certamente, continuarão recebendo mais e mais visitas, badalados dentro da blogosfera. O gênero que escolhi, tão escasso no princípio, viceja na rede com o pretenso objetivo de reformar o mundo. Hoje estou fortemente inclinado a optar pela poesia (para não fazer algo mais radical). Emendo o Eclesiastes, tudo é ilusão.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

PAISAGEM


de repente
a LUA
neste dia
frio
gata
se insinua
sobre
o casario

quinta-feira, 11 de junho de 2009

COLUNA DO EXPRESSO

A Escola da Ponte
O Seminário de Educação (que aconteceu esta semana) trouxe a Santiago um dos grandes educadores da atualidade: José Pacheco. Diferente da maioria dos teóricos, o professor português trabalhou por mais de 30 anos num projeto educacional completamente distinto do que conhecemos como escola. Referência em educação no mundo todo, a Escola da Ponte localiza-se na cidade do Porto, Portugal. De 1ª a 9ª série, nela não existem turmas separadas por idade ou escolaridade, nem lugar fixo ou sala de aula. Os alunos, organizados em pequenos grupos com interesse comum, reúnem-se em grandes galpões e desenvolvem programas de trabalho de 15 dias. Eles também escolhem o professor-tutor, com o qual avaliam o que aprenderam e formam novos grupos. A Escola da Ponte é pública, com “contrato de autonomia” que lhe autoriza a seleção dos professores-tutores. O axioma norteador de sua proposta pedagógica é a solidariedade. José Pacheco está no Brasil para orientar projetos semelhantes à Escola da Ponte. Em sua palestra, o professor, autor de vários livros e dono de um vastíssimo Currículo Lattes, começou a dizer que a educação é um ato solidário; que a inclusão se faz trabalhando as diferenças; que não ensinamos o que dizemos, mas o que somos; que uma pedra pode significar um ser vivo na visão de uma criança de sete anos; que as nossas universidades ensinam Piaget, Vygostki, entre outros, e relegam ao esquecimento os brasileiros Paulo Freire, Lauro de Oliveira Lima, entre outros; que não há diretor na Escola da Ponte, dividindo-se tamanha responsabilidade entre todos os professores, alunos, pais e comunidade. Para melhor ilustrar seu discurso, o professor José Pacheco citou Bertold Brecht, Manoel de Barros e Clarice Lispector. A vinda do eminente educador a Santiago foi uma feliz iniciativa da Secretaria Municipal de Educação e Cultura.
Para saber mais sobre a Escola da Ponte http://www.eb1-ponte-n1.rcts.pt/

segunda-feira, 8 de junho de 2009

SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO

Há pouco encerrou-se a primeira palestra do Seminário de Educação, que se realiza no Clube União Santiaguense. O professor José Pacheco falou por duas horas e meia sobre sua experiência na Escola da Ponte, na cidade do Porto, Portugal. Autor de vários livros sobre educação, o professor está no Brasil há um ano e meio. Ele brinca que precisa desfazer o mito que Rubem Alves criou em torno da Escola da Ponte. Dez para a iniciativa da Secretaria de Educação e Cultura de Santiago de trazer tão eminente figura. Amanhã postarei algumas ideias do professor José Pacheco.

BRÁCTEAS

Eis um poema natural
em frente a minha janela.
Sempre gostei de flores, vivas,
vermelhas, vulcanizadas...

domingo, 7 de junho de 2009

HERMES, PÃES VELHOS...

Os gregos atribuíam o mesmo deus aos comerciantes e aos ladrões: Hermes. Aos sete dias de vida, o filho de Zeus e Maia roubou o rebanho de Apolo, que perdoou o irmãozinho pela ousadia ao ouvi-lo tocar uma flauta. O mito é uma narração antiga que serve para explicar coisas, seres e fenômenos reais, constituindo-se numa verdade porque se refere a uma realidade (segundo Mircea Eliade).
Por que um mesmo deus para os ladrões e os comerciantes? Será que nos primórdios de nossa civilização já havia comerciantes desonestos que se comparassem aos ladrões? Atualmente, a mentira e a corrupção fazem parte do caráter social, que ninguém mais se espanta com tais imoralidades.
Fui comprar pão num mercado neste domingo. Apanhei um pacote de fatiados, popular coop, cuja data de fabricação era do dia 07.06.09, hoje mesmo. Ao apalpá-lo, estranhei a firmeza do pão e perguntei à mulher da padaria uma explicação. A atendente justificou que o pão fora feito ontem, mas um problema no código de barra exigiu nova etiqueta. Mesmo desconfiado, levei o pão para casa, onde tive o trabalho de separar as etiquetas. Na etiqueta de baixo, a data de fabricação era 02.06.09 (terça-feira passada). O preço antigo (1,68) fora corrigido (1,71). Pão velho e sobe o preço?
Voltei ao supermercado para reclamar. A mulher da padaria foi obrigada a me ouvir. A gerente queria me devolver o dinheiro, uma vez que os pães fatiados estavam velhos. Resolvi trazer o pão de volta, como prova para este relato.
Vender pão velho, assegurando que foi feito ontem ou hoje, constitui uma prática no comércio em Santiago. Já fui ludibriado nesse sentido na Feira do Produtor (com pão caseiro) e noutras padarias de nossa Santiago.
Minha dúvida é se faço uma queixa ao Procon, ou se escrevo um poema em homenagem a Hermes.

