domingo, 6 de março de 2022

NÃO EMPODERAMENTO

 

        Em 2020, escrevi o artigo Rede social Facebook: o não empoderamento do sujeito do enunciado, como avaliação no curso de Filosofia (FAE Centro Universitário, Curitiba). No momento em que a mídia social possibilita a um grande número de usuários criar uma página e se inserir no que pode ser considerado letramento digital, ousei questionar diversos estudos acadêmicos que apontam certo empoderamento pessoal.

       Para tanto, desenvolvi meu argumento baseado em três referências: Mikhail Bakhtin, Platão e Sigmund Freud. Da análise do gênero discursivo recorrente, do conteúdo opinativo e narcisista da enunciação, sustentei que o sujeito que a elabora não se efetiva como interlocutor dialógico, não contribui para a verdade e tampouco cumpre um papel de relevância intersubjetiva. Ademais, há de se considerar o poder de manipulação do Facebook, recentemente denunciado por ex-colaboradores da startap.

       A partir de Bakhtin, esclareci o que seja o enunciado dentro do processo comunicativo. O sujeito é quem fala ou escreve para um ouvinte ou leitor que dialoga com ele. Esse segundo componente da relação dialogal, por sua vez, ocupa “uma ativa posição responsiva: concorda ou discorda” do primeiro, com o qual alterna o papel de enunciador. O enunciado é tudo o que produzido durante a comunicação oral ou escrita. O linguista e filósofo russo classificou os gêneros discursivos de primários (conversa, bilhete, e-mail etc.) e secundários (crônica, conto, artigo etc.).

       Da réplica do diálogo cotidiano ao comentário mais longo em que se expressam ideias, apreciações e juízos de valor, a opinião constitui a maioria dos enunciados no Facebook. Na linha segmentada proposta por Platão, a opinião consiste numa forma primária de conhecimento, fundamentado em ilusões, crenças e preconceitos. Nesse aspecto o filósofo rende tributo a Parmênides, pré-socrático que opunha a opinião à verdade.

       Em vista de sua subjetividade, de seu caráter íntimo, a opinião visa a dar evidência ao sujeito que a enuncia. A imagem de si mesmo, na percepção desse sujeito, merece o compartilhamento com o outro, independentemente da concessão dialogal. Pari passu com outras semioses (a exemplo do selfie), a enunciação é motivada pelo narcisismo, ou a necessidade de investimento no Eu, segundo Freud. No âmbito hi-tech, o Facebook representa o lago que reflete a própria face piegas do sujeito enunciador. Antes de comunicar algo, de exercer uma função social, todo enunciado, acompanhado de imagem ou não, presta-se à afirmação de uma identidade narcísica.

       Em síntese, não há empoderamento no emprego de gêneros primários (como a conversa cotidiana), não há na opinião e na expressão narcisista. Para se tornar empoderado, o usuário deve produzir uma forma de gênero digital que influencie seu interlocutor, que se aprofunde na busca da verdade e que se caracterize pela alteridade. Não há empoderamento sem considerar a relação com o outro.

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