A porta
entre a sala e a cozinha encontra-se fechada, uma porta branca. Muito
estranho, uma vez que ela nunca fora fechada. Ato contínuo, chamo
pela mulher que dorme no quarto, para indagar-lhe se fechou a porta à
noite.
Sua
resposta não diminuiria o mistério: a porta branca.
A
impressão é de que meu chamado não sai da boca, por mais que faça
um grande esforço.
Neste
instante de aflição, desperto do sono (e do sonho).
Antes de
dormir, começara a leitura de O espírito do ateísmo, de
André Comte-Sponville. Ancorado nesse filósofo, ocorre-me o
seguinte insight: o paraíso, se existisse, não poderia permitir
à pessoa recém-chegada a mínima lembrança desta vida, a mínima consciência de sua
individualidade, sob pena de transformar esse lugar numa prisão (com
portas brancas), ao contrário de uma libertação.
Na
hipótese de não haver essa lembrança, com a perda da
individualidade, qual a relação que existiria entre a vida terrena e
a vida eterna?
Num
sentido inverso, a vida terrena não propicia a mínima lembrança de
uma vida anterior, denegando a crença do espiritismo.
Os
sonhadores, que creem em vidas aquém e além, sustentam que a vida
real não passa de um sonho. O sonho, para eles, constitui a
realidade. Nossos sentidos seriam “demônios” que nos enganam o
tempo todo. Herança maldita de Platão.
Em coma,
provavelmente não teria acordado de madrugada, e a porta branca do
meu sonho ganharia em realidade.
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