NOITE DA FRANÇA EM SANTIAGO


Ontem fui ao Centro Cultural, convidado para participar da Noite da França em Santiago. A ideia e a organização do evento foi do jovem Antônio Carlos de Almeida, graduando do curso de Letras da URI. A primeira apresentação ficou por conta do Clube dos Amigos de Beethoven, representado pelo professor Albino e Bordinhão. Dois clássicos da música erudita: Meditação de Thais, de Jules Massenet, e Bolero, de Maurice Ravel. Thais é uma ópera em três atos, baseada no romance homônimo de Anatole France. Música e Literatura. Compositor simbolista, Ravel buscava o encontro da música com a imagem e a palavra. Depois da música, a Literatura. Para apresentá-la, a professora Ayda. Ela deu destaque para Victor Hugo e Balzac. Em seguida, uma apresentação sobre ballet com a professora Viviane. Por último, a professora Amália Bochi fez uma exposição da evolução histórica da França. Por motivo de força maior, a Nívea Andres não pôde comparecer para falar-nos da Pintura, arte em que os franceses foram grandiosos. A Filosofia também poderia participar de um painel em homenagem à França, de Montaigne a Morin. Fica para uma próxima oportunidade.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

NOVA BABEL


Quem não ouviu ou leu sobre a mítica Babel, narrada no Gênesis? Os descendentes de Noé se fixaram no Vale do Sinar, desejando ali edificar uma cidade e uma torre tão alta que seu cume alcançasse o céu. A tamanha ousadia visava criar uma referência, um nome que unisse o povo, impedindo-o de se espalhar sobre a Terra. Por negar a ordem divina, em sentido contrário, desceu o Senhor e confundiu a língua deles. Divididos linguisticamente, os homens se dispersaram pelo mundo afora. Esse mito, criado para justificar a origem das diferentes línguas, constitui apenas o viés da cultura judaico-cristã, sustentada por um teocentrismo imanente. Outras culturas contam outras histórias para a mesma justificativa. Babel, no entanto, melhor se encaixa como alegoria fundadora da grande confusão discursiva que se instaura nos tempos (pós)modernos. Uma torre foi elevada aos céus, sem a intervenção de um deus pessoal: a Internet. Entre as principais características desse feito tecnológico, destaca-se a ubiquidade, que é estar ao mesmo tempo em toda parte. Sua base não se alicerça num vale, numa montanha, nalgum lugar específico, mas em volta do planeta, em cada um dos computadores interconectados. A torre é a rede. Dentro dessa estrutura virtual, ocorre um fenômeno inverso ao da dispersão, uma vez que as línguas se aproximam e, com as ferramentas já existentes, podem ser reduzidas à língua única. Surge um problema maior que o ocorrido com a dispersão. A língua é instrumento com que se faz o discurso, e o discurso, ou melhor, os discursos, por sua diversidade, criam uma nova algaravia, uma balbúrdia sem fim. Quem já pensou sobre isso?
(Coluna do Expresso Ilustrado, edição desta sexta-feira.)

