Uma
nova babel ergue seu edifício nestes dias com uma rapidez que logo comprometerá
a própria sustentação. Com o mesmo instrumento, a língua, sujeitos diferentes
conseguem elaborar uma diversidade tão grande de discursos, que já dificulta o entendimento
recíproco, a interlocução.
Um “tijolo” (ou “pérola”) dessa
construção babélica foi oferecido pela juíza Cármen Lúcia Antunes Rocha,
vice-presidente do Supremo Tribunal Federal: “Tenho muita fé em que os cidadãos
vão entender com clareza cada vez maior que qualquer condenação que ultrapasse
o direito é vingança, não justiça. E vingança se tem na barbárie, não na
civilização” (VEJA, 17 Set 14).
Dos
conceitos primitivos empregados pela juíza, proponho uma análise de vingança, justiça, barbárie e civilização. Os dois últimos fazem
referência a estágios de desenvolvimento da humanidade. A barbárie se encerrou
com o surgimento da escrita, há seis mil anos aproximadamente, quando teve
início a civilização.
Certamente,
não foi essa significação que a juíza Cármen Lúcia deu aos termos, reduzindo-os
a seus hipônimos atuais: vingança (para barbárie) e justiça (para civilização).
A
denominação de barbárie ao ato de crueldade é de uso corrente, que não
distingue os “babelianos”, da elite intelectualizada ao senso comum. O uso
falacioso dessa inversão tem o objetivo de preservar a nossa civilização, por
intermédio do mito teleológico, que atribui a ela uma evolução contínua para
melhor. Ao ato de boa educação, fraternidade e amor, diz-se que é civilizado.
(Segundo
a frequência com que ocorrem esses antípodas do comportamento humano, o mal
continua identificando-se à realidade, e o bem, à idealização. Não obstante o
gigantesco imperativo moral ou religioso.)
Ao
associar uma condenação mais dura à barbárie, não à civilização, a juíza reduz
coisas opostas numa coisa única, com graus diferentes de intensidade na ação de
punir quem tenha sido condenado. Ela saberia explicar melhor (ou “desbabelizar”)
em que consiste uma “condenação que ultrapasse o direito”? Em contrapartida, há
um “ficar aquém” do direito? Neste caso, continuaria havendo justiça? Na
confusão instituída pela nova babel, a impunidade é barbárie ou civilização? Ou
esta só existe dentro da exata medida do Direito?
O
magistrado que “ultrapasse o direito” de punir não cometeria um exagero, uma
severidade, um equívoco. Por que vingança (julgando-se crimes do chamado “colarinho
branco”)?
Afinal,
o que realmente disse a juíza Cármen Lúcia? Suas opiniões (publicadas na VEJA)
contribuem para aumentar a algaravia discursiva que levanta uma babel às avessas
nestes dias.
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