quinta-feira, 4 de junho de 2009

(AINDA SOBRE O) ACORDO ORTOGRÁFICO

A reforma ortográfica continua a alimentar uma discussão entre prós e contras. Nos momentos iniciais dessa beligerância linguística, os prós se impunham com o argumento da unificação, mas os contras reagem com uma crítica baseada na impossibilidade prática da uniformidade e na publicação precipitada do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP). Solicitado a dar duas aulas sobre o Acordo, defendi-o, mesmo que a questão do hífen constituísse seu calcanhar de aquiles. A propósito, transcrevo o que postei em 13 de fevereiro:
ACORDO ORTOGRÁFICO
da Língua Portuguesa
Ontem dei uma aula sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990) no 19º Grupo de Artilharia de Campanha. Autorizado pelo comandante, Ten Cel Jacintho, apresentei as novas regras da reforma para um auditório composto por oficiais, subtenentes e sargentos. Em razão da longa e intelectualizada relação com o nosso idioma, não tive problema para, ora defender as mudanças, ora classificá-las como "calcanhar de Aquiles" (e que exigirá novo acordo futuramente). Isso ninguém disse até agora. Apenas no século XX, houve treze passos rumo à unificação.
Nessa postagem, requeri a originalidade em denominar o problema da hifinização de "calcanhar de aquiles". Pois bem, na revista Língua Portuguesa, nº 43, maio de 2009, numa matéria de Josué Machado, lê-se: "Outro engano se refere ao péssimo capítulo do hífen, calcanhar de aquiles do Acordo".
Reitero o que sentenciei há quatro meses: possivelmente, desentendimentos e contradições em relação ao hífen levarão a uma outra edição do Acordo. Sou obrigado a concordar com o professor Cláudio Moreno: não compre o VOLP, está cheio de falhas.

terça-feira, 2 de junho de 2009

ESCÓLIO

Ainda que a nossa blogosfera não necessite de esclarecimentos quanto ao significado da palavra-título desta postagem, transcrevo o que o grande Houaiss tem para nos dizer: escólio s.m breve anotação sobre algum texto com a finalidade de explicá-lo ou torná-lo mais claro, mais compreensível.
Escrevi o poema abaixo diretamente na página do blog, abrindo mão da caneta e do papel pela primeira vez. Ao contrário da Erilaine, que produz belos poemas e crônicas num vapt, demoro até dias para dar por acabado meus textos. Ontem foi diferente: abri a janela para uma nova postagem e...
Surpreso com o resultado, editei o poema (depois de escolher uma imagem no Google). Não substimando a capacidade de interpretação dos leitores, passo a explicar o que escrevi, especialmente o aspecto polissêmico do meu discurso poético.
a noite se
fria(o)
de uma forma prosaica, a noite, se fria ou anoitece frio.
Fazia muito frio, que o pala de lã e o vinho eram insuficientes. Vinho branco, alma de... de qualquer coisa, a suspensão é proposital. Vinho branco, almadén. Em cada garrafa há uma ponte fluida. Realmente, a melhor garrafa que tomei desse vinho foi em 1987, num restaurante de Poços de Caldas. Para contrabalançar com a metáfora, um dedo de prosa entre parênteses. A geada começa a ocorrer nas primeiras horas da noite, facilmente observada sobre os automóveis estacionados. Por que g(e)ia? O correto da conjugação na 3ª pessoa do singular do verbo gear é geia, mas o vulgo prefere gia. Juntei as duas variações linguísticas. Para encerrar, ousei criar um neologismo do amálgama entre aveludadas e lúdicas. Assim imaginei as mãos da poesia: avelúdicas.
A propósito desse recurso fônico-semântico, Alessandro Reiffer encerrou um de seus poemas com a seguinte construção:
"nada
de clarar"
A poesia se distingue da prosa por essas e outras.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

poesia


a noite se
fria(o)
não me fio
na lã no vinho
branco
alma de
em cada garrafa
fluida
ponte
(a safra de 1987
foi a melhor)
nada me esquenta
mais enquanto
g(e)ia
que as mãos
ave lúdicas
da poesia

UMA PONTE PARA O ABISMO

Uma das inexorabilidade destes dias, tempo em que a liberdade se degenera para um relativismo exacerbado, vulgarmente chamado de libertinagem, consiste no uso incontrolável das drogas. Todas as campanhas contra o tabagismo surtiram um efeito positivo, facilmente observado em nossa sociedade. Os fumantes que perseveraram no vício, e os neófitos que lhe seguem os passos são, potencialmente, os consumidores de maconha, crack, cocaína e quejando. Eles se constituem numa ponte colocada no sentido contrário ao idealizado por Nietzsche em Assim falava Zaratustra, uma vez que involuem do homem ao sub-homem. Independentemente das causas físicas ou psicológicas que os levam ao vício, personificam a prova incontestável de degeneração humana. A liberdade de escolha acaba na dependência, no escuro corredor que conduz ao abismo, à morte. Toda prática que não preserve ou fortaleça a vida é imoral, devendo ser combatida pelo argumento e pela ação repressiva.